Somos donos do nosso corpo. A soberania do
indivíduo sobre o próprio organismo lhe dá o direito de nele introduzir
quaisquer substâncias (inclui drogas) que desejar. Se o estado limitar esta liberdade, ele estará
se apossando indevidamente do corpo das pessoas, violando a mais sacrossanta
propriedade privada
O
jurista Lysander Spooner distingue vício de crime. No primeiro, um homem prejudica apenas a si
próprio, ao passo que, no segundo, ele vitima o próximo.
Usar
drogas não agride outrem. Logo, não pode
ser considerado um crime. Pode levar à ruína pessoal, mas uma pessoa não é
verdadeiramente livre sem a liberdade de errar.
Atender
à demanda do consumidor voluntário produzindo e vendendo algo que não causa
danos a terceiros não é uma agressão. É
isso que um vendedor de drogas faz.
Afirmar
que um comerciante de ecstasy está agredindo uma pessoa que voluntariamente lhe
procura e pede o fornecimento de seu produto faz tanto sentido quanto afirmar que
a AmBev agride alcoólatras.
Impedir
o livre comércio de drogas, por outro lado, gera guerras e leva à chacina de
inocentes. Os mercados proibidos ou
fortemente regulamentados são infestados de ofertantes inescrupulosos e
violentos.
Empiricamente,
já deveria estar mais do que óbvio que a violência anda de mãos dadas com os
mercados que sofrem de ampla proibição estatal.
Traficantes de drogas não são (completamente) imprudentes; eles operam
pelo dinheiro. Para compensar o alto risco de se operar em um mercado que
foi proibido pelo estado, os retornos monetários do comércio de drogas têm de
ser astronômicos. Por isso, o benefício de se ganhar uma fatia de mercado
no comércio de drogas é enorme. Cada novo cliente pode significar um
lucro extra de milhares de dólares por mês.
Consequentemente, para os traficantes, faz sentido ficar rondando portas de escola,
vendendo seus produtos para adolescentes, ou até mesmo dando amostras grátis
para novatos. Ao passo que você nunca vê
representantes da Kellogg's vendendo caixas avulsas de Sucrilhos para as
crianças, pois o cliente adicional não compensa o custo, para um traficante tal estratégia faz perfeito sentido. Conquistar novos
clientes, nem que seja apenas um, é algo muito mais valioso e lucrativo para quem opera nas indústrias proibidas do
que para quem opera no setor livre.
É
por isso que matar um rival -- e com isso ganhar acesso a seus clientes -- é
muito mais lucrativo nos setores proibidos.
As disputas territoriais de gangues rivais que ocorrem atualmente nas
grandes cidades são decorrência da proibição das drogas. Essas disputas não ocorrem, como pensam
alguns, porque o comércio de cocaína seja algo intrinsecamente
"louco" ou "insensato".
A
repressão estatal elimina os produtores comuns, fazendo os preços dispararem. O
aumento do potencial de lucro atrai pessoas com habilidades criminosas e
dispostas a tudo para ampliar sua fatia de mercado.
Quando
o estado ameaça prender os produtores de um determinado bem, ele acaba
alterando os incentivos de mercado, de modo que a violência passa a ser muito
mais lucrativa para essa indústria. Consequentemente, aquelas pessoas que
têm predisposição para ser assassinas cruéis ganham um incentivo adicional com
a política de ilegalidade de certos mercados, o que permite que elas prosperem
e se tornem muito ricas em uma sociedade cujas leis antidrogas são
rigorosas.
A
indústria impedida é então dominada por quadrilhas, e a inevitável consequência
são os conflitos armados entre os concorrentes. A criminalidade vai se alastrando por toda a
sociedade.
Logo,
as leis antidrogas acabam por fazer com que sociopatas possam ganhar milhões
por ano vendendo drogas -- sendo que com esse dinheiro ele agora poderá comprar
armas automáticas, contratar capangas, subornar policiais e se tornar o rei das
ruas.
Com
a Lei Seca (1920 -- 1933), quando a produção e a venda de bebida alcoólica
foram banidas nos EUA, homicídios dispararam. Em 1929, a máfia de Al Capone metralhou
homens do concorrente Bugs Moran em uma disputa por mercados de álcool em Chicago. Hoje, é inimaginável que a Budweiser
mande explodir a Heineken. Por outro
lado, vemos a brutalidade dos narcocartéis no México, onde há 8 mil homicídios anuais
ligados à guerra contra as drogas.
A
pobreza aumenta, tanto por culpa dos impostos que financiam o aparato
repressor, quanto pelo menor influxo de investimentos nas áreas tomadas pelo
crime organizado.
Há
quem diga que o usuário de drogas sobrecarrega a saúde pública[1].
Tal argumento abre perigosos precedentes a autoritarismos espartanos, uma vez
que o mesmo poderia ser dito de obesos, fumantes, sedentários, promíscuos,
aposentados e trabalhadores de risco. De
qualquer forma, é a descriminalização o que minimizaria os danos à saúde do
usuário e sua propensão ao consumo.
Proibir
ou regular causa elevação dos preços e impõe barreiras à entrada, levando os
usuários a buscar alternativas baratas no mercado clandestino. Surgem assim drogas mais pesadas ou
adulteradas, fabricadas sem nenhum parâmetro de segurança e qualidade. Isso explica as perigosas bebidas misturadas
vendidas durante a Lei Seca.
A
metanfetamina, chamada de "cocaína dos pobres", é fruto da proibição da cocaína,
assim como o oxi, que é subproduto do crack (o qual, por sua vez, é subproduto
da cocaína). O "Opium Act" de 1878, por meio do qual os britânicos
regulamentaram o comércio de ópio na China, contribuiu para difundir o vício em
heroína.[2]
O
aumento de preços resultante da crescente repressão estatal não inibe o desejo
do viciado, mas exaure os recursos que ele poderia investir no próprio
tratamento. É por isso que nos EUA as mortes por overdose de drogas ilícitas
aumentaram 540% entre 1982 e 1996.[3] Foi em 1982 que os militares e a CIA se
engajaram no combate ao tráfico.
Houve uma época em que todas
as drogas já eram liberadas. Heroína era vendida nas farmácias da Belle
Époque como antitussígeno alternativo à morfina. Havia tônicos e analgésicos à base de cocaína
ou ópio, mas o vício era raro. O terror
que conhecemos hoje resulta da interferência estatal.
Em
um mercado livre e desregulamentado os competidores desenvolveriam drogas
recreativas e medicinais cada vez mais seguras, disputariam certificados de
qualidade de empresas privadas e estariam sujeitos a processos judiciais em
caso de fraude ou defeito. Estes selos
privados teriam credibilidade porque estariam concorrendo no mercado e
dependendo de sua reputação para sobreviver. Uma vida perdida por conta
de um produto mal-testado pode significar sua falência.
Quando
o estado assume o papel de regulador moral, as instituições que seriam
naturalmente responsáveis pela moralidade se enfraquecem, abrindo mão de suas funções.
O indivíduo se torna menos zeloso e mais
dependente, sem falar no apelo do fruto proibido. A inibição moral do consumo de drogas cabe à
família, religião, cultura, e não aos burocratas.
É
temerário delegar escolhas morais ao agente coercitivo estatal, cuja campanha
repressiva apenas aumentou o índice e a gravidade do vício. Nos estados
americanos onde vigorou a Lei Seca, o consumo de ópio era 150% maior que o dos
outros.[4] Na
Holanda, a política de "não-aplicação da lei anti-droga"s, que levou a uma
descriminalização de facto da
maconha, diminuiu a proporção de usuários jovens de 28% para 21%.[5]
Onde
houver demanda haverá alguém disposto a ofertar, o que reduz as abordagens
definitivas ao problema das drogas a apenas duas: a primeira é a de Mao Tsé-Tung, que condenou os usuários à morte (nenhum ser humano com um mínimo de
decência apoiaria tal barbárie); a segunda é a total liberação.
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Robert
Murphy contribuiu para este artigo.
[1] Uma das
várias vantagens da total privatização da saúde é que isso eliminaria o
problema da socialização dos custos e seu consequente risco moral
[2] Dikötter, Frank, Lars Laamann, and
Zhou Xun. Narcotic
culture: a history of drugs in China. Chicago:
University of Chicago Press, 2004. Pág 9
[3] Substance Abuse and Mental Health
Services Administration. Dados do Drug
Abuse Warning Network (DAWN): Annual Medical Examiner Data, [1992-1997]
[4] Thornton, Mark. 1991. The
Economics of Prohibition. University
of Utah Press. Pág 61
[5] Travis, Alan (2007).
"Cannabis use down since legal change". London:
The Guardian (UK).
http://www.theguardian.com/society/2007/oct/26/drugsandalcohol.homeaffairs