A legislação antitruste americana, inspiração de
todas as demais leis antitruste, inclusive a brasileira, sempre foi usada
contra as empresas mais eficientes dos EUA. Standard Oil, ALCOA, IBM, Microsoft,
entre outras, foram atacadas não por outro motivo, senão pelo fato de que sua
maior eficiência e seu consequente domínio de mercado incomodavam seus
concorrentes, os quais, incapazes de vencer a disputa por consumidores na arena
do mercado, logo recorriam ao estado, usando todo o arsenal disponível nas leis
de "defesa da concorrência"[1].
Nas palavras de Edwin S. Rockfeller:
Ataques do governo sobre
uma alegada monopolização são raros, mas há sempre o perigo para os empresários
de sucesso, especialmente os inovadores, de que os concorrentes perdedores irão
pressionar funcionários ativistas do governo a fazer algo. Assistidos por
advogados e economistas criativos, perdedores podem impor ao empresário
bem-sucedido pesados ??custos financeiros para defender o sucesso do seu
negócio contra ações vultosas, com resultados imprevisíveis.[2]
Se uma determinada empresa pretende ficar longe
de processos antitruste, o estudo minucioso da história mostra que o segredo
para isso é não ser eficiente demais e, consequentemente, nunca alcançar o
domínio de um mercado específico de bens e/ou serviços.
Caso isso ocorra, a probabilidade de que as leis
antitruste sejam usadas contra essa empresa é extremamente alta, seja para
restringir ou impedir um ato de concentração empresarial que vise a otimizar
sua logística, reduzir seus custos fixos, aumentar sua eficiência ou ampliar
seu alcance geográfico (uma fusão ou a aquisição de um concorrente, por
exemplo), seja para reprimi-la pela adoção de uma estratégia empresarial
inovadora (condenação pela prática de "abuso de posição dominante", por
exemplo, uma conduta descrita na lei de modo propositalmente vago).
Para comprovar a veracidade de tais afirmações,
é imprescindível mencionar o que está acontecendo atualmente com o Google: em
2011, o Presidente Executivo da empresa, Eric Schmit, foi convocado para uma
audiência na comissão antitruste do Senado americano, onde teve de responder a
acusações -- feitas por presidentes de empresas rivais, obviamente![3]
-- de que estava cometendo abuso de posição dominante no serviço de busca na
Internet, em detrimento de concorrentes menores.[4]
Como o Google é uma empresa com atuação global,
essas acusações foram replicadas perante outras autoridades antitruste, instaurando-se
uma verdadeira cruzada contra essa empresa. A propósito, confira-se a seguinte
notícia, publicada pelo próprio CADE, a agência antitruste brasileira, em seu site:
CADE investiga supostas práticas anticompetitivas do
Google no mercado brasileiro de buscas online
11.10.2013
A Superintendência-Geral
do Conselho Administrativo de Defesa Econômica -- CADE instaurou, por meio de despachos
publicados no DOU desta sexta-feira (11/10), três processos administrativos
para apurar supostas práticas anticompetitivas adotadas pelo Google Inc. e pelo Google Brasil Internet Ltda. no mercado brasileiro de buscas online. A investigação teve início a partir de denúncias apresentadas ao
órgão antitruste pelas empresas E-Commerce Media Group Informação e Tecnologia
Ltda., detentora dos sites Buscapé e
Bondfaro, e também pela Microsoft Corporation, controladora do site de buscas Bing.
O site de busca online
Google, hoje amplamente utilizado por usuários da internet, disponibiliza
gratuitamente uma ferramenta de busca que permite o livre e rápido acesso a
informações e conteúdos na web. Parte dos resultados da busca entregue ao internauta
é divulgada em um espaço da página conhecido como "busca orgânica", na qual os sites listados não pagam ao Google
Buscas nenhum tipo de remuneração, e são supostamente buscados e ordenados por
meio de um algoritmo estabelecido pelo Google, segundo determinados critérios.
Outro espaço na página de busca expõe como resultados os chamados "links patrocinados", compostos por sites que promovem campanhas
publicitárias de seus produtos e remuneram o Google para serem ali divulgados.
Existem também sites especializados nas chamadas buscas
temáticas, serviços de pesquisa específica a consumidores e empresas, tais como
comparação de preços de produtos ofertados na internet. É o que oferecem, por
exemplo, os sites Buscapé e Bondfaro.
O próprio Google possui sites de
busca temática, como o Google Images, o Google Books, o Google News e o Google
Shopping – este especializado em busca de lojas e de preços de produtos.
Os processos
administrativos instaurados pela Superintendência-Geral investigam as seguintes
condutas:
• Processo
Administrativo n.º 08012.010483/2011-94: apura, conforme denúncia da
E-Commerce, se o Google Buscas estaria inadequadamente privilegiando, nos
resultados da busca orgânica, os seus próprios sites temáticos, como o Google Shopping, em detrimento de sites concorrentes, como Buscapé e
Bondfaro. Também será apurada a alegação da E-Commerce de que o Google Shopping
estaria indevidamente sendo posicionado de modo privilegiado em outros espaços
da página (entre os links
patrocinados), novamente com o intuito de se beneficiar frente aos
concorrentes. O processo investiga, ainda, se o Google Buscas estaria
diminuindo o espaço da busca orgânica em relação à patrocinada e se estaria
adotando mecanismos para confundir o usuário na identificação dos resultados de
busca orgânica e patrocinada, com potenciais efeitos anticompetitivos.
Outra conduta
investigada nesse processo relaciona-se à alegação de que o Google Buscas, de
forma potencialmente discriminatória, permitiria a veiculação de anúncios com
foto – supostamente uma forma mais atraente de exposição – pelo Google
Shopping, mas não por sites temáticos
concorrentes. A denúncia feita ao CADE alega que o Google teria, primeiramente,
recusado a venda de espaço para anúncio com foto ao rival Buscapé, e,
posteriormente, exigido o fornecimento de dados concorrencialmente sensíveis do
concorrente para permitir o anúncio.
• Processo
Administrativo n.º 08700.009082/2013-03: apura denúncia de prática denominada
"scraping". Trata-se de suposta "raspagem", pelo Google, de conteúdo
concorrencialmente relevante de sites
temáticos rivais para uso em seus buscadores temáticos. Segundo a representação
da E-Commerce, o Google Shopping teria indevidamente se apropriado de reviews (comentários de clientes
opinando sobre qualidades ou defeitos de lojistas e produtos) reunidos pelos sites de comparação de preços Buscapé e
Bondfaro. De acordo com a denúncia, uma vez que as opiniões dos usuários sobre
produtos e serviços agregam informações relevantes e são um atrativo para ferramentas
de buscas temáticas para compras, com essa prática o Google estaria subtraindo
vantagens competitivas detidas por esses rivais e delas se beneficiando. Ainda
segundo as alegações feitas ao Cade, o Google impediria que seus concorrentes
fizessem a "raspagem" de sites
temáticos a ele pertencentes.
• Processo
Administrativo n.º 08700.005694/2013-19: apura supostas restrições
anticompetitivas do contrato de prestação de serviços da plataforma de
publicidade online do Google, conhecida como Google AdWords. Por meio dessa
plataforma, os anunciantes que compram espaços publicitários na página do
Google gerenciam suas campanhas publicitárias, definindo, por exemplo, as
palavras-chave às quais querem associar seus anúncios, de modo que apareçam nos
resultados de buscas por determinadas expressões, tais como "televisão" ou
"celular". Também é por meio dessa plataforma que são selecionados os
anunciantes que aparecem no espaço limitado de links patrocinados do Google, disputa essa que ocorre por mecanismo
de leilão, segundo critérios como valor do lance e qualidade do anúncio. De
acordo com a Microsoft, o Google teria imposto restrições que dificultam que os
anunciantes gerenciem suas campanhas publicitárias, simultaneamente, no Google
e em outros buscadores concorrentes – tipo de interoperabilidade denominada, em
inglês, multihoming. Segundo as
alegações trazidas ao CADE, o multihoming
facilita e diminui os custos de montar e gerenciar campanhas nas diferentes
plataformas de busca, e possibilita comparar o desempenho de cada plataforma.
Ainda segundo a denúncia, ao impor restrições de compartilhamento de
informações nas plataformas de anúncios, o Google acabaria por desestimular os
anunciantes a também veicularem campanhas em buscadores rivais, prejudicando o
desenvolvimento desses concorrentes, já com reduzida fatia do mercado.
As condutas
investigadas, caso comprovadas, podem dificultar a entrada e o desenvolvimento
de concorrentes no mercado brasileiro de buscas online, além de incrementar o já elevado poder de mercado do Google
nesse segmento – próximo a 99% segundo algumas análises. Desse modo,
resultariam em obstáculos a inovações, menos opções de empresas, produtos e
serviços aos usuários e, eventualmente, impactos nos preços de produtos e
serviços ofertados aos consumidores online.
Com a instauração dos
processos, o Google será notificado para apresentar defesa. Ao final da
instrução, a Superintendência-Geral emitirá parecer opinando pela condenação ou
pelo arquivamento dos processos, e enviará os casos para julgamento final pelo
Tribunal do CADE.[5]
A notícia fala por si mesma: o Google, empresa
líder de mercado em razão de sua maior eficiência, está sendo alvo de processos
antitruste iniciados por alguns de seus principais concorrentes, exatamente
como sempre ocorreu ao longo da história do direito antitruste.
E as acusações chegam a ser risíveis, como a
primeira mencionada na transcrição supra:
o Google pode ser condenado por privilegiar, nos resultados de busca que
oferece gratuitamente aos seus usuários, os seus próprios sites temáticos, como o Google Shopping (comparador de preços), em
detrimento de sites temáticos
concorrentes, como Buscapé e Bondfaro.
Explicando melhor: imagine que uma
determinada pessoa resolve pesquisar preços de um televisor no Google,
digitando a expressão "TV 50 polegadas". Ao mostrar o resultado da pesquisa, o
Google destaca primeiro, no início da página, as opções do Google Shopping, e
logo abaixo aparecem as opções do Buscapé, do Bondfaro e de outros
concorrentes. Nada mais natural.
É como uma loja multi-marcas que, no seu espaço
físico, expõe os produtos da sua marca própria em melhores lugares (na vitrine
ou em estantes próximas à entrada) do que os produtos de outras marcas que
também comercializa. O que se devia esperar? Que o Google fizesse o contrário,
privilegiando os sites temáticos concorrentes em detrimento dos seus próprios
sites temáticos?
(…) é o comportamento do
Google realmente inesperado? Afinal de contas, trata-se de um negócio que visa
ao lucro. A melhor pergunta a fazer é: por que o Google não iria dar tratamento
preferencial aos seus outros negócios em seu próprio mecanismo de busca? Não é
preciso ter um diploma universitário em marketing para perceber o quão benéfico
é para o Google usar a sua própria e forte plataforma de tráfego de informações
para se promover.[6]
É fácil perceber que a conduta do Google, nesse
caso, é absolutamente normal e com certeza seria praticada por qualquer outra
empresa que se encontrasse em posição semelhante (como a loja multi-marcas do
exemplo mencionado).
Muitas redes de supermercado, por exemplo, além
de venderem produtos de variadas marcas distintas, também comercializam
produtos de marca própria, e não raro tais produtos são oferecidos em locais
privilegiados e com mais destaque do que os demais. Trata-se de uma prática
comercial absolutamente legítima e corriqueira, decorrente não apenas da livre
iniciativa do empresário, mas também do fato de que o estabelecimento comercial
(físico ou virtual) é propriedade privada dele.
Os defensores do antitruste contra-argumentam,
porém, alegando que tal prática comercial, embora seja legítima em tese,
torna-se ilegítima pelo fato de o Google ter o chamado "poder de mercado". Ora,
mas tal "poder" não foi obtido por meio da força ou de qualquer outro
expediente ilegal[7].
Quem conferiu esse "poder" ao Google foram seus consumidores, e são eles que o
mantém até os dias atuais.
Não cabe a um punhado de burocratas retirar do
Google algo que seus consumidores lhe deram voluntariamente, pois isso seria
penalizar a eficiência e prestigiar a incompetência. Mas, infelizmente, é exatamente
isso o que o antitruste faz desde que suas primeiras leis foram editadas até os
dias atuais.
Assim como aconteceu com a Standard Oil, com a
ALCOA, com a IBM, com a Microsoft e com tantas outras empresas que foram alvo
das agências antitruste, o Google não está sendo processado por prejudicar seus
consumidores, mas por incomodar concorrentes em razão de conseguir a liderança
de mercado com base na sua maior eficiência competitiva.[8]
Note-se bem quem está
fazendo essas queixas contra o Google. Tal como aconteceu com quase todos os
casos antitruste na história americana, a pressão para atacar o competidor
dominante na indústria está sendo feita por seus concorrentes mal sucedidos. Não
se trata de defender consumidores. Não se trata de aplicar uma fórmula
científica que determine um market share ideal
para atingir uma "concorrência perfeita". Trata-se de empresas que estão
desistindo de tentar competir no mercado na esperança de que o governo resolva.
Os potenciais beneficiários aqui não são os consumidores, mas os concorrentes
ineficientes e os reguladores do governo.[9]
A título ilustrativo, basta citar que no ano de
2013 -- exatamente o ano em que o CADE iniciou os processos anteriormente
listados -- o Google foi eleito a melhor empresa do mundo para se trabalhar,[10]
a empresa mais inovadora do mundo[11]
e uma das três empresas mais admiradas do mundo.[12]
Enfim, nenhum consumidor parece estar preocupado com a atuação empresarial do
Google. Seus concorrentes, porém, estão muito incomodados, e quando isso
acontece a legislação antitruste é uma arma que dificilmente deixa de ser
sacada.
[1] Para uma leitura resumida de vários
casos históricos em que o Sherman Act foi
usado para processar e até mesmo para condenar empresas americanas eficientes
que estavam liderando seus mercados de forma legítima, confira-se: GORDON, John
Steele. "Read your
history, Janet". Disponível em: http://www.forbes.com/forbes/1998/0223/6104092a.html.
[2]
ROCKFELLER, Edwin S. Antitrust religion.
Washington
D.C.: Cato Institute, 2007. p. 56 (tradução livre).
[3] "(...) a investigação no Congresso americano
que o Google está enfrentando não é nada novo. A aplicação da lei antitruste
pelo governo americano tem constantemente caído sobre as empresas que se
destacam reduzindo preços, inovando os seus produtos e expandindo sua base de
consumidores. O que todo empresário racional se esforça para realizar é
essencialmente o que o governo tenta frear": MILLER, James E. "Where
Google gets its power?".
Disponível em http://mises.org/daily/5695/Where-Google-Gets-Its-Power (tradução livre).
[4] Disponível
em: http://usatoday30.usatoday.com/tech/news/story/2011-09-21/google-eric-schmidt-senate-hearing/50501988/1.
[5] Disponível
em: http://www.cade.gov.br/Default.aspx?7acd5cad47dc33f00532025eeb6f.
[6]
MILLER, James E. "Where Google gets
its power?". Disponível em http://mises.org/daily/5695/Where-Google-Gets-Its-Power (tradução livre).
[7] "O Google não foi o primeiro mecanismo de busca na
internet, mas tem feito essa indústria progredir muito além de suas origens
humildes. Através do desenvolvimento de um algoritmo exclusivo chamado
'PageRank', o Google tornou-se líder mundial de pesquisa na internet. Seu
sucesso e seus trinta mil funcionários devem ser comemorados, e não demonizados
e tratados como um alvo por políticos facilmente manipulados": MILLER, James E. "Where Google gets its power?". Disponível em http://mises.org/daily/5695/Where-Google-Gets-Its-Power (tradução livre).
[8] Para se ter uma ideia do absurdo que se tornaram
esses ataques ao "Googlepolio", basta mencionar que na França uma empresa de
cartografia processou o Google por oferecer serviços de mapa gratuitamente,
através do Google Maps, o que configuraria uma infração antitruste
(precificação predatória, a fim de quebrar todos os concorrentes e depois
abusar de uma provável posição dominante). O mais impressionante é que o Google
perdeu o processo e foi condenado a pagar uma indenização de US$ 660 mil.
Fonte: http://olhardigital.uol.com.br/noticia/google-e-multado-em-us-660-mil-por-oferecer-google-maps-gratuitamente/23929.
[9] MILLER, James E. "Where Google gets its power?". Disponível
em http://mises.org/daily/5695/Where-Google-Gets-Its-Power (tradução livre).
[10] A eleição é
feita pelo Great Place to Work: http://www.greatplacetowork.com.br/melhores-empresas/gptw-mundial/lista-dos-25-melhores-de-2013.
[11] A eleição é
feita pela Fast Company: http://www.fastcompany.com/3026098/most-innovative-companies-2014/the-worlds-most-innovative-companies-2014.
[12] A eleição é
feita pela APCO Worldwide: http://www.rankingthebrands.com/PDF/The%20100%20Most%20Loved%20Companies%202013,%20APCO.pdf.