A
importância da poupança, da frugalidade e da prudência é inquestionável, pois
estes são alguns dos pilares que permitem o investimento de longo prazo e,
consequentemente, o enriquecimento de uma sociedade.
E a Escola Austríaca de pensamento econômico sempre foi pródiga em suas explicações de que são a poupança e o investimento, e não o consumo, a força-motriz de uma economia.
No
entanto, estou começando a crer que o epíteto "consumismo", quase
sempre evocado de forma pejorativa, é apenas outra palavra para a expressão
"usufruir liberdade no mercado".
A
verdade é que o mercado está, diariamente, nos proporcionando uma quantia cada
vez maior de bens e serviços, e sempre com avanços tecnológicos que eram inimagináveis
há apenas alguns anos.
Quem
imaginaria, dez anos atrás, que um GPS que mostra o trânsito em tempo real se
tornaria algo tão corriqueiro nas ruas das nossas cidades? (O Waze se mantém
via anúncios publicitários). Quem
imaginaria, dez anos atrás, que ao simples clique em um aplicativo de celular teríamos
motoristas particulares que nos locomovem a preços inacreditavelmente baixos?
Uber, Cabify, Lyft e vários novos concorrentes, que surgem quase que
diariamente, fazem isso.
Ou quem
imaginaria, dez anos atrás, não mais depender de hotéis e poder escolher mais
de 2 milhões de imóveis em 190 países ao redor do mundo? Com o AirBnB, você
pode se hospedar em imóveis com banheira de hidromassagem e piscina, ou pode
ficar em um quarto de uma casa, ou mesmo apenas em um sofá. Você escolhe de
acordo com seu orçamento.
Recorrer a esses prodígios significa usufruir a maravilhosa liberdade de escolha e de consumo que o mercado nos oferece.
Acima de tudo, o que dizer então da onipresença dos smartphones, cada vez melhores, e sua infinidade de aplicativos que facilitam nossas vidas? Nos
países mais ricos, as pessoas alegam que estão sendo submetidas a uma avalanche
tão grande de produtos tecnologicamente avançados -- os quais supostamente as
estariam tornando "anti-sociais" --, que elas não aguentam mais. "Diga
não!" à mais recente engenhoca!
Mas
é claro que, na prática, nenhum de nós realmente quer essa interrupção. Ninguém,
por exemplo, quer ter seu acesso à internet negado ou encarecido. Ao contrário:
queremos acessar a internet de forma cada vez mais rápida, mais barata, e com
mais variedade de meios (tablets, smartphones, laptops, Smart TVs etc.). Queremos
a liberdade de fazer downloads de músicas, filmes, seriados, livros,
monografias e tratados sobre absolutamente todos os assuntos imagináveis. Nenhuma
informação é considerada excessiva quando algo específico está sendo procurado.
E
isso não é tudo.
Queremos
mais variedades da comida, de bebida, de produtos de limpeza, de pastas de
dente, de barbeadores. Queremos eletrodomésticos mais práticos e mais
eficientes. Queremos mais ar-condicionado (ou mais calefação) em nossas casas,
ambientes de trabalho e estabelecimentos comerciais. Queremos acesso a toda uma
gama de estilos para o mobiliário de nossa casa.
Se
algo está quebrado, queremos as peças de reposição prontamente disponíveis. Queremos
peixes frescos, carnes suculentas, frutas frescas, roupas limpas e cheirosas,
pão quentinho, e carros modernos com cada vez mais tecnologia embarcada. Queremos
restaurantes variados e abertos 24/7. Queremos pronta-entrega e suporte técnico
24 horas. Queremos usufruir o que está na moda em todas as partes do mundo.
O
comércio se adaptou e fez essa transição. Novos mundos são abertos para nós
diariamente.
Há
várias maneiras de se comunicar com pessoas distantes gratuitamente. O email
está se tornando obsoleto e os torpedos já estão gratuitos. Podemos conversar
instantaneamente com qualquer pessoa em qualquer canto do mundo por meio de
aplicativos como Skype e WhatsApp, que são gratuitos. Televisões de tubo e
telefones de linha fixa -- artigos de luxo no século XX -- já foram abandonados
em prol de modelos muito superiores de tecnologia de informação.
Queremos
agilidade. Queremos velocidade. Queremos redes sem fio e internet 5G. Queremos
acesso. Queremos aperfeiçoamentos. Água limpa e filtrada tem de sair
diretamente de nossas geladeiras. Queremos todos os tipos de bebidas:
energética, esportiva, espumante, suculenta. Queremos água importada das ilhas
Fiji. Queremos casas melhores. Queremos apartamentos melhores. Queremos
segurança. Queremos educação. Queremos saúde. Queremos infraestrutura. Queremos
serviços. Queremos liberdade de escolha.
Estamos
conseguindo essas coisas? As que são estatais, como segurança, educação, saúde,
água encanada e infraestrutura, não muito. E as outras que não são fornecidas
pelo estado? Sim. Como? Por meio deste incrível mecanismo de produção e
distribuição chamado 'economia de mercado', que nada mais é do que uma arena na
qual bilhões de pessoas voluntariamente cooperam e inovam com o único intuito
de melhorar a própria vida.
Contrariamente
ao que dizem os detratores desse arranjo voluntário, não há nada de
"selvagem" nele. A concorrência nada mais é do que empreendedores e
capitalistas se esforçando -- alguns ganhando, outros perdendo -- para
conquistar a preferência do público consumidor.
Obviamente,
é muito fácil olhar para tudo isso e simplesmente sair gritando: "consumismo
odioso!" Porém, se estamos utilizando o termo "consumir" nos
referindo ao ato de comprar produtos e serviços com o nosso próprio dinheiro
com o intuito de melhorar nossa condição, então quem realmente pode se declarar
inocente do "crime" de consumismo?
Condenando a prosperidade
Toda
a história do debate de idéias sempre girou em torno de como criar algum
sistema que servisse
mais ao homem comum do que apenas às elites, aos governantes e aos
poderosos. Quando a economia de mercado -- e sua estrutura capitalista --
surgiu, esse tão sonhado sistema havia finalmente sido descoberto.
Com
o subsequente advento da ciência econômica, passamos a entender como tudo isso
funciona. E começamos finalmente a entender como é que bilhões de escolhas
econômicas voluntárias e não planejadas por nenhum comitê de planejamento
centralizado podem conspirar para criar um belo sistema global de produção e
distribuição que servem
a todos os indivíduos.
E
como os intelectuais respondem a isso? Denunciando o sistema exatamente pelo
"crime" de ele fornecer um excesso de coisas e de, com isso, incitar
os desejos "consumistas" das massas.
Algumas
pessoas estão se endividando para comprar coisas supérfluas sem as quais elas podem
viver perfeitamente bem? Certamente. Mas isso é motivo para condenar todo esse
arranjo maravilhoso? A culpa não deveria ser apenas individual?
Ademais,
quem é que deve decidir de maneira inquestionável o que é uma necessidade e o
que é um mero desejo? Um ditador onisciente à frente de um comitê de
planejamento? Como podemos garantir que os desejos dele estarão de acordo tanto
com as minhas necessidades quanto com as suas?
Em
uma economia de mercado, desejos e necessidades estão interligados, de modo que
as necessidades de uma pessoa são satisfeitas justamente porque os desejos de
outras pessoas foram realizados.
Um exemplo prático de uma maravilha
diária
Eis
um exemplo que vivenciei recentemente.
Minha
neta estava desesperadoramente doente, o que fez com que meu desejo mais
premente fosse levá-la a um médico. Seu consultório ficava aberto até tarde,
assim como a drogaria imediatamente ao lado. Ainda bem. Fui ao consultório,
recebi a indicação do remédio, fui à farmácia ao lado e já saí de lá com o
remédio e todos os demais materiais necessários para restaurar a saúde dela.
Ninguém vai me dizer que isso foi uma demanda superficial.
Mas
agora é que vem o principal. A farmácia só pôde ficar aberta até tarde porque
ela está localizada em um edifício comercial cujo acesso é fácil e o custo
total do aluguel pode ser dividido por todos os outros estabelecimentos
comerciais que alugam as outras salas desse edifício.
E
quais são esses outros estabelecimentos comerciais? Cabeleireiros, manicures,
sorveterias, docerias, lojas de materiais esportivos, e até mesmo uma loja que
faz a decoração de festas. Ou seja, todas elas lojas que vendem coisas
"superficiais". Todas elas pagam aluguel. E isso possibilitou a
existência daquela farmácia.
O
edifício não teria sido construído se a incorporadora não imaginasse que ele
também seria demandado para essas coisas menos urgentes, e os proprietários dos
imóveis não os alugariam caso também não houvesse essas necessidades menos
urgentes. E aí provavelmente aquela farmácia não estaria ali.
O
mesmo raciocínio é válido para os equipamentos e a mão-de-obra utilizados no
consultório médico que me atendeu. Eles são menos caros e mais acessíveis do
que seriam em outras circunstâncias justamente por causa da existência de demandas
não-essenciais de consumo. Por exemplo, os computadores utilizados nessa
clínica eram de ponta, e isso só se tornou possível porque técnicos e
empreendedores inovaram para atender às demandas de aficionados por videogames,
de apostadores profissionais e de demais pessoas que utilizam a internet para
fazer coisas "não-essenciais".
E
o mesmo ponto pode ser feito sobre "bens de luxo" e tecnologias de
vanguarda. Os ricos são os primeiros a adquiri-los e a utilizá-los. Ao fazerem
isso, os defeitos inerentes a todo e qualquer produto recém-criado vão sendo descobertos e
corrigidos. Ato contínuo, os imitadores começam a surgir e o produto começa
a se popularizar. Capitalistas empreendedores, em busca do lucro, começam a
fornecer produtos semelhantes e mais baratos, sempre querendo se aproveitar de
um nicho de mercado ainda não atendido.
Com
o tempo, os preços despencam e aquela mesma tecnologia que antes estava
restrita apenas aos mais ricos se torna disponível para as massas.
Pense
em qualquer bem ou serviço que hoje seja amplamente tido como uma necessidade
básica: você descobrirá que ele utiliza produtos, tecnologia e serviços que
foram inicialmente criados
para atender demandas superficiais. Por esse prisma, não é errado dizer que
foram os ricos que
forneceram o capital necessário para esses investimentos.
Apenas olhe ao seu redor
Talvez
você pense que qualidade de vida não é algo muito importante. Afinal, é
realmente importante que as pessoas tenham acesso imediato a farmácias,
supermercados e produtos tecnológicos? Sim, é.
A
resposta mais fácil é aquela que recorre aos direitos naturais: um indivíduo
deve ter a liberdade de escolher e de consumir o que ele quiser. Mas há outra
resposta, ainda mais poderosa, que está escondida em alguns dados que raramente
ocupam nossas mentes.
Considere
a expectativa de vida nessa nossa era do consumismo. Em 1900, as mulheres em
média morriam aos 46 anos de idade, e os homens, aos 44. Hoje? As mulheres
vivem até os 82, e os homens, até 79. Essa mudança se deveu a uma maior oferta
de alimentos, a empregos menos perigosos, a melhores condições de saneamento e
de higiene, a um maior acesso a serviços médico (os quais também melhoraram de
qualidade), e a toda uma gama de fatores que contribuem para aquilo que
chamamos de "padrão de vida".
Atualmente,
não apenas a mortalidade infantil despencou em decorrência da invenção de
remédios e vacinas para todas aquelas doenças que matavam crianças (paralisia
infantil, tuberculose, difteria, tétano, coqueluche, meningite, pneumonia,
rubéola, sarampo, varicela, hepatite etc), como ainda fetos com problemas
pulmonares recebem uma injeção intra-uterina e o problema é resolvido
instantaneamente. Nos últimos 100 anos, a expectativa de vida aumentou 36 anos.
É
fácil olhar esses números e imaginar que eles também poderiam ter sido
alcançados sem capitalismo e sem mercado, mas sim com um comitê de planejamento
central no qual burocratas controlariam tudo relativo à saúde ao mesmo tempo em
que evitariam todo esse odioso consumismo gerado por ela. O problema é que esse
tipo de planejamento central já foi tentado nos países socialistas, e seus
resultados foram exatamente na direção contrária em termos de estatísticas de
mortalidade. Mesmo nos países que adotaram o socialismo apenas recentemente, observa-se total regressão em todos os indicadores de bem-estar.
Conclusão
Atualmente,
a crítica ao consumismo vem adornada de um manto ambientalista. Segundo essa
gente, temos de praticamente voltar ao estado básico da natureza, parar de
dirigir automóveis, fazer uma pilha de adubos, cultivar nossos próprios
vegetais, desligar nossos computadores, e comer nozes de árvores.
Esse
desejo por um retorno ao primitivismo nada mais é do que uma tentativa de dar
um polimento lustroso aos inevitáveis efeitos das políticas socialistas. O que
essa gente está realmente nos dizendo é que devemos amar a pobreza e odiar a
fartura.
Mas
a beleza da economia de mercado é que ela permite a todos uma escolha. Para
aquelas pessoas que preferem morar em tendas em vez de em apartamentos com
encanamento, que preferem arrancar os próprios dentes em vez de ir ao dentista,
e que preferem nozes arrancadas da árvore em vez de comprar latas de nozes no
supermercado, elas têm perfeitamente o direito de adotar esse estilo de vida. Nada
as impede.
Mas
não deixe que elas digam que são contra o "consumismo". A nossa
própria sobrevivência depende do ato de vender e comprar. Ser contra o comércio
é ser contra a própria vida.
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