Nota do editor
O artigo abaixo foi originalmente publicado em abril de 2017, quando Jeff Bezos, fundador da Amazon, havia acabado de se tornar o segundo homem mais rico do mundo. O artigo previu que ele rapidamente alcançaria o topo, que foi o que de fato acabou ocorrendo em meados de 2018.
Em 2019, a Amazon finalmente começou a "operar para valer" no Brasil, fazendo vendas diretas de produtos próprios e criando um centro de distribuição em Cajamar, SP.
Ontem, dia 4 de julho de 2021, aos 57 anos, Bezos anunciou sua aposentadoria e saída do comando da Amazon. Bezos vale US$ 200 bilhões. Quem definiu isso? Os consumidores.
Segue abaixo o artigo na íntegra, sem alterações, o que dá uma boa perspectiva de como as coisas evoluíram nesses quase dois anos.
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No início, as debulhadoras
aumentaram a produtividade no campo e levaram a uma redução na mão-de-obra
empregada na agricultura. Posteriormente, tratores e colheitadeiras acabaram
com as debulhadoras e reduziram ainda mais a demanda por mão-de-obra humana no
campo.
O telégrafo e as ferrovias acabaram com a demanda
por sistemas de comunicação que dependiam de cavalos, aumentando a rapidez e
reduzindo os custos unitários.
Já os automóveis acabaram com a demanda pela indústria
de charretes.
A produção em massa de produtos têxteis acabou com a
demanda por itens artesanais.
As grandes lojas varejistas, com seus preços menores,
reduziram substantivamente a demanda pelas pequenas lojas de bairro. Agora, as
lojas especializadas em vender a desconto (surgindo em várias partes
da Europa) estão acabando com a demanda pelas grandes redes varejistas.
Locadoras de vídeo reduziram a demanda por idas ao
cinema. Hoje, a Netflix, a TV a cabo e vários outros serviços de streaming aniquilaram
a demanda por locadoras de vídeo.
O sucesso do Napster (apesar de sua ilegalidade) foi
o precursor da acentuada redução da demanda por produtos típicos da velha indústria
fonográfica.
O modelo industrial da China, baseado em baixos custos
de produção, remodelou todas as tradicionais indústrias dos países
desenvolvidos. De uma perspectiva puramente econômica, não faz diferença entre
contratar mão-de-obra barata ou instalar uma máquina mais eficiente, aumentando
a automação. Os consumidores
aprovaram.
A Dell, ao fabricar e vender laptops a preços baixos,
reduziu a demanda dos consumidores por computadores tradicionais, além de ter eliminado
vários intermediadores no processo de aquisição de um computador.
A Ikea fez algo similar com toda a indústria de
mobiliário.
A internet reduziu a demanda dos consumidores por
jornais tradicionais. Já
a Google alterou completamente a indústria de marketing.
A Amazon reduziu substantivamente a demanda por
livrarias físicas ao redor do mundo.
Uber, Lyft e Cabify afetaram severamente a demanda
pela indústria de táxis.
Para onde quer que você olhe, não importa qual seja
o setor da economia (excetuando-se aqueles que são monopólios estatais), você sempre
notará os mesmos padrões:
1) Quem, em última instância, determina se uma
indústria específica se tornou obsoleta são os consumidores;
2) São os consumidores que, ao mudarem suas
preferências de consumo e suas exigências de qualidade, determinam que uma indústria
específica que não mais os satisfaz tem de ser ou fechada ou inteiramente
remodelada e reestruturada.
3) O
progresso econômico, chancelado pela preferência de consumo do público
consumidor, reduz o emprego em determinados setores, mas leva à criação de
novos empregos em outros setores.
4) Durante o processo de liquidação de determinados
empregos, o grande desenvolvimento econômico trazido pelas inovações é capaz de
multiplicar a produção per capita, afetando positivamente todas as classes
sociais.
Isso sempre ocorreu ao longo da história, e não há nenhuma
indicação de que tal processo será desacelerado. As empresas que hoje são vistas
como inovadoras passarão a ser vistas como obsoletas no futuro, com sua existência
entrando em risco. O próprio Jeff Bezos, criador da Amazon.com, admitiu
que a Amazon não durará para sempre:
Empresas têm expectativas de vida muito baixas. E a
Amazon será desbancada em algum momento. [...] Eu não me preocupo com isso porque sei que é inevitável.
Empresas
vêm e vão. E aquelas empresas que são as mais brilhantes, mais inovadoras e
mais importantes de uma determinada era terão desaparecido algumas décadas mais
tarde.
Por
falar em Jeff Bezos e Amazon...
Na semana passada, o fundador e CEO da Amazon
ultrapassou Warren Buffet e se tornou o segundo
homem mais rico do mundo [N. do E.: e, ao final de 2018, ele se tornou o mais rico do mundo, mantendo-se assim até o presente momento].
Seu patrimônio líquido é hoje estimado em US$
75,6 bilhões de dólares [N. do E.: já ao final de 2018, o valor era de US$ 156 bilhões. Hoje, é de US$ 201 bilhões]. Se a Amazon mantiver sua atual tendência de
crescimento, não demorará muito para que Bezos supere Bill Gates e se torne o
homem mais rico do mundo. [N. do E.: como de fato ocorreu].
Sempre que uma pessoa ganha destaque na mídia por
sua riqueza, a reação é imediata. E totalmente previsível. "O rico ficou mais
rico e o pobre ficou mais pobre" é a inalterável máxima da esquerda.
Só que, não bastasse o fato de que essa frase é
completamente mentirosa e refutada pelas evidências empíricas, o
próprio Jeff Bezos é a comprovação de que, quando o empreendedor rico fica mais
rico (no livre mercado, isto é, sem participar de esquemas de proteção e subsídios
estatais), ele o faz porque deixou todas as outras pessoas mais ricas também.
E foi exatamente isso o que fez a Amazon.
A Amazon.com surgiu em 1995. Começou como uma
livraria online, sinalizando o inevitável declínio das livrarias físicas muito
antes da invenção de dispositivos que permitem a leitura digital, como Kindle,
tablets e smartphones. Com o tempo, a Amazon se transformou em uma empresa
especializada em vender e enviar todo e qualquer tipo de mercadoria comercializável.
Mas o sucesso da empresa não foi instantâneo. Muito pelo
contrário: demorou muito para que a preferência dos consumidores se
direcionasse para a empresa. Embora hoje seja difícil de acreditar, o fato é
que a gigante não
teve nenhum lucro em seus primeiros seis anos. Isso significa que foram
seis anos operando no vermelho, ao mesmo tempo em que tinha de regularmente pagar
salários aos seus empregados a cada duas semanas apenas para continuar
operando.

Bezos trabalhando em um de seus primeiros escritórios na Amazon
Após esse período, a Amazon decolou. Desde 2001 -- o
primeiro ano que a empresa operou no azul --, a Amazon se tornou uma das
maiores empresas do planeta. Hoje, ela é, de longe, o maior shopping center online
do mundo. E como ela alcançou essa posição? Satisfazendo os consumidores,
oferecendo cada vez mais produtos a pessoas de todos os continentes do mundo a preços
menores do que elas encontram nas lojas.

Bezos anteviu as possibilidades da internet antes de quase todas as pessoas, o que denota a característica distintiva de um empreendedor
Sim, quem definiu o sucesso da Amazon foram os
consumidores. O valor da Amazon é uma função de Bezos ser capaz de servir, de forma barata, aos desejos de todos os consumidores do planeta desde sua base em Seattle, sem que a Amazon tenha uma presença física na maior parte do globo. Por isso, a importância da história da Amazon não pode ser minimizada.
Obviamente, os concorrentes diretos da Amazon não são
fãs do website. Nos EUA, em especial, a concorrência é feroz. Quando a
principal loja de eletrônicos do país -- a Circuit City -- foi à falência
em 2008, tudo indicava que sua concorrente direta -- a Best Buy -- dominaria o
mercado e teria um futuro róseo pela frente. Ela seria a única grande rede
varejista especializada em eletrônicos a sobreviver à recessão.
Mas foi a Amazon quem preencheu o espaço deixado
pela Circuit City. E ela o fez tão bem, que a Best Buy, após sofrer
consecutivas quedas nas vendas e ter até de trocar de CEO, simplesmente começou
a copiar os preços praticados pela Amazon. Após isso, a grande maioria das
varejistas adotou a mesma postura. Atualmente, Amazon e WalMart estão em uma
briga feroz pela liderança do mercado varejista, o que está gerando uma feroz concorrência
de preços, beneficiando exclusivamente o consumidor (leia artigo sobre isso aqui).
Esta é a grande beleza das varejistas online. Lojas que
operam pela internet, como a Amazon, oferecem aos consumidores uma arbitragem instantânea.
Utilizando apenas meu smartphone, posso conferir o preço de qualquer produto
que estou pensando em comprar sem sair de casa. Isso "empoderou" -- para
utilizar o jargão da moda -- o consumidor de uma maneira até então inédita.
Na era
das compras pré-internet, se um produto era mais barato nas lojas de um estado
distante do seu, você simplesmente nada poderia fazer. Sua única opção era se
resignar e comprar mais caro no seu estado. Hoje, com a internet e as lojas
online, os menores preços do país estão a um simples clique de distância. E quem começou toda essa tendência foi a Amazon.
Estas inovações, obviamente, foram dolorosas para
alguns varejistas. Mas foram ótimas para o resto da população. E essa concorrência
mostrou que qualquer varejista que não quiser ir à bancarrota terá de ser
agressivo para continuar operando no mercado. E como fazer isso? Reduzindo preços e
agradando aos consumidores. As consequências não apenas são preços menores, mas
tambem maior variedade de bens e melhores serviços.
A Amazon nos oferece também outra lição de economia.
Nenhuma outra empresa no mundo demonstrou de maneira mais prática o
brilhantismo da expansão do comércio. Antes desta revolução, mesmo com produtos
sendo importados de outros estados ou de outros países, os consumidores locais ainda
ficavam à mercê de quem quer que fosse a rede varejista local. A Amazon alterou
completamente essa dinâmica. Em conjunto com as milhares de outras lojas online
que a seguiram, a Amazon efetivamente ampliou o poder dos consumidores: ao
praticamente abolir o fator 'distância' entre consumidor e vendedor, a empresa
possibilitou ao consumidor ter acesso direto a mais produtos a preços melhores,
fazendo da distância -- outrora uma barreira intransponível -- algo secundário.
Esta lição é particularmente relevante à luz do
atual e infindável debate sobre livre comércio. O exemplo da Amazon deixa
explícito que toda e qualquer política de restrição de importação -- como
tarifas protecionistas e barreiras alfandegárias -- nada mais é do que uma estratégia
para reverter o tipo de benefício que empresas como a Amazon geram para os
consumidores. Ao ampliar o acesso a bens melhores e mais baratos, a Amazon fez
com que várias redes varejistas tradicionais sofressem uma queda na demanda por
parte dos consumidores. Quem se beneficiou? Os próprios consumidores,
majoritariamente os mais pobres e a classe média.
Por isso, restrições governamentais ao comércio
internacional com a justificativa de "proteger a indústria nacional" em nada
diferem de eventuais medidas governamentais contra a Amazon para proteger as
outras redes varejistas. Em última instância, tal medida não apenas pune os
empreendedores mais eficazes e premia os mais ineficientes, como ainda
prejudica aquele que realmente é quem deve decidir como tudo deve ser: o
consumidor.
Conclusão
A Amazon e sua política de vender produtos bons a
preços baixos para qualquer habitante do planeta (se o produto não chega barato
até você, a culpa é das tarifas de importação, dos correios estatais e da desvalorização
do câmbio) gerou um efetivo aumento no padrão de vida das pessoas. E mesmo as
pessoas que não compram na Amazon foram beneficiadas por ela: foi ela, por meio
de sua concorrência, quem impulsionou as outras empresas a reduzir seus preços
(ou a não aumentá-los).
Jeff Bezos hoje já rivaliza com Bill Gates pelo título
de homem mais rico do mundo [N. do E.: em 2018, Bezos superou Gates]. Como ele chegou lá? Agradando aos consumidores e
aumentando o padrão de vida deles. Bezos enriqueceu, mas deixou todos nós um pouco
mais ricos também.