A
verdadeira história se escreve no coração dos povos.
Nem
os mais elevados sociólogos, psicólogos, historiadores e sábios que existiram
ao longo de toda a história da humanidade seriam capazes de descrever a
sociedade cubana atual de uma forma medianamente correta.
Nossa
verdadeira história habita no desconhecido interior de cada um, no coração de
cada indivíduo. É aí, e não em outro
lugar, que estão os originais das escrituras da história cubana; as outras não
passam de meras cópias duvidosas.
Exatamente
por isso, quanto mais totalitária for uma sociedade, quanto mais se imponham
limites à liberdade dos indivíduos, mais difícil será tornar visível sua
verdadeira essência -- a realidade social é distorcida a tal ponto, que até os
próprios indivíduos terminam, inevitavelmente, aceitando-a como se fosse
verdadeira. Este é o caso de Cuba, lugar em que os donos da liberdade
encarregam-se de vender uma realidade viciada, uma história distorcida
magistralmente.
Pretendo
aqui mostrar a outra cara da realidade vivida pelo povo cubano, destacando,
concretamente, nossa atual situação alimentar.
Não
foi por mera questão de gosto que o psicólogo norte-americano Abraham Maslow, na sua
teoria das necessidades -- também conhecida como Pirâmide de Maslow --,
destacou a alimentação como uma das necessidades básicas do indivíduo. É a alimentação quem garante a manutenção das
funções corporais que fazem a vida ser possível.
Essa
necessidade básica é hoje o principal problema na vida da
maioria dos habitantes de meu país. O
cubano de hoje vive as 24 horas do dia pensando no que irá comer. E estou
falando de apenas uma refeição diária, incluindo-se aqui as crianças.
Mensalmente,
o estado garante para cada pessoa, a baixo custo, por meio da caderneta de
racionamento, os seguintes itens: 2,25kg[1] de
arroz, 450g de feijão, 225ml de óleo de cozinha, 1,8kg de açúcar e 675g de
frango.
Quanto
tempo podem durar essas quantidades? Convido-os a fazer as contas.
Suponhamos
que, alimentando-nos uma vez ao dia, estas provisões possam nos manter pelos
primeiros dez dias do mês. E os 20
restantes? É aí que começa a agonia dos cubanos.
Tomemos
como exemplo uma pessoa com média salarial alta.
Suponhamos
que ganhe $300 por mês. Ela teria, então, que comprar os escassos
produtos disponíveis em mercados estatais, a preços como: 450g de arroz a $5, 450g
de feijão a $10, 450ml de óleo de cozinha a $60 (ou 2,40 CUC[2]),
450g de açúcar a $5, e 450g de frango a $75 (ou 3,00 CUC), em média.
Quando
é possível, alguns produtos são encontrados no mercado negro. Nesse caso, os mesmos 450 ml de óleo de
cozinha custam $25, e os 450g de frango também custam $25.
Porém,
o que é o mais comum é que tais produtos estejam disponíveis apenas nos mercados
estatais, os quais se praticam, em média, os preços especificados.
Assim,
para nos alimentarmos minimamente, apenas uma vez ao dia durante os demais 20
dias do mês, teríamos que adquirir: 4,5kg de arroz ($50); 900g de feijão ($20),
450ml de óleo ($60); 3,6kg de açúcar ($40) e $75 de frango.
Isso
significa que, para mal alimentar uma pessoa, uma vez ao dia e durante um mês,
são necessários $245, de um salário mensal de $300, restando $55 para
transporte, vestimenta, medicamentos, taxa sindical, o dia da defesa[3],
os Comitês de Defesa da Revolução (CDR), a água, a luz, o telefone, a federação
de mulheres (no caso de se ser mulher) etc, etc, etc.
E
se tivermos filhos pequenos? Uma insanidade!
Como é possível viver desta forma?

Os
cubanos, no entanto, sempre dão um jeito. Em sua grande maioria, eles precisam delinquir
todos os dias para sua subsistência. Os
pedreiros, os médicos, os farmacêuticos, os açougueiros, os balconistas, os fiscais,
os dirigentes, os militantes do partido, os caminhoneiros, os professores --
absolutamente todos precisam fazê-lo, e não porque o desejem, mas porque não
resta outra opção.
Os
governantes sabem disso, mas se fazem de desentendidos para evitar uma explosão
social. Somente quando a corrupção
periga manchar a "imagem da revolução" é que fazem grandes operações policiais
e julgamentos "em nome do povo", culpando os incriminados como os causadores
das penúrias e necessidades pelas que o próprio povo passa.
Sendo
as coisas desse jeito, as cadeias cubanas encontram-se abarrotadas de seres que
sofrem condenações injustas e forjadas, repletas de jovens, pais e mães, filhos
e filhas, de maioria da grande parcela humilde da população, que recorreram à
delinquência por pura necessidade -- mais do que isso, por uma necessidade
imposta pelo seu próprio governo. Governo
este que, por sua vez, os culpa e castiga pelo simples fato de tentarem garantir
suas subsistências.
Sim,
dentro de cada cubano, no coração de cada indivíduo desse país, habita a fome:
uma gigantesca e irresistível fome de liberdade.
Leia também:
Por que Cuba é pobre?
Um giro por Havana
A medicina cubana - um modelo?
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[1] N. do T:
O texto especifica o peso dos alimentos em libras, inclusive, a medida de
volume do óleo. Para a conversão, simplificamos: 1lb = 450g; para o óleo, 1lb =
450ml.
[2] N. do T:
CUC = Peso conversível. O salário de $300 a que o autor se refere é em CUP ( =
peso cubano). Os trabalhadores cubanos recebem seus soldos em CUP. Atualmente, a
conversão está em 1CUC = 22.22CUP; 1BRL (Real Brasileiro) = 10.00CUP. (fonte)
[3] N. do
T.: Todo trabalhador sindicalizado deve pagar uma taxa ao sindicato pelo
"Día de la defensa": "Seguramente el sindicato tiene eficientemente
cumplida la meta de cobro de la cuota mensual y del aporte al Día de la Defensa a todos los
afiliados" (fonte, acesso em 18/05/2014).