Um
Bitcoin já está valendo quase
US$ 17.000. Mas qual é o preço justo ou razoável do Bitcoin?
A
pergunta, por si só, deveria ser fácil de ser respondida: o valor intrínseco
(ou fundamental) de qualquer ativo financeiro é encontrado quando trazemos ao valor presente seus fluxos de
caixa futuros.
Se,
por exemplo, esperamos que um título nos pague $1.000 ao ano durante os
próximos 10 anos, então seu preço justo será o valor equivalente, à data de
hoje, destes fluxos anuais de $1.000 durante os próximos dez anos. Assim, se
usarmos uma taxa de juros de 5% ao ano como fator de desconto, o preço justo
desse título hoje seria de $7.721.
Entretanto,
com o Bitcoin não podemos aplicar esta regra por uma razão muito simples: o
Bitcoin não apresenta fluxos de caixa futuros. Assim como ocorre com o ouro, o
Bitcoin não promete entregar nada a seu proprietário: a única razão para sua
demanda é para revendê-lo mais adiante.
Em
aparência, portanto, estamos diante da receita perfeita para a criação de uma
bolha de expectativas autoalimentadas: compro hoje esperando que suba de preço
amanhã; e os aumentos de preços atuais reafirmam minha expectativa de que
amanhã continuará subindo de preço.
É
por esta razão, com efeito, que alguns economistas afirmam que o preço
sensato do Bitcoin é zero.
Mas
o problema com esta explicação é que ela equipara duas proposições que parecem
idênticas, mas que estão longe de realmente o serem: em específico, o fato de o
"Bitcoin carecer de fluxos de caixa" não significa que "o Bitcoin carece de utilidade".
As utilidades do Bitcoin
Com
efeito, o Bitcoin pode proporcionar utilidade a seu portador pela facilidade de
revendê-lo no futuro a custos de transação muito mais baixos que os de outros
ativos. Recorrendo ao próprio Keynes (em seu famoso capítulo
17 de A Teoria Geral), vale lembrar que todo ativo pode proporcionar dois
tipos de vantagens a seus detentores: de um lado, um retorno explícito (por exemplo,
fluxos de caixa); de outro, um retorno implícito na forma de serviços de
liquidez (a utilidade vinculada à sua disponibilidade imediata).
Os
ativos monetários tendem a proporcionar um retorno explícito de aproximadamente
zero, mas um considerável retorno implícito na forma de liquidez imediata para
efetuar trocas minimizando os custos de transação. Este é o motivo que leva os
agentes econômicos a manterem parte de seu patrimônio na forma de ativos
monetários: estão dispostos a abrir mão dos retornos explícitos que lhes
proporcionariam os ativos financeiros em troca de usufruírem o retorno
implícito -- em forma de liquidez -- que lhes proporcionam os ativos
monetários.
O
Bitcoin carece de retornos explícitos, mas de fato possui um forte retorno
implícito na forma de liquidez. É fato que, em termos gerais, a liquidez do
Bitcoin é, por ora, muito menor que as do dólar ou do euro, mas esse não é um
motivo suficiente para que os agentes concentrem toda sua demanda por liquidez
em dólares ou euros em detrimento do Bitcoin. E essencialmente por dois
motivos:
1)
de um lado, a liquidez do Bitcoin está crescendo conforme mais pessoas passam a
aceitar a moeda como meio de pagamento e conforme a volatilidade de seu preço
vai se reduzindo (em 2017, a volatilidade voltou a ser significativa, mas a
tendência continua a ser de queda, e é hoje muito
menor do que era em 2011 e 2012);
2)
de outro, a liquidez do Bitcoin em determinados contextos já é maior que a do
ouro ou do dólar devido às suas características e propriedades distintivas: por
exemplo, é possível efetuar transações internacionais sem ter de passar pelo
sistema bancário e, consequentemente, sem deixar um rastro facilmente seguido e
fiscalizável pelos governos.
Consequentemente,
em determinadas situações já faz sentido demandar Bitcoins como ativos
monetários em detrimento até mesmo do dólar e do euro: seu rendimento implícito
na forma de liquidez já é positivo. E se seu rendimento implícito é positivo,
então seu valor intrínseco simplesmente não pode ser zero.
Dito isso, devo dizer que considero
um tanto duvidoso que os preços atuais do Bitcoin possam ser justificados pelos
serviços que a criptomoeda já seja capaz de oferecer (muito embora esteja
aberto para que me convençam do contrário). O Bitcoin é útil, mas, ao menos
hoje, não é tão útil ao ponto de justificar um valor mercado de 250
bilhões de dólares, valor este que supera os da Coca-Cola, Boeing, General
Electric e Walmart.
O preço do Bitcoin ainda pode triplicar
Mas por acaso isso significa que o
preço atual do Bitcoin está fadado a desmoronar? Não necessariamente (assim
como não estava quando superou o preço de 10 dólares, de 100 dólares, ou de 1.000
dólares), pois é aqui que entra em jogo a especulação sobre o futuro do
Bitcoin: muitos que estão investindo hoje na criptomoeda não o estão fazendo
pelo serviço de liquidez que ela proporciona, mas sim pela expectativa de que
os usuários finais do Bitcoin continuarão aumentando.
Ou seja, muitos dos investidores em
Bitcoin estão simplesmente especulando quanto ao papel que desempenhará o
Bitcoin na economia globalizada de amanhã. Talvez esses especuladores estejam
equivocados e, conforme vão se dando conta de seus erros, desfaçam suas
posições e, com isso, derrubem o preço do Bitcoin. Mas talvez esses especuladores
estejam certos (nos últimos sete anos, eles não se deram nada mal) e a demanda
final por Bitcoin -- como provedor de serviços de liquidez -- continuará
aumentando.
Por exemplo, se, no futuro, a
comunidade mundial de usuários de Bitcoin tiver um tamanho similar à comunidade de usuários do iene japonês (os
japoneses representam menos de 2% da população mundial e o iene constitui
aproximadamente 4% das reservas monetárias internacionais), então os preços
atuais do Bitcoin podem mais do que triplicar.
Por acaso seria desarrazoado dizer
que, em 10 ou 20 anos, mais de 2% da população mundial irá utilizar
habitualmente o Bitcoin como um de seus ativos monetários de referência? Eu não
diria que este cenário seja inevitável, mas de modo algum diria que ele é
improvável. E, se não é improvável, então os especuladores com uma visão de
mais longo prazo estão fazendo muito bem estimular o Bitcoin.

Valor total de cédulas e moedas metálicas em circulação (em bilhões de
dólares). Fonte: Elaboração feita pelo InsiderPro com dados do Banco de
Compensações Internacionais
Otimistas e pessimistas concordam em um ponto
Obviamente, nem todos os
especuladores compartilham essa visão de longo prazo. Muitos dos que entraram
recentemente na onda do Bitcoin provavelmente estejam apenas em busca de ganhos
de curtíssimo prazo e, consequentemente, irão desfazer suas posições quando o
preço do Bitcoin se estabilizar ou mesmo cair (isso já ocorreu em várias
ocasiões no passado e certamente vai ocorrer de novo). Entretanto, esse é um problema meramente secundário para a viabilidade de longo prazo desta
criptomoeda.
Depois desta eventual correção,
permanecerão aqueles que almejam o longo prazo. E é aí que temos de concentrar
nossa atenção: somente se todos acreditarem que o projeto do Bitcoin está
inevitavelmente condenado ao fracasso, que jamais virá a servir para articular
nenhuma comunidade ampla de transações, e que, em consequência, ninguém mais
irá demandar a criptomoeda como ativo monetário líquido, então seu valor
intrínseco acabará sendo zero.
Esta é a tese, por exemplo, do
ex-economista chefe do FMI Kenneth Rogoff, para quem os governos acabarão
abatendo o Bitcoin e lhe subtraindo toda a utilidade monetária que possa chegar
a ter. Entretanto, perceba que o argumento de Rogoff não é que o Bitcoin
seja inútil hoje, mas sim exatamente o contrário: o Bitcoin, à medida que
permite burlar a fiscalização dos governos, é tão extremamente útil como
dinheiro, que os governos acabarão usando toda a sua artilharia coercitiva para
tornar a criptomoeda inútil.
Com este prognóstico, Rogoff está
especulando quanto ao futuro do Bitcoin exatamente como o fazem todos os demais
especuladores altistas da criptomoda: o primeiro aposta em um futuro sombrio
para o Bitcoin ao passo que os últimos, em um futuro brilhante. (A diferença,
no entanto, é que os especuladores altistas investem seu capital no Bitcoin ao
passo que Rogoff não tem nenhuma "pele em jogo").
Em todo caso, nenhum discorda que o
Bitcoin tem potencial como ativo monetário, e que, exatamente por isso, seu
valor intrínseco não pode ser zero atualmente.
Conclusão
Em definitivo, aqueles que seguem
prognosticando a inexorável queda do valor do Bitcoin, o inevitável estouro de
sua "bolha" de preços, continuam sem entender que o Bitcoin é um ativo
monetário e que, portanto, seu valor não segue os mesmos critérios
convencionais do resto dos ativos financeiros.
O que se busca nos ativos financeiros
convencionais são fluxos de caixa futuros (os quais receberão valorações
distintas no presente de acordo com o prazo de duração, a taxa de juros e os
riscos envolvidos). Já nos ativos monetários, ao contrário, busca-se liquidez,
e o Bitcoin possui propriedades consideradas muito boas para proporcionar essa
liquidez a seus detentores.
Obviamente, caso o Bitcoin, como
ativo monetário incipiente que ainda é, acabe fracassando quando chegar o
momento de ser usado para estruturar uma estável e eficiente comunidade de pagamentos
global, aí sim haverá uma desmonetização e seu valor despencará.
Entretanto, que o Bitcoin possa
fracassar não é o mesmo que dizer que ele necessariamente irá fracassar. E exatamente
porque, até o momento, ele não fracassou, e também porque tampouco há razões de
peso para afirmar que seu inevitável destino é o fracasso, não é possível sentenciar
arrogantemente que seu valor intrínseco é zero.
O Bitcoin é uma startup monetária e,
como toda startup com um potencial gigantescamente disruptivo, seu triunfo
proporcionará um elevadíssimo retorno a quem apostou nela. Caso contrário, se
fracassar, seus investidores perderão seu capital investido. Em todo caso, dado
o uso que já está ocorrendo e todo aquele que ainda pode vir a ocorrer como
ativo monetário, o que todos deveríamos ter muito claro é que seu valor intrínseco
não é zero.