Richard Thaler, da Universidade de Chicago, ganhou
o prêmio Nobel de economia[1]
deste ano.
Thaler é o grande expoente da chamada "economia comportamental",
que nada mais é do que a aplicação da psicologia a problemas que envolvem
escolhas, transações, valorações e precificação.
A maioria dos economistas adeptos da Escola
Austríaca de Pensamento Econômico, seguindo os princípios de Ludwig von Mises, faz
uma profunda distinção entre a praxeologia -- que é a análise lógica da ação
humana -- e a psicologia, que analisa as motivações comportamentais que
precedem e sucedem a ação (veja
a distinção aqui). Por exemplo, os austríacos dizem que a ação humana é proposital, o que significa que ela visa
a um objetivo, mas não afirmam que ela sempre será racional, pois nem sempre será bem-sucedida em alcançar o objetivo
pré-determinado.
Já a economia neoclássica optou pelo caminho
inverso, com uma tendência cada vez maior de mesclar psicologia e praxeologia,
na esperança de assim criar uma explicação mais rica e mais robusta para o
comportamento humano. Afinal, se as pessoas ("agentes econômicos") são modeladas
como "maximizadoras de utilidade", e se a utilidade é entendida como um estado
psicológico de bem-estar, então por que não introduzir a psicologia na análise
econômica?
Thaler, ao vencer o prêmio, observou: "Para ser um
bom economista, você tem de ter em mente que as pessoas são humanas" -- isto é,
os seres humanos reais não são aquelas máquinas super-calculadoras que aparecem
nos modelos econômicos neoclássicos. Isso é uma verdade indiscutível. Porém, inserir a
psicologia no arcabouço da teoria neoclássica para tentar a aprimorá-la não
necessariamente é um aperfeiçoamento.
Sim, entender psicologia é importante para
empreendedores e historiadores. Mas a teoria econômica, como entendida por
Mises, é um exercício puramente lógico, independente das motivações
psicológicas específicas dos indivíduos. Por exemplo, a teoria de Carl Menger sobre valoração e escolha,
subsequentemente desenvolvida nos trabalhos de Böhm-Bawerk, Fetter,
Wicksteed, Mises e Rothbard, bem como de outros economistas austríacos, é um
conceito lógico, e não comportamental. (Veja aqui outros exemplos).
Mas tudo piora.
Revigorando
a disciplina, mas de maneira incoerente
A economia neoclássica sempre fez pressuposições
estritas e estreitas sobre o que significa ser "racional". Em particular, o
agente neoclássico sempre é consistente; ele possui uma ordem de preferência
clara em relação a todas as coisas possíveis de serem feitas; ele sempre
maximiza seu bem-estar; ele jamais exibe um viés para o consumo presente. E por
aí vai.
Mas, em sua defesa, ele não é (como alguns críticos
afirmam) um mero egoísta maximizador do lucro. Ele é tão egoísta ou altruísta
quanto o resto de nós. Por mais estreita que seja a definição, "racionalidade"
não significa egoísmo. Significa, isso sim, que ele é totalmente diferente de
qualquer pessoa real que conhecemos. A piada é que ele jamais se preocupa com a
desutilidade marginal de se preocupar com a utilidade marginal.
No entanto, o real problema com a economia
neoclássica não é aquele que Thaler e os economistas comportamentais pensam
ser. O indivíduo neoclássico nunca foi pensado para ser uma imagem de uma
pessoa real. Ele é apenas uma marionete -- uma construção teórica criada para
gerar previsões sobre o mercado ou sobre o comportamento agregado das pessoas.
Assim como as pressuposições irrealistas das ciências naturais ("imagine que o
carro é uma esfera", "suponha que não haja atrito"), o indivíduo neoclássico
funciona como um artifício analítico.
Já o mercado não é uma mera reflexão das capacidades
decisórias do indivíduo; ele é um filtro no qual a concorrência e outras
restrições institucionais alteram os resultados. Frequentemente o mercado
produz resultados que são diferentes das intenções e capacidades dos agentes
individuais. Eu diria que, na maioria das vezes, para melhor. Mas sempre
diferente.
Sendo assim, a crítica às limitações teóricas do
paradigma racional neoclássico, capitaneada por Thaler, foi algo bastante
refrescante e útil. No entanto, e este é o paradoxo, a economia comportamental permanece apegada a este conceito estreito de
racionalidade, a qual é vista como um padrão normativo e prescritivo de
avaliação.
Na economia comportamental, os resultados de mercado
são criticados tendo por base este conceito estreito de racionalidade. E é com
base neste conceito estreito de racionalidade que os economistas
comportamentais recomendam políticas públicas para "corrigir" distorções de
mercado.
Exatamente pelo fato de a economia comportamental ver
as pessoas como não sendo estreitamente racionais, o comportamento delas deve
ser corrigido via políticas públicas. Richard Thaler, por exemplo, argumenta
que, dado que as pessoas se comportam "irracionalmente" (isto é, de maneiras
que não maximizam sua utilidade, como entendido pela teoria neoclássica), os
governos devem intervir -- não por meio de proibições ou de imposições de
determinados comportamentos, mas sim "cutucando" gentilmente as pessoas,
empurrando-as delicadamente para o rumo certo.
Por exemplo, afirma-se que as pessoas são obesas
porque elas não levam em "total consideração" os efeitos negativos de seus
hábitos alimentares não-saudáveis. E o que seria "total consideração"? Elas
deveriam saber todas as futuras
consequência nefastas de seus hábitos alimentares e trazer estas consequências
futuras para o momento presente. Em termos técnicos, elas deveriam descontar
esses efeitos negativos à taxa racional de desconto -- a taxa de longo prazo, a
taxa que uma pessoa usaria caso fosse super-racional e prudente. No entanto, a
maioria das pessoas não é capaz de fazer isso. Segundo a economia
comportamental, a maneira como o agente olha para as coisas hoje, no momento de
decidir o que comer, é errada. É impetuosa. É "voltada para o presente". Desconsidera
"as consequências negativas futuras". Logo, o indivíduo precisa de ajuda. E, na
prática, é o governo quem deve intervir para ajudar.
Outros exemplos de intervenções defendidas pelos
economistas comportamentais são leis determinando que os supermercados coloquem
os alimentos mais saudáveis imediatamente na entrada do recinto, ou ainda que
os patrões automaticamente inscrevessem seus empregados em planos
previdenciários ou contas-poupança, a menos que eles especificamente optem por
sair, e por aí vai.
Thaler chega até mesmo a rotular isso de "paternalismo
libertário", fazendo uma distinção em relação às variedades mais pesadas de
intervenção estatal.
Com efeito, há uma infinidade de comportamentos "irracionais"
que podem exigir correção via intervenção estatal. As pessoas poupam pouco; comem
muito; se endividam em excesso; usam o cartão de crédito sem saber; não fazem
planos previdenciários; são muito otimistas quanto à própria capacidade de
superar imprevisibilidades (e são muito pessimistas quanto à probabilidade
delas ocorrerem); fumam muito; não usam energia sustentável; desconhecem os
juros embutidos nos financiamentos etc.
Alguns economistas comportamentais defendem
abertamente que o comportamento "irracional" dos indivíduos deve ser não apenas
"gentilmente direcionado" (foi Thaler quem criou o termo "cutucada"),
mas também tributado e regulado na direção daquele que seria o comportamento do
indivíduo neoclássico perfeitamente racional.
Fora as implicações políticas deste raciocínio, há
uma inacreditável ironia: a economia comportamental faz troça da economia
neoclássica -- porque os neoclássicos pressupõem indivíduos sempre racionais
--, mas, no final, segue estas mesmas
pressuposições como sendo o ideal a ser perseguido pelos seres humanos.
Dado que o indivíduo não se comporta racionalmente
-- como sugere os modelos neoclássicos --, então a solução da economia
comportamental é adotar políticas públicas que façam o indivíduo se comportar
de maneira um pouco mais semelhante ao indivíduo racional da economia
neoclássica -- a mesma economia escarnecida pelos economistas comportamentais.
No final, é como se houvesse um indivíduo
neoclássico no fundo de todos nós, lutando para se libertar, mas sendo
continuamente bombardeado por choques comportamentais. A economia
comportamental seria nada menos que fazer com que você se torne o verdadeiro
você. E tudo isso apesar de sua resistência.
Outro paradoxo
Um óbvio problema com todo este raciocínio é que os
agentes que irão criar e implantar os "cutucões" comportamentais são também
eles próprios "irracionais" -- afinal, eles são seres humanos como todos os
demais agentes humanos. Sendo assim, por que deveríamos esperar que os cutucões
melhorassem os resultados sociais?
Outros economistas comportamentais, como Vernon
Smith, são abertamente céticos quanto à ideia de que a razão seja a principal
faculdade a guiar as ações humanas. Para ele, a principal força-motriz são as
emoções. Consequentemente, ao colocar em dúvida a capacidade das pessoas de
usar seus cérebros, os economistas comportamentais acabaram criando os
fundamentos e justificativas para a introdução de controles governamentais para
"proteger os indivíduos de seu comportamento irracional".
E, de novo, o paradoxo se mantém: afinal, se os
seres humanos possuem um comportamento irracional e devem ser guiados para se
tornarem mais racionais, então quem serão os ultra-racionais agentes incumbidos
de guiar racionalmente todos os outros?
Conclusão
No final, a economia comportamental, embora tenha
trazido contribuições interessantes, frequentemente empacota idéias simples e
já bem conhecidas por economistas práticos, empreendedores e historiadores, e
as trata como sendo descobertas novas e excitantes. Um
fascinante ensaio do economista Steven Poole, de 2014, mostra que a maioria
das descobertas dos economistas comportamentais não se aplica ao mundo real
porque, dentre outras coisas, as pessoas se comportam de maneiras específicas
dentro de um laboratório, maneira estas que são bem "racionais".
Os economistas seguidores da Escola Austríaca
deveriam ficar felizes com o fato de que o prêmio Nobel de Thaler abra as
portas para debates sobre idéias básicas, como valoração, escolhas, transações
e como nós deveríamos tentar entender o comportamento humano. Isso faz com que
seja ainda mais importante relembrar as pessoas de que a praxeologia oferece
uma crítica paralela, porém distinta, à microeconomia neoclássica.
________________________
Leia
também:
Praxeologia - A constatação
nada trivial de Mises
Psicologia versus
Praxeologia
Economia praxeológica e
Economia matemática
Prêmio Nobel para a
praxeologia
Explicando o verdadeiro
significado do apriorismo
[1] O
grande empreendedor sueco Alfred Nobel nunca patrocinou nenhum prêmio para a
ciência econômica, e o comitê criado em sua homenagem (com o patrimônio que ele
deixou) nunca concedeu nenhum prêmio desse tipo até hoje. No entanto,
existe um "Prêmio para as Ciências Econômicas em Memória de Alfred
Nobel". Mas ele é patrocinado pelo Banco Central da Suécia.
Desde 1969, este prêmio também vem sendo concedido anualmente no início de
outubro.