"'Deixem
o mercado cuidar disso! Deixem o mercado cuidar daquilo!' Você não se
cansa de ficar repetindo essa fórmula simplista?".
Assim
terminava um e-mail que recebi de um leitor.
O
professor de Harvard, Dani
Rodrik, muito querido nos círculos protecionistas, vai na mesma
linha. Em seu livro Economics
Rules, ele escreve: "A abordagem do hamster para um problema é
previsível: a solução está sempre no livre mercado. [...] Já as raposas, em
algumas ocasiões, recomendam mais mercados e, em outras, mais
governo." De acordo com Rodrik, é melhor ser uma raposa do que um
hamster.
Esse
argumento, à primeira vista, parece ser o ápice da sensatez. Reformulado,
ele está dizendo que:
É
dogmático e perigoso supor que uma solução ou uma abordagem é a resposta para
absolutamente todos os problemas. Há problemas que só podem ser
solucionados com chaves de fenda; outros, só com martelos. Somente um tolo
insistiria em usar uma chave de fenda em vez de um martelo para pregar um
prego; ou usar um martelo para atarraxar um parafuso. Já o indivíduo
sábio, não-ideológico, iluminado, sensato, de cabeça aberta, e cientificamente
atento sabe que, em algumas situações deve usar uma chave de fenda e, em
outras, um martelo. O que poderia ser mais sensato do que isso?
O
erro dessa formulação é fácil de ser apontado: o mercado -- ou seja, a livre, espontânea
e voluntária interação entre as pessoas -- não é apenas uma ferramenta; o
mercado são várias ferramentas.
O
mercado é um kit de ferramentas que contém muito mais ferramentas
do que as que os burocratas do governo possuem.
Ao
passo que o governo possui apenas algumas poucas ferramentas --
majoritariamente martelos (algumas marretas), serrotes e braçadeiras --, o
mercado está repleto de várias e incontáveis ferramentas. E suas
ferramentas são muito mais diversas, variadas, especializadas e criativas do
que aquelas contidas naquele simples e limitado conjunto do governo.
Dizer
"deixe o mercado cuidar disso" é apenas uma maneira sucinta de dizer
"deixem que qualquer indivíduo (ou grupo de indivíduos) que se mostre mais
disposto, mais capacitado, mais experiente, mais sagaz, mais versado e mais bem
equipado tenha a liberdade para tentar lidar com cada problema
específico".
E
dizer "deixe que o mercado sempre cuide disso" não significa
-- contrariamente ao que Rodrik sugere -- propor uma solução única e simplista
para todos os problemas. Significa, ao contrário, propor que o campo seja
mantido aberto para que todas as soluções exequíveis possam ser tentadas.
Dizer
"deixe que o mercado sempre cuide disso" é alertar para o fato de que
utilizar o governo para tentar corrigir um problema é uma atitude que sempre
irá impedir que outras várias soluções criativas e experimentações inovadoras
sejam tentadas.
Em
suma, a escolha não é entre apenas duas soluções possíveis: o mercado ou o
governo. Ao contrário, a escolha é entre um conjunto gigantescamente amplo
e variado de soluções possíveis (o mercado, com seus vários mestres de obras e
carpinteiros altamente especializados e detalhistas) ou entre um ínfimo
conjunto que apresenta apenas uma solução (o governo, com seus burocratas que
manejam martelos, serrotes e braçadeiras).
E,
ao contrário de empreendedores correndo riscos no mercado, não seria muito
sensato presumir que esses burocratas com martelos, serrotes e braçadeiras
possuam conhecimentos profundos sobre qualquer um dos problemas que eles sejam
convocados a "consertar".
Consistência
não é simplicidade
Sim,
devo admitir que minha solução proposta para vários problemas relacionados a
políticas públicas é dizer "deixe o mercado cuidar disso". Mas
essa resposta aparentemente simplista não é nem ingênua e nem preguiçosa. Ela
é realista.
Ela
reflete meu entendimento de que qualquer problema que você imaginar --
reconstruir uma terra arrasada por um terremoto, fornecer educação e saúde de
excelente qualidade para crianças e adultos, reduzir congestionamentos em ruas
e estradas, fornecer uma moeda de qualidade, construir pontes e estradas,
fornecer água tratada e encanada -- será mais bem resolvido, com muito mais
eficiência, presteza e baixo custo, por indivíduos atuando livremente na arena
das trocas voluntárias e pacíficas (mercado) do que por burocratas do governo.
Dizer
"deixe o mercado cuidar disso" é o oposto de dar uma resposta
simplista: essa frase sintetiza a mais completa rejeição a uma solução única
para tudo fornecida por burocratas com um poder centralizado. Significa
endossar um arranjo incomensuravelmente complexo para lidar com o problema em
mãos.
Recomendar
o mercado (a livre interação entre pessoas) em lugar do governo (a intervenção
de burocratas) significa a humildade de reconhecer que ninguém possui
informação e conhecimento suficientes para determinar, ou mesmo para prever,
quais métodos específicos são os melhores para lidar com o problema.
Recomendar
o mercado, com efeito, significa recomendar que se permita que milhões de
pessoas criativas, cada uma com perspectivas distintas e com seus próprios
conhecimentos e percepções, voluntariamente contribuam com suas próprias idéias
e esforços para lidar com o problema.
Recomendar
o mercado é recomendar não uma solução única e simplista, mas sim um processo
descentralizado que gera vários experimentos concorrenciais, os quais então
levam à descoberta das soluções que funcionam melhor sob aquelas
circunstâncias.
Recomendar
o mercado é entender a genialidade daquela importante constatação de James Buchanan,
que disse que
"a ordem é definida durante o processo de seu surgimento".
Esse
processo é flexível e estimula a criatividade. Ele também nega a qualquer
um o poder de impor unilateralmente sua própria visão sobre todos.
Em
suma, aconselhar que "deixem o mercado cuidar disso" é uma maneira
abreviada de dizer que "eu não tenho um plano simplista para lidar com
esse problema; com efeito, rejeito todos os planos simplistas. Somente uma
instituição competitiva e descentralizada, e que recebe contínuas informações
de todos os indivíduos que dela participam (ou seja, o mercado), pode ser
confiável o bastante para descobrir e implantar uma solução suficientemente
detalhada para lidar com o problema em questão".
Dito
tudo isso, vale ressaltar que os mercados só funcionam otimamente sob um
arranjo em que a propriedade privada esteja protegida, os contratos firmados
sejam respeitados, a cultura empreendedora seja forte, e o meio de troca
utilizado (o dinheiro) não seja achincalhado. Se tais instituições
estiverem ausentes, dificilmente haverá um mercado para lidar com qualquer
problema.
Mas
se essas instituições estiverem presentes, então os mercados irão se revelar espantosamente
criativos e confiáveis. Recorrer ao mercado para lidar com problemas
representa, portanto, o caminho mais sábio.
Conclusão
Infelizmente,
no entanto, a tolice frequentemente triunfa sobre a sabedoria. As pessoas
frequentemente pressupõem que grandes problemas sociais só podem ser resolvidos
por um grupo específico e pré-determinado de pessoas, as quais magicamente
possuiriam a chave para a solução.
Embora
declarar que "deixem o governo cuidar disso" possa parecer uma
solução, tal atitude é meramente um sinal de uma fé simplista e sem qualquer
fundamento: uma fé de que as pessoas investidas de poder não irão abusar deste
poder; de que burocratas nomeados por políticos possuem respostas melhores do
que milhões de indivíduos interagindo voluntariamente em busca de soluções
próprias, colocando seus próprios recursos e sua própria reputação em jogo; de
que apenas aquelas "soluções" escritas em estatutos e
regulamentações, e implantadas por burocratas assalariados, representam
soluções verdadeiras e factíveis.
Portanto,
sim, mostrem-me um problema e eu provavelmente responderei que "deixem o
mercado cuidar disso". E irei responder dessa maneira porque não
apenas sei que meus parcos conhecimentos e esforços jamais estarão à altura do
desafio de solucionar problemas complexos, como também sei que nenhum político
ou burocrata entre nós tem o poder de saber a melhor solução para todo e
qualquer problema social.
Soluções
para problemas sociais complexos requerem o maior número possível de mentes
criativas interagindo voluntariamente entre si -- e isso é exatamente o que o
mercado entrega.