Antes
de começar qualquer discussão mais aprofundada sobre os sistemas de saúde, é necessário fazer uma revisão sobre os tipos de
sistema de saúde que existem.
A
ideia é simples: mostrar que cada um tem pontos que podem ser positivos e
pontos negativos, ou seja, não há uma escolha perfeita e absoluta, mas sim a
necessidade de uma constante avaliação sobre as prioridades de um determinado
lugar e seu real estado das coisas. Entender
as diferenças significa abrir portas para melhores avaliações do que está
acontecendo e do que se deseja para o futuro, seja próximo, seja no longo
prazo.
Nesse
sentido, é bom relembrar o economista americano Thomas
Sowell, que, ao comentar sobre qualquer política pública, lembra que
devemos sempre pensar nos trade-offs
que estão presentes na hora de escolher qual caminho seguir. As escolhas devem
ser baseadas em uma análise cuidadosa de prós e contras, e não em narrativas ou
discursos ideológicos.
Juntamente
a Sowell, temos a análise do filósofo francês Bastiat,
que nos clama a analisar as consequências ocultas
das diversas ações que podem ser tomadas, lembrando que boas intenções nem
sempre geram bons resultados.
Toda
política pública possui efeitos imprevistos ou indesejados. Sempre vale a pena perguntar: o que não
estamos vendo?
A
definição usada aqui para sistemas de saúde terá como foco basicamente duas
coisas: o ente pagador e o nível de regulação. Esses elementos estão amplamente associados,
visto que mesmo em um sistema com gasto totalmente privado -- como o de planos
de saúde --, o estado pode ser o grande definidor da qualidade de tratamento
que as pessoas estão recebendo, ao reduzir a oferta e aumentar os preços com
excesso de regulamentações -- Anvisa, ANS, FDA, HHS,
PHEA.
Dessa
forma, analisando tanto o aspecto de pagamento como o de regulamentações, não
corremos o risco de definir erradamente o que é um livre mercado de saúde, como
Paul
Krugman geralmente faz.
Segundo
a combinação destes critérios -- fonte de financiamento e tipo de regulamentação
--, três grandes tipos de sistemas de saúde são observados ao redor do mundo. A medicina socializada, em que há
financiamento e provimento públicos; o sistema misto, em que o provimento é
privado, mas amplamente regulado pelo estado, podendo ter seu financiamento
público ou privado; e o livre mercado, financiado e regulado por agentes
privados.
É
importante lembrar que em um mesmo país mais de um sistema de saúde pode estar
presente e ser autorizado pelo governo, como é o caso do Brasil e El Salvador, em que há o
sistema público e também os serviços privados.
A
escolha do modelo de saúde a ser adotada por um país passa por diversos fatores
que vão além da economia, como características geográficas e sociais, além de
estruturas legais e históricas. Algo que
funciona relativamente bem em uma localidade pode falhar em outra. Entretanto, é essencial
lembrar que a escolha presente vai impactar principalmente as gerações futuras,
que vão colher os frutos das virtuosas ou péssimas decisões tomadas
pelos governantes.
A
medicina socializada
O
sistema socializado de medicina, como o Sistema Único de Saúde brasileiro,
parte geralmente de duas premissas: saúde é um direito que deve ser fornecido
pelo estado; e o governo consegue controlar o fornecimento deste serviço de
forma a ter uma cobertura ampla para toda a população evitando discriminação
econômica, geográfica e social.
A
partir destas premissas, temos a construção de modelos de cobertura e organização
de serviços totalmente diferentes, podendo ser amplamente centralizados, como
no caso da extinta URSS
e do Brasil -- por
mais que, no papel, os municípios tenham uma responsabilidade maior, o
Ministério da Saúde tem sido o grande determinante das políticas públicas
brasileiras --; ou descentralizados, como o visto durante os anos 2000 nos
países nórdicos e parcialmente no Reino Unido.
A
característica em comum é o estado ser fornecedor da saúde, dono de hospitais,
clínicas, ambulâncias e empregador dos profissionais que trabalham na área de
saúde (desde o limpador de chão até o neurocirurgião especialista em
microvasculatura). Na prática, com
a intenção de ampliar o atendimento a todos, não é o rico
que paga pelo pobre, mas o saudável que paga pelo doente.
Mas este
sistema é politicamente popular porque ele fornece a ilusória vantagem de que
as pessoas não precisam desembolsar diretamente o dinheiro para ter acesso ao
sistema de saúde, já estando cobertas quando de qualquer necessidade. Isso diminui a necessidade de poupança para
pagar possíveis tratamentos médicos, impede que uma pessoa vá à falência por
causa de uma internação e também libera as pessoas para incorrer em riscos,
como a compra de um apartamento, ou o investimento em uma empresa -- visto que
os gastos com saúde já estão garantidos pela sociedade.
Há
uma alegada cobertura universal igualitária -- presente normalmente só no papel
e não no fornecimento do serviço --, em que ricos e pobres têm acesso aos
mesmos tipos de médicos.
Teoricamente
os mecanismos de seleção para tratamento se baseiam em critérios como ordem de
chegada ou gravidade da doença. Assim, a promessa é de que o estado vai cuidar
das pessoas sempre que elas precisarem, sejam ricas ou pobres, estejam
relativamente saudáveis ou em situações gravíssimas.
O
financiamento desse sistema pode se dar basicamente de duas formas:
- Contribuição igualitária
individual, em que cada pessoa paga um valor fixo para o estado por ano, e
o governo aloca os recursos conforme achar necessário. Seria algo similar
a um plano de saúde estatal.
- Pagamento por meio de
impostos, sendo mais ou menos progressivos conforme o país. Esses impostos
podem estar sobre a renda, o consumo ou a propriedade. Sendo essa a forma
de financiamento do SUS.
Assim,
o clamor de que os ricos pagam pelos pobres não é necessariamente factual,
visto que um pobre saudável que não use o sistema de saúde financiará um rico
doente. Nesse modelo, os custos são divididos por toda a sociedade e a lógica
de transferência de renda é feita dos saudáveis para os doentes.
Recursos
são alocados segundo um planejamento estatal, com pouca participação do
mercado, seja na definição de preços, seja no fornecimento de serviços
concorrentes. Um burocrata define quantos e quais profissionais são necessários
para cada grupo de habitantes, e faz as compras de suprimentos conforme modelos
econômicos que ache razoáveis.
Pode
até haver maior ou menor controle social do sistema, com a existência de
conselhos comunitários de saúde, mas as decisões são em si estatais. Normalmente, critérios técnicos são usados
para definir quais serviços serão cobertos pelo sistema de saúde, definidos
comitês de análise de custo e efetividade -- como o NICE do Reino Unido --, que determinam
patamares de preços aceitáveis de se pagar por um tratamento ou um medicamento.
Adicionalmente,
mecanismos como licitações são usados para definir os
fornecedores e geralmente o preço de um produto -- e não a sua
qualidade ou real necessidade futura -- acaba sendo o principal fator para
determinar qual será o ganhador do processo.
Dessa
forma, vemos muitas vezes sendo usados no sistema de saúde produtos genéricos
que não atendem às necessidades específicas dos pacientes, apesar de estarem de
acordo com o determinado pela licitação. Isso causa situações como falta de material
cirúrgico-hospitalar pediátrico, medicamentos em dosagens que não são condizentes
com o que os pacientes necessitam, excesso de um tipo de linha de sutura e
falta de outros, e assim por diante.
Esse
contexto incentiva o crescimento do mercado negro, onde medicamentos são
revendidos e pessoas conseguem ter acesso a serviços não ofertados pelo governo
-- muitas vezes de qualidade duvidosa.
Como
os burocratas não precisam assumir os custos de suas más decisões, visto que
muitas vezes permanecem no cargo mesmo depois de várias escolhas erradas, há
pouco incentivo interno para melhorias. Além
disso, o público paga pelo serviço independentemente do seu uso e da sua
qualidade, o que leva a custos desconexos com a realidade, corrupção, tráfico
de influência e cartelização impostas pelo mecanismo de planejamento central.
Inovações
tecnológicas demoram a ser adotadas e o ambiente não cria incentivos para
investimentos privados diretos, visto que há restrição governamental para
entrada no mercado.
No
longo prazo, o resultado de todo sistema socializado de saúde é o racionamento
do atendimento, com longas filas se formando e com tempo de espera
significativo. Em muitos casos, as pessoas chegam a morrer
esperando pela sua vez, enquanto os mais ricos conseguem fugir do sistema
pagando por fora para médicos ou viajando para outros países a fim de conseguir
seu atendimento médico -- vide o caso de Hugo Chávez e Fidel Castro, que
recorreram médicos
espanhóis, e de brasileiros que buscam tratamentos médicos na Europa e nos
EUA.
Vale
ressaltar que, no curto prazo, esse
sistema pode sim gerar um ganho em número de atendimentos. Isso acontece quando
pelo menos uma de duas coisas se faz presente: excesso de profissionais e
equipamentos subutilizados no sistema de saúde vigente antes da socialização;
ou preços pagos pelo governo acima daqueles de mercado. Nesse caso, pessoas que antes não tinham
acesso ao sistema de saúde passam a desfrutar de atendimento médico.
Entretanto,
esse desequilíbrio de oferta ou de preços dura pouco tempo e, em alguns anos, a
escassez começa devido à inevitável contenção de gastos governamentais e à
incapacidade de a oferta atender a uma demanda sempre crescente, visto que o
preço monetário do serviço será artificialmente definido como zero.
Um exemplo desse fenômeno está no
Reino Unido, que implementou o NHS no pós-Segunda Guerra e vê o número de leitos
hospitalares cair desde então.
[Nota do IMB: na Inglaterra, os
hospitais estatais são autorizados a recusar remédios aos pacientes, bebês
doentes estão sofrendo eutanásia compulsória, e 1.200
pacientes morreram de fome porque as "enfermeiras estavam ocupadas demais
para alimentá-las".]
Outro
caso notável de perda de
qualidade com o passar do tempo é Cuba. A ilha caribenha apresenta um dos índices mais
altos de médicos por mil
habitantes das Américas, que se mantém nesse patamar devido ao número de
vagas em faculdades de medicina e à baixa seletividade dos alunos no processo
de entrada -- além de um nível de formação dos médicos considerado deficiente
por muitos especialistas. Mesmo com
muitos médicos, hoje já há filas para atendimentos, principalmente
especializados, e a corrupção já é o meio mais eficaz de se garantir a sua
consulta. Além disso, materiais básicos
como aspirinas e utensílios hospitalares são escassos, obrigando pacientes a
comprá-los no mercado negro ou adiar seus tratamentos.
O
sistema misto
Um
sistema misto apresenta alta carga de regulamentações, fornecimento de serviços
por entes privados, e pode ser financiado pelo estado ou por agentes privados.
Diferentemente
do modelo puramente socializado, nos sistemas mistos o estado não é o dono dos
hospitais nem o empregador dos profissionais de saúde. Entretanto, o estado
atua definindo quais serviços podem ser ofertados, quais tipos de profissionais
são autorizados a trabalhar no país e muitas vezes até tabela os preços
considerados aceitáveis.
A
saúde continua sendo um direito, mas não cabe ao estado o seu fornecimento,
seja porque agentes
privados são mais eficientes, ou porque os sistemas privados já faziam um
bom trabalho antes de o governo decidir entrar na jogada.
Esse
sistema apresenta vantagens em relação ao fornecimento de saúde pelo governo:
menores custos dos serviços aos pagadores de impostos; competição entre os
fornecedores; maior possibilidade de inovações; mais liberdade de escolha em
relação ao provedor do serviço.
Além
disso, há uma garantia teórica de que todo o serviço oferecido deverá atender a
características mínimas definidas por regulamentações, o que significaria uma
qualidade básica de atendimento. Pode
ainda existir uma universalidade da oferta do serviço, desde que dentro de uma
cobertura mínima -- isso acontece tanto no sistema com pagamento público, como
naquele com pagamento privado.
O
exemplo mais famoso de fornecimento
de saúde por agentes privados e pagamento pelo governo é o Canadá. Nesse sistema, o governo federal define
algumas diretrizes que devem ser seguidas pelas províncias e fornece um seguro
nacional de saúde que todo canadense ou residente legal tem acesso. Cada província pode ampliar a cobertura
definida nacionalmente, o que implicará mais custos para os governos locais, ou
atender apenas o mínimo nacional. Além
disso, as províncias negociam com os hospitais os valores que serão repassados
para o tratamento de cada doença, e atuam também definindo quais preços serão
reembolsados quando da compra de equipamentos e suprimentos médicos.
No
modelo canadense há certa concorrência entre os fornecedores dos serviços de
saúde, visto que o governo paga conforme o número de pacientes tratados e os
resultados dos tratamentos. Um hospital
mais eficiente tende a ter um fluxo maior de pacientes com menor gasto de
pessoal/equipamento, gerando assim um maior lucro.
Entretanto,
como os preços dos repasses não são definidos pelo mercado e sim por
burocratas, há um considerável descolamento entre o valor pago e aquele que
deveria ser repassado
em uma situação de real mercado. Assim,
os recursos são alocados em áreas que são consideradas lucrativas segundo os
repasses estatais e não naquelas realmente necessárias para população.
Vale
a pena lembrar que no modelo canadense, por mais que as pessoas não estejam
pagando abertamente a conta do hospital, elas continuam desembolsando
anualmente uma quantidade significativa de dinheiro para sua manutenção, utilizem
ou não os serviços de saúde, e têm pouco controle sobre a qualidade e tipos de
serviços que lhes são ofertados.
A
outra forma comum do sistema misto pode ser vista no Brasil com os planos de
saúde privados, amplamente regulamentados pela Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS). Esse órgão do governo
federal define quais tratamentos de saúde os planos devem oferecer -- a chamada
cobertura mínima --, além de estabelecer o número de consultas em cada especialidade
a que os segurados têm "direito".
A
Agência ainda controla os valores que podem ser cobrados pelos prestadores
privados, restringindo aumentos de tarifas e repasses de custos aos
consumidores. Ela determina como os planos podem cobrar dos seus clientes e
como eles devem pagar os provedores dos serviços. Por fim, os planos de saúde ou seguem as
diretrizes da ANS ou são
legalmente suspensos do mercado.
Como
a ANS não consegue em hipótese alguma saber os dados da condição de saúde de
cada segurado para definir suas regulamentações, trabalhando apenas com estudos
genéricos sobre grupos de pacientes, ela acaba sendo um grande balcão de
negócios para grupos de interesse. Um exemplo disso é quando associações de
profissionais vão fazer lobby para inclusão
obrigatória de seus serviços no portfólio dos planos. Elas apresentam casos comoventes de pessoas
que sofrem por não terem acesso a um determinado serviço porque o plano não o
cobria, ou mostram estatísticas de quantos pacientes "se beneficiariam" caso os
seus serviços fossem ofertados pelas seguradoras.
Juntamente
à pressão política, esses grupos buscam o apoio da mídia -- seja em campanhas
publicitárias diretas ou em inserções da temática em novelas, séries e
programas de variedades --, com o objetivo de comover as pessoas a comprarem a
história. Não
raramente, elas conseguem o desejado.
Dessa
forma, a ANS muda as apólices mínimas e, por exemplo, obriga uma pessoa que só
quer pagar pelo tratamento de sua doença do coração a contratar consultas
anuais de um serviço de psicologia, por mais que esse paciente nunca vá ao
psicólogo, ou de pediatria, por mais que não tenha filhos.
Um
exemplo de como esse tipo de lobby é perverso se vê no caso do Obamacare americano, em
que o HHS -- Ministério da Saúde Americano -- define que homens solteiros devem
pagar por serviços ginecológicos
e obstétricos em seus planos de saúde. Assim, os planos de saúde ficam mais
caros, por causa dos requerimentos mínimos, e as agências têm de fazer um
controle de preços cada vez mais forte.
No
longo prazo, a competição fica absurdamente reduzida, visto que apenas grandes
seguradoras conseguem fornecer todos os serviços minimamente exigidos pela
agência. Na prática, regulamentações
excessivas encarecem os serviços, dificultando o acesso dos mais pobres
ao atendimento de saúde.
As
regulamentações são, portanto, uma forma de o governo controlar os serviços de
saúde, sem precisar ser o seu fornecedor. Elas atuam diretamente reduzindo a
competitividade e podem até ser baseadas em boas intenções -- como reduzir a
"cobrança abusiva" por um determinado provedor, ou aumentar o acesso a coisas
que são boas, como fisioterapia e reeducação alimentar --, mas acabam
por onerar significativamente o consumidor.
No
processo há sempre aqueles que se beneficiam, como os pacientes que veem agora
suas consultas subsidiadas pelos outros membros da rede que não fazem o uso do
serviço, ou os líderes de grupos profissionais que conseguiram uma boquinha a
mais e serão reeleitos em suas associações. Mas em vários casos, há mais prejudicados do que
beneficiados, e os custos não compensam o que foi feito.
Serviços
mais caros levam a menos pessoas podendo pagar por eles, o que gera maior
pressão por novas regulamentações -- dificilmente as pessoas entendem que foram
as "soluções" anteriores que geraram os novos problemas. Com isso, o clamor por medidas cada vez piores
se torna presente, como no caso dos Estados Unidos, em que os fantasmas da
medicina socializada e do single-payer estilo canadense voltaram a
assombrar o país devido ao número considerável de pessoas que ainda não têm
seguro saúde, mesmo depois da adoção do Obamacare.
O
sistema de livre-mercado
A
saúde, assim como qualquer outro serviço ou bem no mercado, pode ser ofertada
com a mínima interferência estatal -- as únicas restrições se
aplicando a alguém que deliberadamente afeta a integridade física de outrem e
retira a vida de um paciente sem o seu consentimento.
Um
sistema de livre mercado de saúde consiste em pessoas fazendo aquelas escolhas
para seus tratamentos que mais se adéquam a alguns princípios simples: seus
valores pessoais, sua disponibilidade de tempo, sua disponibilidade monetária. Desse modo, os custos de uma decisão
individual não podem ser transmitidos a outrem sem o seu consentimento
(escolhas individuais, custos individuais).
Esse
tipo de sistema está parcialmente presente nos serviços privados de saúde,
principalmente naqueles de caráter estético, como cirurgia plástica e
dermatologia; cirurgia para correção de miopia; serviços odontológicos; e treinamento
físico; mas não é adotado amplamente
por nenhum país.
As
grandes vantagens deste modelo são a sua adaptabilidade às necessidades individuais
de cada paciente, a rápida capacidade de adoção de inovações (e o incentivo às
mesmas), o baixo custo para aqueles que não estão fazendo uso dos serviços (a
menos que optem pela participação voluntária em um plano de saúde, no qual escolhem
os termos, eles não pagam nada), e a individualização das escolhas e de seus
resultados.
Médicos
e outros profissionais de saúde se organizam da forma mais eficiente para o
atendimento aos pacientes e não seguindo modelos pré-estabelecidos por outras
pessoas que pouco entendem do sistema. Pacientes têm a liberdade de se consultar com
o médico que querem, arcando com os custos disso -- seja esperando muito por
uma consulta, seja pagando valores mais caros por ela. E empreendedores são motivados a oferecer
novos produtos e serviços para atender às necessidades do mercado, seja
competindo em áreas que já apresentam soluções, seja oferecendo alternativas
para determinados procedimentos e modelos organizacionais.
Um
dos melhores exemplos atuais do livre mercado nos serviços de saúde está no
caso das cirurgias para correção de problemas de visão nos EUA. Esse tipo de procedimento é pouco regulado:
basicamente o que se tem é a necessidade de o médico respeitar o contrato
estabelecido com o paciente e fazer todo o possível para não causar dano. Essa cirurgia não é coberta pela maior parte
dos planos de saúde, então a escolha do médico que realizará o procedimento não
se dá pela cobertura da seguradora e sim por análise dos preços e dos
resultados que aquele profissional apresenta.
Além
disso, existem algumas diferentes técnicas que foram desenvolvidas ao longo dos
últimos 30 anos para permitir uma recuperação mais rápida, diminuir o
desconforto do paciente, ter um procedimento mais rápido etc. Ou seja, é uma área que apresenta os pilares
do livre mercado: a regulamentação se dá pela
escolha dos consumidores, há uma real concorrência dos fornecedores do
serviço e há competição pela clientela.
Analisando
o que ocorreu com o passar do tempo, vê-se que menos de 15 anos depois do início
de sua popularização, o preço das cirurgias de redução de miopia caiu
significativamente. Em
1997, o procedimento custava US$8.000, ao passo que em 2012 ele saía por US$3.800
-- isso sem considerar a diferença de poder de compra devido à inflação.
Lembrando
que, na década de 1990, a correção de visão era realizada por um cirurgião com
instrumentos como bisturis para cortar parte do tecido do olho e corrigir as
imperfeições, ao passo que atualmente o procedimento é feito com um laser
guiado por computador.
Além
disso, é possível ainda encontrar médicos que cobrem menos de US$1.000 pelo
procedimento. Ou seja, o mercado, a
inovação e a concorrência fizeram com que algo que era restrito a uma elite na
década de 1990 se tornasse acessível para um trabalhador de classe média.
Mantendo-se
esse padrão de redução de custo, a tendência é que em 2020 um trabalhador que
ganhe um salário mínimo nos EUA (cerca de 16 mil dólares por ano) possa pagar a
cirurgia sem comprometer significativamente seu orçamento anual.
O
grande problema da abordagem de mercado está no fato de que ela entende que
recursos são escassos e não visa a distribuí-los igualitariamente, visto que é
impossível atender todas as demandas ao mesmo tempo com uma quantidade finita
de recursos. Durante um tempo, algumas pessoas podem ficar sem a suposta
garantia de acesso ao serviço dada pelos modelos mais regulados ou socializados
por não terem o dinheiro necessário para pagar pelo atendimento médico, pelas
cirurgias, pelos equipamentos -- lembrando que mesmo nos sistemas socializados,
não há nenhuma certeza do atendimento médico em si; há apenas um pedaço de
papel dizendo que há a possibilidade de obtê-lo sem o pagamento posterior
pelo serviço.
Entretanto,
não há nenhuma barreira legal imposta à entrada de novos players no
mercado e nem ao acesso dos serviços de saúde. Qualquer um pode financiar seus tratamentos,
pode se juntar em grupos para comprar "pacotes de cirurgias ou de consultas
médicas" -- estilo Groupon ou Peixe Urbano, como é comum com vários
procedimentos dermatológicos --, ou mesmo aderir voluntariamente a seguradoras
de saúde, que devem ser transparentes e fornecer planos que atendam a seus
clientes e não a grupos de interesse.
O
interessante é que mesmo aqueles que não teriam o acesso inicial podem se
beneficiar da abordagem de mercado, visto que médicos conseguem ter mais tempo
livre ao fugir das burocracias impostas pelos reguladores e assim dedicar parte
do seu horário a atividades pro bono.
Empresas
também têm o interesse de promover ações sociais para se beneficiar no mercado,
e há a possibilidade de entidades de caridade e da sociedade civil surgirem
para o fornecimento de saúde para os mais pobres -- Santas
Casas e Beneficência Portuguesa
já atendiam inúmeros pacientes bem antes de alguém imaginar o SUS.
Além
disso, as inovações geradas em áreas mais competitivas são exportadas para
outros serviços mais regulados, ou mesmo para países que apresentam sistemas de saúde mais
restritivos.
Conclusão
Existem
diversos modelos de sistemas de saúde adotados ao redor do mundo e mesmo dentro
de um dado país. Cada sistema tem suas
particularidades, advindas dos agentes responsáveis por sua implantação. Não há um sistema que possa ser considerado
perfeito, visto que todos apresentam determinadas falhas. Entretanto, há aqueles que conseguem
apresentar mais prós do que contras, principalmente no longo prazo -- o caso do
livre mercado.
Assim,
um país como a Suécia, que apresenta uma população pequena, amplamente urbana e
muito homogênea, consegue implantar um modelo socializado de medicina que
demorará anos para começar
a apresentar fadiga. Enquanto isso,
o SUS brasileiro é problemático desde sua implantação.
O
mesmo vale quando comparamos os sistemas baseados em seguro obrigatório
individual, que funcionam muito bem na Suíça, mas apresentam vários problemas
em estados americanos, como Massachusetts. Assim, alegar que algo é muito bom e que vai
dar certo caso seja implantado no nosso país porque parece funcionar em outro
país não é um caminho razoável.
Por
fim, além dos aspectos práticos e econômicos, alguns questionamentos morais
e filosóficos devem ser feitos, principalmente no tocante a como seria o
acesso aos tratamentos e se é justo fazer outras pessoas pagarem pela sua
conta, seja no presente, seja no futuro, entre outros. Nenhuma discussão ampla
deve esquecer esses aspectos e cada sociedade lidará com eles de uma forma
diferente.