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Após a Copa, a Arena Amazônia será o palco de populosos e rentáveis jogos, como Rio Negro x São Raimundo
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Morando
no Canadá, uma das primeiras perguntas que me fazem quando descobrem que sou
brasileira é: "Você deve estar muito empolgada por estar sediando a Copa do
Mundo, não? Você gosta muito de futebol?"
No
íntimo, sempre quis dar a seguinte resposta: "É claro que estou muito empolgada
e é óbvio que gosto muito de futebol!
Assim como absolutamente todos
os canadenses amam xarope de Maple e comem donuts na arena de hóquei, absolutamente todos os brasileiros amam
futebol. Não é óbvio?"
No
entanto, dado que sempre opto pela resposta educada e verdadeira -- não e não
--, tais encontros sempre acabam em situações embaraçosas, pois meus
interlocutores aparentemente imaginam ser inconcebível encontrar uma brasileira
que, além de não gostar de futebol, definitivamente não está torcendo pelo
Brasil.
Até
onde sei, não importa quem seja o campeão da Copa, os perdedores serão os
brasileiros. E, como sempre ocorreu na
história do país, os mais pobres e os mais vulneráveis serão os mais atingidos.
Para
mim, é difícil entender como um país com um PIB per capita de US$11.340
sediou a mais cara Copa do Mundo da história, estimada em US$11,3
bilhões.
"Ei,
mas a Copa irá trazer um número suficientemente grande de turistas para
estimular a economia e compensar todos estas gastos governamentais! Logo, não há com o que se preocupar!" Acontece que, segundo estimativas do próprio
governo (o mais interessado em inflar os números), as receitas geradas por
turistas serão de aproximadamente US$3 bilhões.
Ou seja, ainda faltarão US$8,3 bilhões para fechar o rombo.
Mas
a encrenca é ainda maior: a Federação do Comércio de São Paulo estima que, em
decorrência de feriados e da dispensa de trabalhadores para acompanhar os jogos
da Seleção, os prejuízos em termos de produção podem
alcançar US$14 bilhões.
Ou
seja, somando-se os prejuízos gerados pelos gastos públicos e os prejuízos com
a produção, podemos chegar a um prejuízo total de US$22,3 bilhões. Trata-se de
uma conta de US$112 por cidadão brasileiro em um país em que 11% da população vive
com menos de US$2 por dia.
Políticos
desviaram dinheiro de impostos para construir estádios que não trarão serventia
para ninguém (exceto para as empreiteiras que os construíram, é claro). Manaus, cidade cujo Índice de Desenvolvimento
Humano coloca em 850ª
entre as cidades brasileiras, possui agora um estádio que custou US$300
milhões (quase R$700 milhões), e que, após a Copa do Mundo, não mais será utilizado
em sua capacidade, tornando-se um genuíno elefante branco. Ótimo uso do dinheiro dos pagadores de
impostos.
Sediar
a Copa do Mundo realmente levou a um grande uso dos recursos públicos. Um país com infraestrutura calamitosa,
hospitais em ruínas, e um sistema educacional precário finalmente recebeu o
estímulo de que precisava. Obrigada pelo estímulo, FIFA!
Ah,
mas a coisa fica ainda melhor. Além de
termos o
iPhone mais caro do mundo, de ofertarmos quartos
de hotel sem janela por US$250 (R$575) por noite, e de fabricarmos carros
que, quando vendidos no Brasil, custam o dobro do preço de
quando vendidos no exterior, o Brasil já é classificado como um dos países
mais caros do mundo. Somente
as ricas Noruega, Suécia e Suíça, bem como a disfuncional Venezuela, conseguem
apresentar custos de vida mais altos. Pelo menos neste ranking estamos no
topo.
E
agora, graças ao aumento na demanda por bens e serviços em decorrência da Copa
do Mundo, a inflação de preços oficial acumulada em 12 meses chegou
a 6,4%. Isso é apenas 0,1 ponto
percentual abaixo do teto da meta estipulada pelo próprio Banco Central. Um país que já oferecia uma moeda com um
baixo poder de compra agora o faz a uma taxa 6,4% pior.
É
o novo panem et circenses. Ou talvez seja panem et morbi. As classes média
e alta, cujos impostos pagos chegam
a 36% do PIB -- sendo que em países similares mal chegam a 21% --, e os
pobres, que são os mais severamente atingidos pela carestia dos alimentos,
devem estar empolgadíssimos. Não sei por
que eu não estou. Talvez eu não seja devidamente
patriota. Ou vai ver é porque eu odeio
futebol.