Quando o governo gasta mais do que arrecada com
impostos, ele incorre em um déficit orçamentário. Ato contínuo, ele tem de
tomar dinheiro emprestado (se endividar) para cobrir este rombo. Ele pega esse
dinheiro emprestado emitindo títulos da dívida, sobre os quais pagará juros.
E as consequências que isso gera não são apenas econômicas.
Déficits e endividamento governamentais são também uma questão moral.
Quando grupos de interesse (funcionalismo público
exigindo aumentos, grandes empresas querendo subsídios, e vários grupos sociais
exigindo maiores repasses) se aliam a políticos e deixam o governo mais afundado
em dívidas, eles estão simplesmente legando uma enorme conta aos cidadãos e
pagadores de impostos das próximas gerações, os quais não têm como se
manifestar hoje.
Consequências
econômicas
No Brasil, nos últimos 12 meses, o déficit
orçamentário total do governo federal foi de R$ 567 bilhões (o que
equivale a nada menos que 8,75% do PIB do Brasil). Isso significa que o governo
federal gastou R$ 567 bilhões a mais do que arrecadou. Consequentemente, isso
significa que ele teve de se endividar em mais R$ 567 bilhões para poder manter
seus gastos totais.
E quem emprestou esses R$ 567 bilhões para o governo
federal? Bancos, empresas, pessoas físicas e fundos de investimento. Isso, por
definição, significa que R$ 567 bilhões que poderiam ter sido utilizados em
investimentos produtivos, expansão de negócios e contratação de mão-de-obra
acabaram sendo direcionados para financiar a máquina estatal.
Se o governo está tomando mais crédito, sobrará
menos crédito disponível para financiar empreendimentos produtivos. Assim,
os déficits do governo, ao desviarem a poupança da população para os gastos
improdutivos do governo, levam a um crowding-out
do investimento produtivo, gerando dificuldades cada vez maiores para melhorar
ou até mesmo para manter o padrão de vida do público, no longo prazo.
E, para o governo conseguir todo este volume de
crédito, não há segredo: ele tem de pagar juros altos. Qualquer instituição que
tenha de se endividar o equivalente a 8,75% do PIB em 12 meses terá de pagar
juros altos. Consequentemente, os juros daquele crédito que sobra para os
investimentos produtivos serão ainda mais altos, sufocando as micro, pequenas e
médias empresas.
Assim, os gastos e déficits do governo, ao
desestimularem os investimentos do setor privado, fazem com que a situação econômica
das gerações futuras seja pior do que poderia ser. As fábricas e as instalações
tenderão a ser mais decrépitas, a oferta de bens e serviços será menor, e os salários
serão mais baixos do que poderiam ser sem os déficits.
Consequências
morais
Além das questões econômicas, déficits e endividamento
do governo também geram grandes implicações morais.
O dinheiro que o governo pega emprestado hoje terá
de ser pago no futuro, com juros. Para pagar juros e principal, o governo usará
dinheiro de impostos. E esses impostos serão coletados das gerações futuras,
talvez por pessoas que ainda nem sequer nasceram.
Ou seja, como resultado do atual descontrole orçamentário
do governo, um enorme fardo será legado às gerações futuras, que terão de pagar
impostos mais altos. Consequentemente, por ficarem com uma menor renda disponível
em decorrência dos impostos mais altos, terão menos dinheiro para gastar em serviços
essenciais.
Na prática, portanto, os déficits e o endividamento
do governo hoje vinculam a geração de amanhã a arcar com os juros e o principal
dessa dívida. Isso é imoral e anti-ético. Ao se endividar e jogar a fatura para
a geração futura, o governo está comprometendo aquela geração; está reduzindo a
liberdade de escolha daquelas pessoas ao fazer com que elas tenham de gastar
uma grande fatia de sua renda com o serviço da dívida.
Isso gera restrições diretas na maneira como elas poderão
gastar seu dinheiro. Gera também consequências diretas no nível da carga
tributária futura, que dificilmente poderá ser reduzida. Com efeito, a tendência
é que tenha de ser aumentada.
Fazendo
a farra hoje e deixando a sujeira para amanhã
Economistas heterodoxos alegam que a dívida
governamental, por si só, não representa nenhum fardo para as gerações futuras
como um todo. Afinal, nossos descendentes irão "dever para eles
próprios".
Sendo assim, quaisquer impostos que forem aumentados
ou criados para pagar o serviço desta dívida (juros e amortizações) irão
simplesmente fluir para os bolsos daqueles cidadãos que estiverem de posse dos
títulos da dívida. Assim, argumentam eles, haverá apenas transferência de renda
de uns para outros, e não haverá empobrecimento geral. A "dívida
nacional" não seria apenas um passivo, mas também um ativo.
Mas esse raciocínio é completamente falacioso.
Imagine que o governo atual -- isto é, no ano de
2017 -- anuncie que irá gastar $ 100 bilhões dando uma festa de arromba.
Se o governo impusesse tributos sobre as pessoas em
2017 para pagar por esta festa, elas certamente iriam se revoltar. E nenhum
governo quer isso. Muito mais confortável é apenas emitir títulos da
dívida, que serão voluntariamente comprados por algumas pessoas no presente, e
jogar o fardo do pagamento dos juros e do principal para as gerações futuras.
Assim, suponha que o governo emita títulos que irão
vencer daqui a cem anos.
Supondo que os investidores confiem no governo e que
a taxa de juros nominal de longo prazo seja acordada em 4,7%. Isso significa
que o governo arrecada $ 100 bilhões hoje e terá de pagar $ 10 trilhões daqui a
cem anos.
O valor de $10 trilhões nada mais é do que $100
bilhões com juros de 4,7% ao ano durante cem anos.
A dívida será quitada -- juros e principal -- de uma
só vez em 2117. Quem irá bancá-la? Os pagadores de impostos que estiverem vivos
em 2117.
Neste cenário, um leigo estaria correto em dizer que
a atual geração fez a sua farra e jogou toda a conta para os infelizes cidadãos
de 2117. Os pagadores de impostos em 2117 terão de entregar $10 trilhões
para alguns de seus concidadãos que eventualmente estiverem em posse dos títulos
desta dívida.
Uma análise rápida e descuidada diria que houve
apenas uma simples transferência de riqueza de um indivíduo (pagador de
impostos) para outro indivíduo (o portador dos títulos do Tesouro). Consequentemente,
não teria havido nem empobrecimento e nem enriquecimento desta sociedade. Houve
apenas transferência de riqueza.
Só que esta observação está errada. E é fácil demonstrar
isso.
Considere um indivíduo que está de posse de um dos
títulos da dívida -- cujo valor de face é de $1.000 -- em 2117. Talvez
esta pessoa tenha comprado este título de outra pessoa no ano anterior (em 2116)
por $955. Ao receber os $1.000, ela estará auferindo juros de 4,7%. Os
$1.000 que ele receber em 2117 não irão constituir um ganho líquido para esta
pessoa, pois a maior fatia destes $1.000 -- isto é, os $955 -- será apenas a
devolução do principal que ele pagou no ano anterior.
Este indivíduo, portanto, teve um benefício líquido
de $ 45. Já o pagador de impostos ficará com $ 1.000 a menos.
Repetindo: o portador do título ganha apenas $ 45. Já
o pagador de impostos pagou $ 1.000.
Se nos concentrarmos em um outro portador de título --
por exemplo, alguém que tenha comprado o título no ano de 2087 --, seu ganho
seria maior do que $ 45. Mas, ainda assim, a única maneira de uma perda de
$1.000 para um pagador de impostos ser identicamente contrabalançada por um
ganho de $1.000 para um portador de título seria se este portador houvesse adquirido
o título gratuitamente. Isto poderia acontecer com crianças que herdam
títulos de seus pais. Mas é só.
Qualquer outra pessoa que utilize dinheiro próprio
para adquirir um título cujo valor de face é $ 1.000 não irá obter ganhos
idênticos às perdas dos pagadores de impostos. Seu ganho será muito menor. Logo,
o grupo "pessoas vivas em 2117" estará coletivamente mais
pobre em decorrência deste esquema
Portanto, além de os pagadores de impostos em 2117
serem claramente prejudicados (afinal, terão de pagar $10 trilhões em
impostos), esta sua perda não se traduz em um ganho idêntico para os portadores
dos títulos.
Esta geração como um todo estará
mais pobre em decorrência da festança que as pessoas de 2017 deram. O que
ocorre é que alguns (os portadores dos títulos do Tesouro) estarão menos pobres
que outros (os pagadores de impostos).
Conclusão
Um endividamento gera benefícios presentes, mas ônus
futuros. O governo, ao se endividar hoje e legar a fatura para as gerações
futuras, está simplesmente beneficiando a si próprio e a seus grupos favoritos
(funcionários públicos, grandes empresários ligados ao regime, e grupos
beneficiados por repasses) à custa do bem-estar de toda uma geração futura
(você próprio quando estiver mais velho, seus filhos e seus netos).
A geração de hoje quer o estado cuidando de escolas, universidades, saúde, esportes, cultura,
filmes nacionais, petróleo, estradas, portos, aeroportos, Correios,
eletricidade, aposentadorias, pensões, e fornecendo subsídios para pequenos agricultores
e megaempresários. Quer também um estado ofertando amplos programas
assistencialistas e uma crescente oferta de
empregos públicos pagando altos salários.
Como tudo isso não cabe no
orçamento do governo, este tem de incorrer em déficits, o que eleva a dívida
pública. E essa terá de ser arcada pelas gerações
futuras: nossos filhos e netos.
Qual a moralidade deste arranjo?
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A pavorosa situação fiscal do governo brasileiro - em dois gráficos