Qualquer um que esteja a par das notícias sobre a
crise financeira global está dolorosamente ciente de que o mundo como o
conhecemos está rapidamente se desestabilizando. Dívidas insondáveis estão se acumulando como
rachaduras numa geleira no verão.
As aflições da dívida europeia golpearam
fortemente o euro e as ações dos países asiáticos. Os pagadores de imposto da zona do euro agora
estão extremamente expostos ao crédito de alto risco -- o que está levando
pânico aos mercados mundiais --, já que os bancos estrangeiros portadores de
títulos da dívida grega e portuguesa receberam uma intervenção de emergência do
Banco Central Europeu para ajudá-los em suas posições. O executivo principal do Deutsche Bank disse
que seriam necessários incríveis esforços por parte de Grécia para que sua
dívida, algum dia, seja quitada por completo.
Diariamente, crescem os temores de que as medidas
de austeridade que terão de ser implementadas pelos países problemáticos da
zona do euro irão arruinar a recuperação e continuar produzindo manifestações
violentas, como aquelas que estouraram em Atenas recentemente. Portugal, Itália, Grécia e Espanha foram
agregados e alcunhados como PIGS, sobrecarregando e oprimindo a União Europeia,
uma vez que suas dívidas soberanas incharam além do imaginável e os déficits
governamentais já deixaram de ser factíveis.
O euro caiu para seu menor valor em quatro anos em relação ao dólar,
como se o dólar fosse uma moeda forte e confiável.
A Grã-Bretanha também está numa encruzilhada. Como seus líderes políticos não suportam a
ideia de não gastar, eles simplesmente pararam de pensar nessa hipótese. Eles estão falsamente convencidos de que
quaisquer cortes nos gastos públicos irão destruir os serviços públicos básicos
daquele país e impedir que haja sequer o começo de qualquer recuperação
econômica. Seus economistas entenderam
tudo pelo avesso. A população britânica
pode esperar uma tributação cada vez maior sob o jugo de uma burocracia
coerciva e custosa, cujas políticas monetárias estão voltadas para servir ao
estado e não aos cidadãos pagadores de impostos.
Os EUA, por sua vez, estão na mesma situação. As finanças da Grécia, de Portugal, da
Itália, da Espanha e da Grã-Bretanha não são exemplos singulares. Os EUA simplesmente não podem jogar pedras na
vidraça europeia quando se sabe que sua dívida nacional já atingiu 86% do PIB,
praticamente no mesmo nível da espanhola.
Estimativas do próprio governo -- por meio Congressional Budget Office
-- trazem uma previsão soturna para os anos vindouros. Calcula-se que os déficits não cairão para
menos de 3% do PIB sob as políticas de Obama; pior: começarão a crescer
rapidamente após 2015. O orçamento
proposto pela Casa Branca acrescentaria mais de $9,7 trilhões à dívida nacional
americana ao longo da próxima década. O
próprio Congressional Budget Office admite que a dívida será maior do que essa.
Essas dívidas infindáveis podem ser evitadas? É possível uma nação reverter sua situação
trágica, sair do abismo e voltar a crescer?
Os políticos exigem que as pessoas passem a gastar
mais. Economistas convencionais alertam
que poupar em época de crise é o caminho mais curto para as ruínas. Estariam eles certos? Alguma nação já tentou não gastar? Uma já.
Uma nação possui uma história bem
documentada para nos contar. É
plenamente possível ouvir sua história e aprender a como desviar do abismo antes
da queda trágica.
Todos os países que hoje estão enfraquecidos pela dívida
estatal podem aprender uma ou duzentas coisas com aquele pequeno país que fez o
que hoje seria considerado impossível -- a Nova Zelândia cortou o tamanho de
seu coercivo, regulador e ferozmente tributário governo, e não apenas viveu
para contar a história, como também prosperou após isso.
Ao passo que o mundo caminha hoje para o que
parece ser a engorda interminável de seus já obesos leviatãs, a Nova Zelândia
tem uma história de como emagrecer acentuadamente o estado por meio de uma
dieta saudável baseada na contenção fiscal.
Isso aconteceu em meados da década de 1980, e sob um governo de
esquerda. De uma hora para outra, a Nova
Zelândia se livrou de seus parasitas e escancarou as portas da oportunidade
para que produtores e empreendedores pudessem criar riquezas e aumentar a
padrão de vida de todos os neozelandeses.
Com efeito, a Nova Zelândia operou sua mudança exatamente
quando a população passou a demandá-la.
Liderando o processo de redução do estado estava Maurice P. McTigue,
ex-ministro do governo trabalhista eleito em 1984. A palestra educacional de McTigue foi
generosamente reproduzida em partes, com permissão da Imprimus, o compilador de
discursos da universidade Hillsdale. Essa cartilha do "como fazer" chama-se Reduzindo o Governo:
Lições da Nova Zelândia.
O governo reformista da Nova Zelândia fez apenas duas perguntas básicas a
cada uma de suas agências, secretarias e ministérios: O que você está fazendo? e O
que você deveria estar fazendo? Ato contínuo, foi dito a cada órgão que ele
deveria eliminar tudo aquilo que ele não deveria estar fazendo. Isso não parece algo muito sensato? Não parece muito claro?
'Parem de ficar cavando buracos apenas para serem enchidos novamente. Parem com a gastança.' Essa simples abordagem, franca e direta,
reduziu o número de funcionários públicos no Ministério dos Transportes da Nova
Zelândia de 5.600 para meros 53. Já o
número de empregados parasitas no Ministério do Meio Ambiente caiu de 17.000
para apenas 17.
McTigue era ele próprio Ministro do Trabalho. Ele acabou sendo o único funcionário que
restou quando o processo de corte eliminou 28.000 empregados. Como o próprio McTigue diz, quase tudo que o
Ministério fazia era construção e engenharia -- mas havia muitas pessoas que
poderiam fazer tudo isso sem o envolvimento do governo.
Todos esses empregos foram extintos?
Não. O que foi extinta foi a
tributação do governo sobre cidadãos produtivos. A demanda por esses empregos continuou
existindo. Empresas privadas, com muita
satisfação, empregaram essa mão-de-obra capacitada. Trabalhando num setor privado agora menos
onerado por impostos, cada empregado passou a ganhar três vezes mais e
tornou-se 60% mais produtivo.
A reforma liberou para o setor privado aquelas atividades que o governo
vinha fazendo sem que houvesse qualquer motivo para que ele as fizesse. A decisão da Nova Zelândia de sair do abismo
do endividamento resultou em uma enorme venda de ativos estatais. Telecomunicações, empresas aéreas, esquemas
de irrigação, serviços de informática, gráficas governamentais, empresas de
seguro, bancos, ações, hipotecas, ferrovias, serviços de ônibus, hotéis,
empresas de navegação, serviços de assessoramento agrícola, e muito mais foram
vendidos. A produtividade disparou; os
custos caíram.
Esse encolhimento do governo determinou que as agências governamentais
remanescentes fossem geridas tendo o lucro como objetivo e pagando
impostos como qualquer empresa privada.
As reformas transformaram o sistema de controle de tráfego aéreo em uma
empresa autônoma, cujos objetivos eram obter uma taxa de retorno aceitável e
pagar impostos. Mais ainda: ficou
determinado que ela não receberia qualquer capital de seu proprietário (o
governo). Essa mesma reforma foi
estendida para outras 35 agências -- agências que até então custavam ao setor
produtivo um bilhão de dólares por ano passaram a produzir um bilhão de dólares
por ano em receitas e tributos.
A instituição de altos níveis de transparência foi prometida e de fato
cumprida na Nova Zelândia. As
consequências da incompetência administrativa do governo geraram o seguinte: o tamanho do governo foi reduzido em 66%,
medido pelo número de funcionários públicos; a fatia do governo no PIB, que era
de 44%, caiu para 27%; o governo passou a produzir superávits orçamentários;
estes foram utilizados para saldar a dívida; a dívida, que estava em 63% do
PIB, caiu para 17%; o que sobrava do superávit de
cada ano era compensado pela redução de impostos; o imposto de renda foi
reduzido pela metade e vários impostos indiretos foram eliminados.
Como o próprio McTigue escreveu:
É preciso reconhecer que o principal problema com os subsídios é que
eles tornam as pessoas dependentes; e quando você torna as pessoas dependentes,
elas perdem sua criatividade e toda sua capacidade de inovação, tornando-se
ainda mais dependentes. As reformas
acabaram com todos os subsídios que o governo dava aos criadores de ovelhas da
Nova Zelândia. Tal processo alterou a
posição desses fazendeiros: antes, 44% de sua renda vinham dos subsídios do
governo; depois, zero. Em 1984, o
mercado de cordeiros estava em $12,50 por carcaça. Já em 1989, produzindo um produto diferente,
processado de maneira diferente, e sendo vendido para mercados diferentes, o
preço já estava em $30. Em 1991, o
produto já estava valendo $42; em 1994, $74; e em 1999, já valia $115.
O encolhimento do governo obrigou a indústria de ovelhas da Nova
Zelândia a ir ao mercado encontrar pessoas dispostas a pagar preços mais altos
por seu produto. Essa reforma fez com
que apenas 0,75% dos empreendimentos agropecuários apresentassem prejuízos e quebrassem -- e
essas eram pessoas que sequer deveriam estar no ramo. Em vez de uma expansão na agropecuária
corporativa, foi a agropecuária familiar que se expandiu. Todos viraram empreendedores. A liberdade demonstrou que, quando você dá às
pessoas a opção de serem criativas e inovadoras, elas encontram soluções.
Com uma visão diferenciada sobre a função do governo, a Nova Zelândia
eliminou todo o Ministério da Educação.
Cada escola passou a ser administrada por um conselho de gestores
eleitos pelos pais das crianças daquela escola, e por ninguém mais. Sob esse novo método, cada escola passou a receber dinheiro de acordo com o número de estudantes matriculados nela, sem impor
condições especiais. Todas as escolas
foram convertidas a esse sistema no mesmo dia.
Escolas privadas passaram a ser financiadas da mesma maneira. Repentinamente os professores perceberam que,
se eles perdessem alunos, perdiam o financiamento; e se eles perdessem o
financiamento, perderiam seus empregos.
O nível educacional da Nova Zelândia, que até então era 15% inferior
ao de seus pares internacionais, tornou-se 15% superior.
O governo reformista da Nova Zelândia decidiu também que fornecer serviços
sociais para tentar alterar comportamentos não era algo exequível dentro de um sistema
tributário racional. Ato contínuo, eles
escolheram apenas dois métodos de obter receitas -- um reduzido imposto sobre a
renda e um imposto "flat" sobre o consumo.
E só. Todas as outras formas de
tributação foram eliminadas. Ponto.
Os responsáveis pela desregulamentação reescreveram os estatutos sobre os
quais se baseavam todas as regulações.
Todas as leis ambientais, códigos tributários, decretos agrícolas, leis
sobre saúde e segurança ocupacional -- todos os calhamaços, cada um deles. Leis que tinham mais de 60 cm de espessura
foram reduzidas a meras cem páginas.
Novos estatutos revogaram todos os antigos. O objetivo era apenas criar o melhor
ambiente possível para que a indústria pudesse prosperar.
E, ao que tudo indica, as indústrias prosperaram. Em vários lugares é possível ver anúncios
vigorosos sobre a Nova Zelândia. "A Nova Zelândia é hoje uma usina geradora de
empreendedorismo" é parte de um dos convites para que as pessoas invistam e
morem lá.
Alegações de que o país "está na melhor posição para lidar com a tempestade
global", "é o primeiro no ranking dos menos corruptos", "é a quarta economia
mais livre do mundo", e "é o primeiro do mundo na proteção aos investidores" --
tudo isso mostra um grande e jubiloso grito de mercados e pessoas que
conseguiram sair do precipício por conta própria.
A Nova Zelândia disse não ao endividamento.
Alguém vai imitar?
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Veja também: Déficits, incerteza e keynesianismo - como um orçamento equilibrado gera crescimento econômico