Vários protestos
de rua estão eclodindo no México em consequência de um aumento nos preços
da gasolina. A população acredita que esse aumento da gasolina irá levar a um
aumento generalizado nos preços. Tudo isso se juntou a crescentes
temores de que haverá uma recessão no país em 2017 (o que não ocorre desde
2009).
O aumento nos preços da gasolina está ocorrendo após
consideráveis reformas feitas pelo governo na indústria de petróleo do México,
a qual, desde 1939, era completamente monopolizada pela estatal Petróleos
Mexicanos (Pemex). O monopólio da estatal estava sacramentado na
constituição do país, de modo que apenas ela podia explorar petróleo e gás
natural em território mexicano. Adicionalmente, a gasolina vendida pela estatal
também era subsidiada pelo governo.
Com as reformas, iniciadas
em dezembro de 2013, a Pemex continuou totalmente estatal, mas deixou de
ter o monopólio da exploração de petróleo no México. Adicionalmente, o governo
mexicano reduziu substantivamente os subsídios para a gasolina.
O governo reduziu os subsídios da gasolina
simplesmente porque está tendo de lidar com um crescente
desequilíbrio fiscal (o déficit orçamentário do governo mexicano foi de 4%
do PIB em 2014 e 3,5% em 2015). Esses subsídios existiam desde a criação da
Pemex, e foram implantados exatamente para impedir que os preços da gasolina
--vendida por uma estatal monopolista reconhecidamente ineficiente e controlada
por governos historicamente corruptos -- disparassem.
Além do corte dos subsídios, o governo mexicano
também está fazendo de tudo para atrair investidores estrangeiros e
convencê-los a investir na indústria petrolífera do México.
Infelizmente, estas reformas coincidiram com um
momento ruim para o setor: com a profunda queda global nos preços do petróleo,
fazer investimentos maciços no setor não está mais tão atraente quanto antes.
Consequentemente, os investimentos estrangeiros no setor petrolífero mexicano
acabaram sendo muito menores do que se esperava.
É provável que os investimentos aumentem tão logo os
preços do petróleo voltem a subir; porém, até lá, os mexicanos terão de lidar
com preços maiores para a gasolina em decorrência do corte dos subsídios.
Culpando
o mercado pelos problemas do intervencionismo
Como já era de se esperar, essas reformas -- as
quais representam passos ínfimos na direção de um mercado mais livre -- estão
sendo apontadas pela mídia e pelos intelectuais do México como "geradoras de
empobrecimento" para a população.
São
vários os veículos midiáticos que se referem a essas reformas como "neoliberais",
atribuindo a elas a culpa pelas adversidades vivenciadas hoje pelo povo
mexicano.
Em outras palavras, as tímidas reformas mexicanas
estão vivenciando exatamente aquele roteiro que já virou corriqueiro na América
Latina: décadas de monopólios estatais e de intervencionismo governamental na
economia geram profundas crises fiscais e econômicas; tais crises chegam a um
ponto em que o estado acaba sendo obrigado a adotar algumas reformas, caso
contrário sua própria solvência estará ameaçada; porém, tão logo essas reformas
são implantadas, elas imediatamente se tornam as culpadas por todo o
descalabro, e ganham o pejorativo rótulo de "neoliberalismo".
(Veja todo esse roteiro em detalhes neste artigo).
Escrevendo para o portal PanAm Post, Rafael Ruiz
Velasco faz
a seguinte observação:
Por
mais inacreditável que pareça, mesmo com todas as evidências empíricas que
mostram os resultados da acentuada intervenção estatal na economia mexicana,
algumas pessoas ainda culpam o livre mercado como sendo o causador do aumento
dos preços da gasolina e da insolvência da estatal Pemex.
Pemex:
uma relíquia do nacionalismo econômico
O monopólio estatal do petróleo mexicano data de
dezembro de 1938, quando o então presidente Lázaro Cárdenas estatizou as
instalações de todas as petrolíferas americanas e anglo-holandesas que operavam
no país.
A medida, ao contrário do que parece, não foi
motivada exatamente pela tradicional ideologia marxista, mas sim pelo velho
nacionalismo econômico. Àquela época, como ainda é hoje, a defesa do monopólio
estatal do petróleo era feita recorrendo a termos como "soberania nacional" e
"interesse da nação", e sempre atacando a "opressão" e a "exploração" das
empresas estrangeiras.
Essa ideologia, posteriormente, geraria aquilo que
hoje é conhecida como a "teoria da
dependência".
O resultado desse monopólio estatal, no entanto, foi
exatamente aquele que é de se esperar de qualquer monopólio estatal: qualidade
ruim e preços altos. Ao afugentar os investidores estrangeiros e isolar a
exploração petrolífera mexicana do resto do mundo, o país ficou defasado
tecnologicamente neste setor e sua estatal petrolífera foi se tornando cada vez
mais ineficiente e menos apta a se aproveitar de todos os fartos recursos
naturais do país.
Como Ludwig von Mises já havia observado em Ação Humana, vários países,
em várias épocas, simplesmente não possuem dentro de suas fronteiras a
tecnologia de ponta e o conhecimento necessários para se aproveitar dos
recursos naturais. Assim,
Se
os governos desses países impedem os estrangeiros de explorar esses recursos,
ou se sua maneira de conduzir os negócios públicos é tão arbitrária que nenhum
investimento estrangeiro ali se sente seguro, todos os povos cujo bem-estar
poderia ser melhorado por uma utilização mais adequada dessas riquezas são
seriamente prejudicados. Pouco importa que as políticas desses governos sejam
fruto de um atraso cultural ou da adoção de ideias intervencionistas e
nacionalistas em voga. O resultado é o mesmo em ambos os casos.
Quem conhece a produtiva classe média mexicana sabe
que os mexicanos podem perfeitamente se aproveitar dos recursos naturais do seu
país -- desde que eles tenham livre
acesso ao capital global e às inovações globais. Por outro lado, ao adotar
uma política de expropriação, estatização, monopolização e intervencionismo, o
governo mexicano conseguiu apenas isolar o país do resto da cadeia global de
investimentos e produção, privando os produtivos mexicanos dos bens de capital
e da tecnologia que lhes permitiriam tirar as melhores vantagens dos recursos
naturais do México.
Infelizmente, o problema ideológico do nacionalismo
econômico continua enraizado em vários mexicanos. Ruiz Velascos escreve:
Durante
décadas, a Pemex representava o símbolo do triunfo do estado sobre "a
oligarquia e o maldito império ianque". Na ideologia coletivista dos mexicanos,
a estatal se tornou o baluarte da soberania estatal, e uma fonte aparentemente
inexaurível de prosperidade e riqueza para a nação.
Na
realidade, longe de todo o discurso nacionalista e sentimentalista, o que a
Pemex sempre representou foi a imposição do estado sobre o indivíduo, do
monopólio sobre a concorrência, da ineficiência sobre a produtividade, do
desperdício sobre a responsabilidade, e do sindicalismo e do clientelismo sobre
a meritocracia.
A dor da reforma
Após quase 80 anos de monopólio sobre a indústria
petrolífera, o México tem hoje uma enorme bagunça para limpar. Os equipamentos
e as máquinas estão defasados, e os subsídios -- que foram politicamente
necessários para contrabalançar os preços altos cobrados por uma indústria
ineficiente -- não mais são viáveis.
Como já era de se esperar de qualquer indústria
monopolista, a
corrupção na Pemex é desenfreada: vários executivos e trabalhadores comuns
recebem salários magnânimos para executar serviços pelos quais, em um livre
mercado, ninguém estaria disposto a pagar. Loteamento de cargos,
apadrinhamentos políticos, clientelismo e desperdício são a norma.
Como frequentemente ocorre com intervenções
governamentais como essas, vários trabalhadores serão grandemente prejudicados,
uma vez que a Pemex -- agora tendo de lidar com a concorrência pela primeira
vez desde 1938 -- será obrigada a reduzir sua inflada folha de pagamentos, a
qual está infestada de nababos privilegiados e de altos salários totalmente
incondizentes com a realidade do mercado.
Com efeito, de certa forma a Pemex pode estar
vivenciando uma situação semelhante à dos fechamentos
das minas de carvão que ocorreram na Grã-Bretanha durante o governo de
Margaret Thatcher. Embora as minas da Grã-Bretanha não fossem monopólios no
mesmo estilo da Pemex, elas eram fortemente subsidiadas e inacreditavelmente
ineficientes, e se assemelhavam à Pemex no sentido de que eram cabides de
emprego que se mantinham exclusivamente por meio de subsídios e de poderes
monopolistas, efetuando serviços sem qualquer eficácia.
Vários trabalhadores corriam para esses empregos, os
quais eram vistos como estáveis, seguros e com ótimos salários. Infelizmente
para essas pessoas, indústrias subsidiadas inevitavelmente acabam se
esfacelando quando crises fiscais e econômicas obrigam o governo a cancelar os
mesmos subsídios que tornam estes empregos tão atraentes. O resultado final é
que as carreiras de vários trabalhadores são arruinadas e os custos aumentam
para os consumidores.
As causas de tudo, porém, estão exatamente nos
subsídios e nos privilégios concedidos pelo governo, e não nas reformas
impostas pela realidade econômica.
Mas há uma esperança para o México: ao contrário das
carvoarias da Grã-Bretanha, o petróleo mexicano ainda pode se mostrar
competitivo no mercado global. Basta o governo permitir que o investimento
estrangeiro e a concorrência modernizem o setor. Se o investimento estrangeiro
for para o México, ele pode ser o suficiente para salvar vários empregos da
indústria petrolífera. De
acordo com a Bloomberg:
A
Pemex emprega mais de 145.000 pessoas e gera aproximadamente 20% das receitas
do governo -- e enfrenta a pior crise financeira de sua história. Sua dívida
com fornecedores está no nível recorde de US$ 7 bilhões, e sua dívida total se
aproxima dos US$ 100 bilhões. A produção de petróleo da empresa vem caindo há 11
anos.
Mas
o seu potencial é tão grande -- especialmente nas águas profundas do Golfo do
México -- que o governo de Enrique Peña Nieto está confiante de que as
reformas serão um sucesso no longo prazo. As gigantes petrolíferas do resto do
mundo estão há décadas de olho nas reservas do México, estimadas em mais de 13 bilhões
de barris.
Vários trabalhadores e consumidores poderão sofrer
muito no futuro próximo. Mas não precisava ser assim. O México poderia ter
acabado com o seu monopólio estatal há décadas, de modo que as dores de hoje
seriam apenas uma memória do passado distante. Melhor ainda, o governo mexicano
poderia não ter nem estatizado a indústria, o que não a deixaria obsoleta e,
consequentemente, não exigiria nenhuma fase de "modernização", "ajuste" ou "transição".
Infelizmente, não foi isso o que aconteceu.