Como
liberal, normalmente encaro a ideia de "Custo Brasil" como uma aliada. Sempre quando a dita é invocada, temos "de
brinde" várias reclamações sobre a alta carga tributária, a incapacidade do
governo para cuidar da infra-estrutura do país, como o governo sufoca o setor
privado, como regula excessivamente e atrapalha os negócios, como a burocracia
emperra o desenvolvimento etc. E tudo
isso é realmente verdade. No entanto, um
dos pontos principais (senão o principal) das argumentações que usam o custo Brasil,
é que ele prejudica a competitividade das empresas nacionais no exterior. E é aí que mora o perigo. Como diz o ditado popular: "pau que nasce
torto, morre torto". Uma ideia que
"começa errada" (a do custo Brasil causando prejuízo da competitividade
internacional) pode gerar boas consequências aqui ou acolá, como no caso de
"malhar" o governo por políticas erradas, porém, "no final", sempre acabará
trazendo consequências ruins.
Antes
de mais nada, é bom esclarecer o seguinte: o custo Brasil é relevante para algo
importantíssimo: nível de bem-estar. Nós
estamos piores graças ao custo Brasil. Mas
ele não tem a mínima relevância para a avaliação, em termos de bem-estar, quanto
à questão de se o livre comércio é benéfico ou não (ou seja, em relação à nossa
competitividade lá fora, ou se conseguiremos exportar bens, se seremos
"dominados" por uma invasão de produtos estrangeiros etc.).
Sendo
mais explícito, nós ficamos piores com o custo Brasil (nosso nível de bem estar
cai), mas independente de existir ou não custo Brasil, o nosso bem-estar
aumenta se abrirmos a economia (adotarmos livre comércio). Por que estou chamando a atenção para isso? Porque não é incomum ouvirmos de empresários e
de seus órgãos de representação que abrir radicalmente a economia seria
benéfico sim, mas não poderia ser feito hoje porque temos o custo Brasil e,
como isso afetaria a competitividade da indústria nacional no exterior, faria
com que as empresas nacionais quebrassem, gerando desemprego,
"desindustrialização" etc. Eis aí o que
eu disse sobre ideias erradas, no final, "trazerem consequências ruins".
Essa
explicação (da abertura ser ruim em decorrência da presença do custo Brasil) é
uma aplicação de um erro comum em teoria econômica, qual seja, o de que
vantagens absolutas é que importam para o livre comércio e não vantagens
comparativas. O exemplo da mãe que
contrata uma babá para cuidar do filho é um exemplo básico de que essa idéia
(de importância das vantagens absolutas) está errada, mas dificilmente alguém
liga os pontos. Uma mãe sabe muito
melhor do que 99% das babás como cuidar do seu próprio filho (tem uma vantagem
absoluta sobre a babá). No entanto,
assim mesmo ela contrata o serviço.
O
que determina se haverá trocas e, consequentemente, ganhos de bem-estar, são
comparações entre os custos internos de se ofertar/produzir determinados bens
(quanto do bem X eu preciso abrir mão para produzir Y), o que é comumente
chamado de "custo de oportunidade". Pode-se perfeitamente existir alguém mais
habilidoso em tudo, que leva menos tempo, por exemplo, para produzir tudo, mas
que, olhando para as suas "habilidades relativas", ao escolher produzir um bem
em particular, vai fazer com que tenha de abrir mão de muitos outros bens para
produzir esse bem particular (alto custo de oportunidade).
Concretamente,
imagine uma mãe que pode cuidar do seu filho muito melhor do que qualquer babá
(tem vantagem absoluta), mas que, para cuidar pessoalmente do seu filho, por
ser uma habilidosa advogada, deixaria de ganhar R$100.000 por mês. Podemos dizer que o serviço de babá da mãe, na
verdade, custa R$100.000 mensais, que é o que ela deixa de ganhar por ser babá
e não advogada. Existe alguém que produz
serviços de babá a um custo inferior? Certamente.
Para
tudo isso ficar mais claro, montemos um exemplo clássico de demonstração das
vantagens comparativas (e custos de oportunidades). No nosso mundo existem dois países: Brasil
(BR) e o resto do mundo (RM). E dois
bens, bananas (B) -- em uma unidade econômica fictícia -- e computadores (C) --
também em uma unidade econômica fictícia. BR leva 2h para fazer B e RM leva 4h. Em relação a C, BR leva 4h e RM leva 2h. Esse é o mundo ideal de quem pensa em
"vantagens absolutas". Cada um teria um
"custo absoluto" menor em cada produto e ganhariam trocando. Em termos de vantagens comparativas, temos os
seguintes custos de oportunidades em termos do outro bem:

Interpretando
o quadro: BR pode produzir B a um custo de 0,5C (é isso que quer dizer o 0,5 no
quadrante (BR;B)). Para ver isso, basta
notar a tecnologia descrita anteriormente: se em 1h BR faz 0,25C (4h para fazer
1C), então, em 1h fazendo Bs, é perdido 0,25C (a sua produtividade de Cs em
1h). Como são necessárias duas horas
para 1B, perde-se 0,5C, ou seja, 1B custa 0,5C para BR.
O
raciocínio inverso nos dá o custo de C. Se
em 1h são feitos 0,25Cs ou 0,5B, então, como são necessárias 4 horas para sair
1C, perde-se 4 X 0,5B = 2B.
Dado
os custos de oportunidades, é óbvio que teremos comércio a qualquer razão de
troca (C/B - 1B por X C), ou preço, entre 0,5 e 2.
Suponha
que o preço seja 1,2 (1B por 1,2C). Para
RM produzir 1B, ele tem um custo de 2C (quadrante (RM; B)). No entanto, BR oferece 1B por apenas 1,2C. É claro que compensa para RM. E no caso de BR? Ora, para obter 1C ele precisa abrir mão de 2B
(quadrante (BR;C)), mas no caso de troca com RM ao preço de 1,2, ele com apenas
1B consegue 1,2C. Maravilha!
Visto
o exemplo mais simples, vamos incorporar o custo Brasil ao nosso "modelinho".
Embora no mundo real o custo Brasil tenha impactos diferentes dependendo do
setor, não é essa a objeção levantada contra a abertura comercial na presença
de tal custo, até porque, com "custos Brasis" diferentes em cada setor, o que
nós teríamos seriam alterações de custo de oportunidade que determinariam uma
mudança de lucratividade na produção de bens particulares, o que implicaria ganhos
para alguns setores e perdas para outros (não em "perdas para empresas
nacionais, no geral").
O
custo Brasil, então, será incorporado como um "choque negativo generalizado" de
produtividade. Assim, BR em vez de levar
2h para produzir B, levará 6h para produzir 1B e 12h para produzir 1C.
Veja
que a habilidade relativa se manteve; apenas piorou em termos absolutos (por um
fator de 3). Antes eram 2h e 4h, agora
são 6h e 12h. Ou seja, graças ao custo
Brasil, BR é menos produtivo em tudo. Quem
pensa em termos de vantagem absoluta dirá: estamos perdidos! Na verdade, estamos perdidos no sentido de que
nosso bem-estar cairia com esse "choque negativo", mas, dada essa queda, abrir
a economia continuaria gerando uma melhoria (e não uma piora como o argumento
do começo do texto dizia).
Assim
como fizemos anteriormente, vamos calcular os custos de oportunidade: BR agora
leva 12h para fazer 1C. Logo, em 1h, ele
pode fazer 1/12C. Como são necessárias
6h para produzir 1B, temos que (milagre!) o custo de oportunidade de B continua
sendo 0,5C (6x1/12C).
Esse
resultado é decorrência do fato de as habilidades relativas (produzir B ou
produzir C) não terem se alterado. BR
continua sendo duas vezes melhor na produção de B, embora, com os mesmos
recursos (no caso tempo), produza menos em termos absolutos. O mesmo comportamento dos custos de
oportunidade obviamente também vale para C. São 12h para produzir C, mas nessas 12h, BR
faz 2Bs, já que leva 6h para fazer apenas 1B -- logo o custo de oportunidade de
C é 2Bs (exatamente o que era antes).
Como
estão mantidos os custos de oportunidades, continua válida a regra de que, sob
um preço (C/B) entre 0,5 e 2, há ganhos de bem estar com as trocas. Por um preço de 1,2 (que cumpre a condição
exposta), por exemplo, BR continua conseguindo Cs a um custo menor (colocando-se
1C no lugar de 2B, como seria em uma autarquia, se houvesse livre comércio só seria
necessário abrir mão de 0,84B para conseguir o mesmo 1C), e o mesmo vale para
RM (que precisa perder 2C para obter 1B e agora precisa fornecer apenas 1,2Cs
pelo mesmo bem).
Obviamente,
dada a menor produtividade de BR graças ao custo Brasil, existem menos bens
disponíveis e consequentemente um menor bem-estar -- menor bem-estar que pode
ser melhorado com a abertura comercial (livre comércio) mesmo sob a presença do
tal custo.
O
modelo simples descrito anteriormente também serve para mostrar algo mais
geral: o quão irrelevante, na avaliação de ganhos do livre comércio, é a idéia
de "vantagens absolutas", justamente porque esse conceito ignora completamente
o que realmente importa: os custos de oportunidade (o quanto se perde ou se
abre mão por produzir X e não Y).
Esse
é um erro comum, que aparece em várias outras teses, como a de que "salários
baixos de um país" prejudicam o país com maiores salários em um sistema de
livre comércio (usando o nosso "modelinho", o país com baixos salários seria
como o BR com o custo Brasil -- o país de baixíssima produtividade).
Temos
também a versão "extrema" desse caso: países com "escravidão" levariam vantagem
sobre países ricos com altos salários, o que também não é o caso -- basta utilizar
o mesmo "modelinho".
Ainda
na mesma linha, tem-se a idéia de que um país cuja produtividade cresce seja
uma ameaça aos mais ricos (com produtividade já alta) - utilizando nosso
exemplo, seria como dizer que o fim do "custo Brasil" pioraria o bem estar de
RM. O que não é verdade, pois RM seria
beneficiado pela alta produtividade de BR ao poder realizar mais trocas, obter
mais Bs a um custo menor de Cs.