Introdução
Um dos temas menos populares e talvez o mais ausente dos estudos e
debates econômicos difundidos na grande mídia -- e referentes à regulamentação --
diz respeito às modalidades de apropriação e esquemas de organização das
emissões e transmissões em ondas
hertzianas.
A comunicação por ondas de rádio inclui uma grande diversidade de
serviços e está sujeita a uma gama extensiva e variada de controles legislativos e normativos. Trata-se de um tema que
normalmente está incluso no que se descreve como setor das telecomunicações.
Não existe motivo natural que impeça, a priori e a fortiori,
que o setor se organize e se desenvolva segundo procedimentos e mecanismos
institucionais mais próximos dos de mercado, em um esquema organizacional
fundamentado sobretudo em um verdadeiro regime de propriedade, segundo
modalidades contratuais mais acordadas aos interesses das próprias partes
interessadas da sociedade civil, seja de forma exclusiva, seja de forma bem
menos centralizada e sob uma tutela bem menos constringente vis-à-vis dos poderes públicos.
As modalidades de atribuição e apropriação das bandas e frequências em
ondas hertzianas (ondas de rádio) dependem hoje em dia do reconhecimento de
instâncias governamentais e resultam frequentemente de normas edificadas
localmente e validadas por convenções internacionais. Os governos ao redor do
mundo se apresentam como principais responsáveis da organização, controle e
concessão das emissões de radiofrequências. Os motivos são variados e podem
envolver desde questões econômicas associadas, por exemplo, às externalidades e
bens públicos, até questões de defesa militar e soberania do território,
passando ainda por elementos de ordem jurídica e questões de justiça.
Os poderes públicos organizam e regulamentam verticalmente a coordenação
e alocação das bandas de radiofrequência em processos concessivos e de
delegação de direitos de emissão. Do ponto de vista histórico, isto não quer
dizer que esta tenha sido a primeira forma de organização e muito menos que
esta seria a única e última forma concebível e disponível, ou ainda, que a
atual maneira de organização não possa ser melhorada ou que propostas de
reforma sejam estudadas.
Se o desenrolar dos eventos históricos e políticos e os desenvolvimentos
tecnológicos e institucionais conduziram a mudanças organizacionais
privilegiando determinado tipo de configuração, isto está longe de ser algo
similar a um prova de que deveriam ter término as experiências e a própria
evolução institucional e organizacional para o setor. Por mais que este tipo de
raciocínio seja frequente, a própria história recente serve para contrariar
esta idéia.
Assim como aconteceu em setores como o das energias ou dos transportes,
fatores institucionais e de ordem não puramente técnica fizeram que não se
pudesse ter fomentado um desenvolvimento alternativo ao nível organizacional. O
que se fez foi privilegiar mecanismos institucionais e organizacionais que hoje
em dia consideramos comuns ou mais apropriados, isto é, a organização do
"espaço hertziano" por organismos governamentais e a regulamentação por agentes
públicos especializados e dotados de poderes de controle e normalização,
ofertando regularmente direitos concessivos e limitados de exploração.
De forma mais precisa, a criação de modalidades mais exclusivas e
excludentes de apropriação ou a simples criação e reconhecimento de legítimos
direitos de propriedade poderia ter ajudado o setor a se desenvolver de forma
mais independente, mais livre e mais concorrencial, e poderia também nos
fornecer elementos de resposta ou idéias para proposições de reforma nos
ajudando, eventualmente, a remanejar os arranjos existentes ou reorganizá-los
com o intuito de, primeiramente, respondendo a um objetivo de eficiência, procurar melhor alocar os recursos
disponíveis e envolvidos, promover maior cobertura, menos problemas de
interferência, menor submissão dos direitos de emitir à captura regulamentária
e anseios e interesses de alguns poucos produtores, mais inovação e privilégio
aos mecanismos competitivos.
Em seguida, respondendo a um objetivo
de maior liberdade de comunicação, se tem no espírito a busca pela promoção
de maior liberdade de programação e maior liberdade para emissão, recepção e
transmissão de radiofrequências, ou seja, a promoção de uma ordem onde fossem aprimorados,
potencializados, melhor delimitados e reconhecidos os domínios da propriedade e
da liberdade individual, neste caso, aplicados à radiocomunicação. A promoção e
execução plena da liberdade de expressão.
Natureza da utilização das frequências
de rádio e escassez
Comecemos por explicar o que é o sistema de radiofrequências e como se
dá seu uso. A utilização das ondas de rádio envolve, grosso modo, três dimensões.
Primeiramente, existe uma dimensão associada à frequência da emissão, isto quer dizer, a banda onde o emissor
das ondas vai calibrar seu aparelho transmissor para que seja propagada a
mensagem magnética ulteriormente decifrada por aparelhos receptores.
Em segundo lugar, existe uma dimensão associada ao tempo durante o qual cada emissão ocorrerá.
Existe ainda o espaço no qual
são radiadas as ondas de rádio. Esta terceira dimensão englobaria ela mesma a potência de emissão em função do espaço.
Um dos maiores obstáculos para a organização da utilização das
transmissões de ondas rádio é a interferência, que poderia ser interpretada
como um resíduo da atividade de alguns sobre terceiros, e eventualmente, sobre
sua propriedade. Ou seja, poderia ser comparável ao que se descreve em economia
pelo conceito de externalidade.
Duas ou mais estações emissoras, receptoras e transmissoras de ondas de
rádio enfrentam problemas de interferência apenas se a frequência, o tempo, e o
espaço (que inclui a força da emissão) são compatíveis. Os operadores das
comunicações por ondas de rádio podem utilizar destas três dimensões para
calibrar, harmonizar e evitar transferências e interferências. Existe então uma
enorme variedade de combinações, zonas geográficas, tempo e frequência e força
que podem evitar problemas de interferência e assegurar a limpidez e qualidade
das transmissões de radio.
Aparece imediatamente que o uso de determinadas praias por alguns
emissores compromete o uso para outros. Teríamos usos limitados. Estaríamos
diante de um fenômeno de escassez para o uso desta banda de radiofrequência.
Desde já é possível desde imaginar que a escassez no caso da emissão de ondas
hertzianas decorre diretamente da própria atividade, isto quer dizer, ela está
associada intimamente aos problemas de interferência característicos das
emissões radioelétricas dado o atual nível de progresso tecnológico.
Escassez é apenas uma forma de dizer que o uso de algo implica
diretamente um custo (de
oportunidade). É do próprio interesse dos usuários regulares do espaço hertziano que suas transmissões
possam ocorrer com o mínimo de interferência possível, eles próprios têm
interesse em formalmente estabelecer mecanismos de apropriação, esquemas de
salvaguarda, contratos condicionais, a instauração de mecanismos de
responsabilização e controle do uso das bandas de radiofrequência.
O uso de uma praia de radiofrequência por uma pessoa implica, nesta
perspectiva, que restarão menos frequências disponíveis a serem utilizadas para
outros fins, ou que ao menos esta frequência não estará disponível para o uso
de outrem. Ou seja, o ganho obtido por alguém que utilizará e explorará
determinada banda de radiofrequência está intimamente associado à perda
potencial da não-utilização desta por outrem.
Assegurar uma compatibilidade nas comunicações (não interferência ou
congestão) é a mesma coisa que poder conferir um valor de mercado para as emissões e transmissões de ondas. Temos
então um problema cuja natureza ultrapassa os dilemas puramente técnicos, de
engenharia ou progresso tecnológico.
A natureza da alocação das radiofrequências é também um problema essencialmente econômico
indissociável do fenômeno da escassez. Do ponto de vista do gestionário, a
combinação preferível não é esta que permite apenas resolver problemas técnicos
buscando cobrir vastas zonas, ou garantir as melhores condições de recepção das
transmissões, mas também se deve levar em consideração a arbitragem mais
eficiente entre os custos de oportunidade
para uma combinação enorme de bandas de frequência relativamente e
comparativamente aos diversos outros usos empregados e empregáveis, e a
evolução dos preços dos equipamentos de transmissão e recepção de emissões, e a
variação segundo modificações dos sistemas de emissão, da evolução da audiência
e preferências dos utilizadores dos serviços e etc.
A possibilidade de se utilizar preferencialmente do mecanismo de preços
é algo mal visto, algo que pode passar desapercebido pelos próprios responsáveis da política e gestão do
"espaço hertziano".
Propriedade e funcionamento do mecanismo
de preços para bandas de radiofrequência
A escassez significa que todas as ligações ou comunicações disponíveis
para o atual estágio de desenvolvimento tecnológico são desejadas para
utilizações diversas e concorrenciais, e pelos mais distintos usuários em
concorrência.
A escassez conduz à existência de filas de espera, no sentido que
empreendedores desejando satisfazer uma demanda potencial, ou desejando inovar
e prestar novos serviços, estariam dispostos a pagar determinado preço para tal
propósito mas não encontrariam certas vezes a possibilidade, porque a maioria
das bandas de radiofrequência já é utilizada e uma nova emissão conduzira em
determinado ponto a problemas de interferência e custos não recuperáveis.
Mas isto não significa homogeneidade,
os serviços de radiofrequência em concorrência não têm o mesmo valor. Um
economista imediatamente entende que, uma vez que se apresentam condições de
escassez, a tecnologia jurídica da propriedade privada é uma resposta e solução
entre as mais satisfatórias. A propriedade é garantia de que, por meio do
surgimento do mercado e do sistema de preços, as aspirações de utilização e os
empregos destinados aos recursos seriam alinhados progressivamente às demandas
sociais.
Desde que as condições institucionais minimamente necessárias estejam
presentes, direitos de propriedade permitem e desencadeiam um processo de valoração que termina por
satisfazer as aspirações de quem acredita poder oferecer da melhor maneira possível
seus serviços (os empreendedores), e permite que aqueles empreendedores que
façam um uso cujo valor social conferido seja
menor possam legitimamente cambiá-los mediante um mercado de direitos de uso. Todos ganham.
O mecanismo de preços é "o lubrificante" destas engrenagens. Sem o
mecanismo de preços de mercado não se
pode ter uma precisa idéia de quando se utiliza ou não de forma criteriosa --
ou segundo a melhor valoração social
possível -- os direitos de emissão.
Logo não se pode ter uma idéia adequada dos meios financeiros que devem
ser destinados e alocados para os diferentes propósitos. Onde prevaleça um
mercado para direitos de emissão em radiofrequências um usuário poderá comparar
melhor -- por meio do sistema de preços -- a utilidade auferida para sua
utilização. E ainda teríamos como saber melhor quais tipos de atividades
deveriam ser privilegiadas e mereceriam captar mais investimentos e expansão
via aquisição de mais direitos de apropriação.
Do ponto de vista econômico, quando se encontram diante do fenômeno da
escassez e dispõem do aparato normativo previsto pelo regime da propriedade, as
decisões individuais dos proprietários destes direitos devem levar
prioritariamente em consideração o valor
relativo auferido subjetivamente para os diferentes usos possíveis e
sobretudo para o uso efetivo que se faz dos recursos em questão. Isso
envolve não somente o valor tal qual entendido pelos proprietários em si, mas
tal qual percebido abstratamente por uma multidão de indivíduos, e isso vale
mesmo nos casos em que estas decisões sejam tomadas em um universo de maior
incerteza.
A exequibilidadade e eficiência
deste mecanismo alocativo dependerá diretamente da natureza dos direitos de
propriedade em questão, e do sistema jurídico e aparato institucional em vigor..
Privatizar significa colocar institucionalmente em aplicação o regime da propriedade. A consequência da
privatização é a (re)introdução de duas das principais características
geralmente associadas ao regime de propriedade: a exclusividade de direitos e sua livre transferabilidade.
E, para tal, é de fundamental importância dispor de um sistema jurídico
e institucional que dê garantias e reconhecimento dos direitos legítimos de
propriedade, e que engendre e esclareça ao melhor a estrutura de
responsabilização, e que possa controlar eventuais violações destes mesmos, e
que possa forçar contratos e aplicar sanções aos devidos responsáveis: é
necessário um esquema institucional tipicamente conhecido no Império da Lei. Para
isso, é necessário um princípio de
legitimação da apropriação ajudando tanto a fortalecer os mecanismos e
obstáculos econômicos quanto os desafios em matéria de justiça.
No caso do espaço de radiofrequências, o que é apropriado e alocado é o
direito de radiar impulsos elétricos sem interferências. Embora a conotação de
apropriação dê a impressão de que o objeto seja essencialmente referente às
ondas do "espaço hertziano", não são todas e nem as próprias ondas do espaço
hertziano que se tornam efetivamente objeto de apropriação: é o uso que se faz
de determinada banda.
A unidade tecnológica do recurso
é a quantidade mínima necessária para a exploração, devidamente limitada pelo
direito similar dos outros. Não são todas e nem as próprias ondas do espaço
hertziano que se tornam efetivamente objeto de apropriação: é o uso que se faz
de determinada banda; esta é a unidade
tecnológica do recurso.
Não existe um "espaço hertziano" concebido platonicamente como uma
entidade universal cuja propriedade recairia então naturalmente sobre o
"interesse comum" ou governamental. O que teríamos na essência poderia ser
descrito como algo "demarcativo". Este critério de "demarcação" pode parecer
abstrato, mas não é relativo, e em todo caso, esta é a própria natureza dos
direitos de propriedade. São direitos reconhecidos e reconhecíveis.
O regime da propriedade privada descreve um caso particular onde a regra geral é que os direitos de propriedade
reconhecidos pela coletividade são direitos subjetivos, transferíveis
livremente, de caráter pessoal e exclusivo. Eles derivam diretamente do direito
pleno e inalienável de propriedade de cada indivíduo sobre sua própria pessoa.
O atual sistema de concessões e alguns
problemas da regulamentação
A particularidade do sistema atual, fundamentado na obtenção de
concessões e de propriedade (pública) delegada, é que o sistema de preços não
tem praticamente nenhum papel na alocação dos recursos.
Na maioria dos países, o que inclui o Brasil, o
"espaço hertziano" é considerado e normalizado como responsabilidade pública, o
que quer dizer que os poderes públicos, embora não detenham diretamente todos
os direitos de emissão, no sentido de estarem eles mesmos a explorar estes
direitos (as próprias licenças militares são geralmente outorgadas ou
concedidas), delegam o uso a empresas privadas que consigam uma licença de
duração limitada e eventualmente renovável.
Este sistema de concessões e regulamentação confere poderes de controle
e edição de normas a serem seguidas pelos operadores. O espaço de
radiofrequências é dividido e organizado em função das zonas de emissão.
O primeiro problema do sistema de concessões é o próprio processo
atributivo: as dificuldades de organização de leilões "verdadeiramente
concorrenciais", dificuldades e modos de renovação de licenças, dificuldades de
acompanhamento dos contratos e mediação de eventuais conflitos, adaptação do
processo alocativo à evolução do progresso tecnológico, demandas sociais
(efetivas) para o uso de radiofrequências e, por fim, os problemas que a
própria escolha do modo de organização por meio de concessão pode representar
para eventuais reformas no futuro, como por exemplo a instauração de grupos
detentores da maioria dos direitos ou a dificuldade de reverter direitos
concedidos em legítimos direitos.
O segundo problema é que esta licença é um direito intransferível, o que termina por impossibilitar o
desencadeamento do processo valorativo e relativo aos mecanismos econômicos,
como um mercado e um sistema de preços com conteúdo informativo satisfatório. Consequentemente,
a impossibilidade de haver uma forma racionalmente satisfatória de alocação das
unidades de exploração.
Por mais que ela confira um direito pessoal e exclusivo de emitir
radiofrequência sob determinadas condições, a propriedade é concedida
temporariamente, condicionalmente e de forma incompleta e não transferível às
pessoas físicas e jurídicas. Trata-se de um direito delegado e distinto deste
do regime tradicional da propriedade. Seu objetivo é, em princípio, organizar a
escassez. O resultado da aplicação deste sistema de concessões é, justamente, a
criação de disparidades regionais em matéria de cobertura, acesso e
programação.
O terceiro problema é que, pela ausência de mecanismos institucionais
apropriados, e por meio da não-inscrição do verdadeiro regime de propriedade, o
governo pode dificultar a exploração de oportunidades por novos empreendedores. Não é por acaso que, tomemos o Brasil como
exemplo, basta viajar em automóveis para perceber que muitas vezes passamos
grandes distâncias sem captar qualquer sinal de radiofrequência, notadamente
por falta de candidatos, enquanto que em grandes centros temos por vezes uma
penúria de ondas comparativamente ao número de ofertadores potenciais.
Se a livre transferabilidade
não é garantia de cobertura universal, ela poderia ao menos dar a oportunidade de
que empresas adquirissem praias de radiofrequência mais extensivas por preços
mais atrativos, e que incentivos em matéria de investimentos em estruturas de
transmissão fossem estimulados. Ao limitar a extensão das instituições da
propriedade e possibilidades de apropriação, ao enquadrar demasiadamente o
funcionamento dos serviços de transmissão e regulamentar ineficientemente os
contratos e suas condições, o governo termina por ajudar a limitar a inovação e
a capacidade adaptativa dos empreendedores, como em qualquer outro segmento.
O quarto problema decorre das situações em que o governo decide
ele próprio multiplicar as estruturas de transmissão em zonas vastas do
território para responder objetivos de universalização. Dado que o governo não produz
a tecnologia a tecnologia, os aparelhos, instrumentos ou máquinas necessárias
para seus projetos, ele deve selecionar por meio de leilões públicos ou
concessões a própria compra de todas as estruturas e antenas utilizadas para
transmitir suas emissões, fazendo entrar em jogo então todo um esquema de
interesses e questões políticas.
Este tipo de problema é igualmente presente no esquema das concessões
por direitos de emitir. É um terreno de estudo bem conhecido dos economistas
institucionais, notadamente, do Public
Choice e da Escola Austríaca: a venda de contratos milionários a grandes
grupos e a limitação da concorrência mediante a criação de "barreiras à
entrada".
No Brasil, por exemplo, a gestão pública termina por favorecer permanentemente
e invariavelmente alguns grupos, quando não termina por promover a apropriação
dos serviços pelos próprios
parlamentares, o que é aliás inconstitucional.
O quinto problema
é referente aos incentivos, ou seja, uma vez que a propriedade é delegada, os
detentores destes direitos não terão motivações para se comportar
"prudentemente" ou compativelmente com as demandas sociais e em acordo com a
disponibilidade de recursos e eficiência do processo produtivo, no sentido de
que vão querer buscar ao máximo rentabilizar seus direitos em um curto período
de tempo previsto para o contrato. Sobretudo, terão menos estímulo para
investir em projetos de mais longo prazo caso os riscos de perda dos direitos e
atrasos para renovação dos contratos sejam muito custosos.
Contudo, o racionamento eleva os preços, inviabiliza a concorrência
efetiva e limita o número de potenciais transmissores. Assim como acontece com qualquer forma de organização em que a
instituição da propriedade é parcamente estabelecida ou mal definida, não é
possível fazer emergir um sistema de preços com conteúdo informativo de
qualidade, o qual permita uma alocação eficiente dos recursos e a maximização
do valor dos serviços relativamente às aspirações sociais.
O governo não dispõe de meios eficientes para valorar as diferentes
praias e bandas de radiofrequência, e nem critérios e ferramentas precisas para
alocar eficientemente os recursos disponíveis. O que se faz por meio de
licitações é simplesmente tentar substituir os sinais de mercado pela
concorrência por bandas de emissão. Tudo o que o governo faz é mera e
grosseiramente aproximativo; não existe um verdadeiro sistema de preços de
mercado, os quais só surgem quando existe efetivamente um mercado para os
direitos de apropriação.
Por mais que os processos licitatórios e concessões possam representar e
introduzir um mínimo de elementos referenciais em matéria econômica no sistema
alocativo governamental -- e, do ponto de vista dos governos, isto não
representa em nenhuma escala o papel que exerce o sistema de preços em mercados
--, licitações não são formas mais "economicamente racionais de se alocar
recursos disponíveis", mas sim uma maneira de privilegiar os maiores
ofertadores, os mais influentes ou quem sabe estes que menos apreço tenham pela
concorrência: é uma forma de rentabilizar o racionamento artificialmente
engendrado.
É uma forma de privilegiar mecanismos burocráticos, superfaturar e
enrijecer direitos delegados. É favorecer a lentidão de estruturas que hoje em
dia já demandam muitas vezes mais de 10 anos para uma renovação de concessão. É
deixar nas mãos de burocratas as condições para funcionamento dos meios de
comunicação.
Experiências na Austrália, Índia,
Grã Bretanha, Nova Zelândia e Guatemala
A maioria dos exemplos de fomento de um mercado para direitos de emitir
ocorreram na telefonia. Antes da inauguração da Ley General de Telecomunicaciones, em 1996, o modelo de alocação
das bandas de radiofrequência a operadores privados na Guatemala era muito
parecido com o que temos ainda hoje na maioria dos países. Embora seja
essencialmente referente aos serviços de telefonia, os mecanismos são
particularmente similares aos apresentados em qualquer zona do "espectro
hertziano".
A nova organização previa que qualquer cidadão poderia a partir de então
requisitar o uso de uma banda de radiofrequência inutilizada, o que vai no
sentido da proposta de apropriação original
e inverte a ordem hierárquica imposta pelo governo "de cima para baixo",
revertendo o poder alocativo ou requisitório de apropriação, saindo das mãos
dos poderes públicos para os indivíduos.
Em seguida, houve a determinação da possibilidade de (re)negociação dos
direitos de emissão em radiofrequências, dentro de um quadro mínimo de
requisições e limitações de ordem técnica. Este segundo aspecto é o que garante
e dá aos operadores ou detentores dos direitos a capacidade de determinar como
o "espectro hertziano" é utilizado, o que inclui programação, tecnologias,
modelos de negócio etc.
Os resultados foram
expressivos. Segundo os resultados apresentados por Hazlett
et al. (2007, p. 448), e do
ponto de vista administrativo, a consequência direta das reformas foi um
aumento vertiginoso do número de licenças requisitadas, como demonstra o
gráfico logo abaixo.
Segundo os resultados, a reforma gerou um
impacto positivo sobre o número disponível e utilizado de bandas de
radiofrequência (aumentando o número de operadores), mas também, maior competição
e com preços mais baixos.
Ou seja, promovendo não somente a concorrência, mas também a universalização do
acesso. Resultados relativamente pertinentes para o que prevê a teoria
econômica, e que vão ainda de acordo com outras pesquisas anteriores.

Quando comparamos os resultados das reformas
na Guatemala com países que também implementaram políticas de abertura à
concorrência e liberalização do setor de telecomunicações, mas que não tenham
ido adiante no que diz respeito ao "spectrum trading", o desempenho
também chama atenção pela maior entrada e potencial de universalização dos
serviços guatemaltecos. Se tomarmos como base os anos posteriores e os
anteriores à implementação das reformas, vemos que na Guatemala ocorreu um
sobressalto relativo notável:

Mesmo sendo mais tímidas, as reformas
implementadas na Nova Zelândia tinham igualmente como objetivo introduzir mais
elementos de mercado para a alocação e gestão das bandas de radiofrequência. Um
esquema de comercialização de direitos de emissão foi implementado e
incorporado aos Direitos de Gestão (Management Rights), distintos das licenças
tradicionais (Licence Rights) e não sendo também definitivos, mas
outorgando a possibilidade de transferência. Os detentores poderiam emitir
licenças eles próprios para uso de terceiros, como, por exemplo, licenciar uma
zona da banda de radiofrequência que não utilizassem ou que quisessem alocar
distintamente.
Neste sentido, por poderem ser agregados ou
subdivididos, os direitos puderam dar fruto a um quase-mercado de
direitos de emitir. Segundo a agência britânica (Ofcom),
no caso da Nova Zelândia, o sistema está funcionando bem, com uma flexibilidade
que não teria ocorrido sob um regime puramente regulatório. Além dos três tradicionais
canais de televisão, surgiu um quarto que alcançava 70% da população.
Milton
Mueller chegou a propor, pouco tempo após a
implementação das reformas, que um dos obstáculos que enfrenta a implementação
de medidas liberalizantes é a própria estrutura corporativa já implementada, de
certa forma acostumada a um certo clientelismo, além da dificuldade de criar
novos mecanismos organizacionais e verdadeiros direitos em um sistema onde os
direitos tiveram sempre natureza concessiva.
Esse tipo de problema poderia ser menos
difícil de ser superado em países em desenvolvimento, e cujas estruturas
institucionais e organizacionais possam ser mais facilmente modificadas. Não
deixa de ser patente que esta tendência parece se generalizar, o que poderia
facilitar ainda mais que sejam estimuladas as proposições de mercado para os
direitos de emitir. Se tomarmos o caso da Grã Bretanha, notamos que cada vez mais a utilização do
"espectro hertziano" se faz por meio de mecanismos de mercado ao invés das
tradicionais formas concessivas e licenças:

Segundo a própria Ofcom, o spectrum trading deverá continuar a ser experimentado em
outras regiões. Além dos Estados Unidos, Nova Zelândia e a Austrália, podemos
notar experiências em países da Europa, e recentemente na Índia. O que se percebe é que ocorreram ganhos nítidos relativamente aos antigos
modos organizacionais. Sempre que uma licença é comercializada, todos ganham de
alguma forma, visto que esta é a própria natureza do comércio. Estes ganhos
poderiam ser difundidos aos outros domínios associados ao setor de
radiocomunicação.
Conclusão
Um sistema de organização das ondas hertzianas privilegiando a
propriedade, a concorrência e os mecanismos de preços não é absurdo ou a priori inviável. Não é nada
extravagante imaginar que fossem implementadas reformas na direção de maior
concorrência e liberdade de mercados.
Dizer que a "privatização das ondas" conduziria forçosamente ao caos é
um tanto caricatural ou infundado, visto que é exatamente fora do regime da
propriedade que constantemente nos deparamos com a desordem. Atrair novos
investimentos, promover a produção de novas estruturas, contribuir para a
melhora e universalização dos serviços e promover a inovação são alguns dos
objetivos da extensão dos mecanismos de mercado para a radiofrequência.
As comunicações não são por natureza um "serviço público", não são "bens
coletivos" e nem deveriam ser deixadas sob tutela demasiadamente intrusiva dos
poderes públicos. E não apenas por motivos associados à organização econômica e
à eficiência dos mercados, mas sobretudo por questões de direitos individuais
-- entre os mais importantes, o direito à liberdade de expressão.
No que mais, como foi possível notar nos casos concretos, quando se adota
um sistema no qual as licenças, a partir de um momento, passam a ser
definitivas e transmissíveis, ou quando se distribui por meio de leilões os direitos
de emissão, ocorre também um problema de justiça. Se a opção é adotar um princípio libertário de justiça, temos
de admitir que o primeiro e único meio legítimo e moral de se adquirir
propriedade é a apropriação original, e as trocas que disso derivam.
O governo, segundo esta perspectiva de referência, nunca foi legítimo
proprietário ou responsável natural da delegação destes direitos. Isto implica,
em qualquer escala, a rejeição de soluções que, uma vez implementadas, terminariam
por beneficiar unicamente os mesmo grupos de produtores que obtiveram licenças
para exploração do "espaço hertziano" vis-à-vis
do governo.
Contudo, se quisermos realmente garantir maior acesso e registro de direitos legítimos, deveríamos nos
concentrar em soluções que privilegiem a noção do direito de propriedade como unidade tecnológica efetivamente
explorável e explorada, ou seja, privilegiando o esforço de novos
empreendedores em comunicações de radiofrequência por meio da apropriação original.
A Guatemala foi um caso onde tal perspectiva foi de certa forma assimilada.
A apropriação deve ser livre inclusive para parte do "espaço hertziano"
que o governo não utiliza efetivamente, a qual poderia estar então disponível
para ser apropriada originalmente, assim como todo o resto inutilizado.
Murray Rothbard entendeu corretamente quando descaracterizou a
assimilação das ondas aos recursos naturais. Sua teoria praxeológica da propriedade permite uma compreensão imediata tanto
do objeto apropriável quanto da natureza demarcatória, e é compatível com uma
organização fundamentada nos mecanismos genuínos de mercado e no princípio da
justiça.