Após
o colapso da bolsa de valores americana em 2008, e a subsequente contração de
3,4% no PIB em 2009, os investidores imediatamente direcionaram seus fundos
para os mercados emergentes, cujas economias estavam crescendo a uma taxa anual
de 3,1%.
Já
em janeiro de 2014, o índice da bolsa americana caiu em grande parte devido aos
problemas financeiros nos países emergentes.
As economias dessas nações, como Brasil, Rússia, Índia, Turquia,
Tailândia e China, se deterioraram em parte por causa da retirada de dólares
dos investidores estrangeiros.
A
seguir, um gráfico do Institute for International Finance (IIF)[1]
que mostra o fluxo de capitais para as nações emergentes:

Gráfico 1: fluxo de capitais para os países
emergentes. Linha azul: BRICs, Turquia, México e Indonésia; Linha Vermelha:
toda a amostra de países emergentes
Esta
dinâmica confirma os efeitos da política monetária exatamente como descritos
pela Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE). A TACE declara que políticas monetárias
inflacionistas adotadas por um Banco Central irão gerar um crescimento
econômico artificial e insustentável à medida que o dinheiro recém-criado pelo
Banco Central e pelo sistema bancário de reservas fracionárias for adentrando a
economia e estimulando a demanda por bens de consumo e bens de capital. Os preços dos bens de consumo, dos bens de
capital, dos serviços e da mão-de-obra irão aumentar. Haverá também uma distorção nos preços
relativos (os preços em alguns setores aumentarão mais que os preços de outros
setores), de modo que determinados setores (como, por exemplo, o imobiliário)
passarão a ser mais atraentes para investimentos.
Estamos
acostumados a pensar na TACE apenas em termos do que ocorre dentro de uma
nação. No entanto, os problemas das
economias emergentes demonstram que a TACE também é válida além-fronteiras
(como não poderia deixar de ser), especialmente em um mundo que vive sob uma
crescente integração comercial e que utiliza a mesma moeda para o comércio
estrangeiro e para formar reservas internacionais, como o dólar.
Mais
especificamente: as expansões monetárias realizadas pelo Fed -- o Banco Central
dos EUA -- e pelo sistema bancário americano terão consequências sobre todo o
resto do mundo.
Mises
escreveu sobre
os efeitos internacionais que ocorrem quando os bancos criam dinheiro via
concessão de crédito em uma quantidade maior do que aquela que a população
doméstica quer utilizar:
O papel que a moeda desempenha no comércio
internacional não é diferente do que desempenha no comércio interno. A moeda é
um meio de troca tanto no comércio internacional como no mercado interno. Tanto
em um como no outro, as compras e vendas provocam variações meramente
passageiras nos encaixes dos indivíduos e das empresas, a não ser que as
pessoas desejem efetivamente aumentar ou diminuir o tamanho de seus
encaixes.
Um excedente de moeda só aflui para um país
se os seus habitantes desejarem -- mais do que os estrangeiros -- aumentar os
seus encaixes. Uma saída de moeda só ocorre se os seus habitantes desejarem --
mais do que os estrangeiros -- reduzir os seus encaixes. Uma transferência de
moeda de um país para outro, que não seja compensada por uma transferência no
sentido oposto, nunca é o resultado involuntário de transações comerciais
internacionais. É sempre fruto de
mudanças intencionais nos encaixes dos seus respectivos habitantes.
Da mesma maneira que o trigo só é exportado
se os residentes de um país desejam exportar um excedente de trigo, também a
moeda só é exportada se os residentes desejarem exportar uma determinada
quantia que consideram excedentes.
Embora
Mises esteja se referindo ao comércio internacional, o mesmo princípio se
aplica aos investimentos internacionais.
Pensemos
no cenário americano. Da mesma maneira
que os consumidores americanos irão comprar mais bens importados (isto é, irão
exportar dólares) caso o Fed e o sistema bancário criem mais dinheiro do que os
cidadãos querem portar, os investidores também irão "importar" oportunidades de
investimento (exportar dólares para investir externamente) caso o Fed e o sistema
bancário criem dinheiro em um volume maior do que aquele que os investidores
querem manter nos EUA (a chamada "liquidez excessiva"). Como resultado, o Fed exporta parte desse
boom artificial e insustentável, quase sempre para as economias emergentes. Esse é um dos motivos por que as injeções
monetárias do Fed não geraram uma maior inflação de preços nos EUA, como
queriam alguns os economistas.
A
exportação de dólares para serem investidos nas economias emergentes gerou uma
expansão nestas economias. Agora, no
entanto, a ameaça de uma redução nos estímulos do Fed está gerando
turbulências. É claro que, na prática, o
Fed fez muito pouco: apenas retirou US$10 bilhões dos US$ 80 bilhões que injeta
mensalmente no sistema bancário via compra de títulos. O Fed segue declarando que irá manter a taxa
básica de juros próxima a zero por um período de tempo ainda indefinido. Isso significa que o dinheiro fluindo para as
economias emergentes poderá aumento no futuro, como o próprio IIF prevê. No entanto, em algum momento, o Fed terá de
elevar os juros; e, quando isso ocorrer, as economias emergentes pagarão um
preço.
Como
escreveu Mises:
Um dos principais objetivos da
desvalorização da moeda, seja em grande ou pequena escala, é restabelecer o
funcionamento normal do comércio exterior. Essa relação com o comércio exterior
torna impossível a um pequeno país manipular a sua moeda sem levar em conta o
que estão fazendo os países com os quais o seu comércio é mais intenso. Os
países pequenos são forçados a seguir na esteira da política monetária de um país
estrangeiro.
A
situação das economias emergentes reflete um outro aspecto da TACE: a maioria
dos países emergentes exporta commodities como metais, alimentos, carvão e
petróleo. Na terminologia austríaca,
eles produzem "bens de ordem mais alta", que são aqueles bens que estão mais
distantes do consumidor final (mineração e matérias-primas, por exemplo). Já os bens de consumo, justamente por serem os
mais próximos do consumidor final, são "bens de ordem mais baixa". Utilizando outra analogia, commodities são a
nascente de toda uma corrente de produção, e passam por várias transformações
até finalmente se tornarem bens de consumo.
Sendo assim, commodities são muito mais sensíveis a alterações na oferta
monetária, pois produzir commodities é algo que requer processos intensivos em capital. Sua produção é muito mais
volúvel do que a produção de bens de consumo.
Uma
terminologia simplificada da estrutura mundial de produção colocaria os EUA, a
Europa e o Japão como produtores de bens de capital que são intermediários
entre os países emergentes produtores de matéria-prima (bens de ordem mais
alta) e os países que produzem dos bens de consumo (bens de ordem mais baixa),
como a China.
(Essa
categorização obviamente não é tão claramente definida assim, pois a maioria
das nações possui várias etapas de produção.
Não obstante, o contínuo aumento da integração do comércio mundial levou
a um grau de especialização internacional na estrutura do capital. A China tende a ser um produtor de bens de
consumo ao passo que os EUA importam vários bens de consumo e também
matérias-primas para transformá-las em bens de capital intermediários, como
aviões, carros, equipamentos geradores de energia.)
Internacionalmente,
portanto, a TACE funcionaria assim: o Fed e o sistema bancário americano
expandem o crédito -- e, por conseguinte, a oferta monetária -- dentro dos
EUA. Isso estimula a demanda agregada. Mas a quantidade de dinheiro criada pode
acabar se revelando maior do que aquela que os americanos querem manter em suas
contas bancárias. Logo, eles passam a
importar mais bens de consumo da China e a fazer mais investimentos nos países
emergentes. Essa exportação de capital
para os emergentes gera um boom nas fases de ordem mais alta da estrutura de
produção destas economias. Ou seja, em
vez de estimular a economia americana -- como queria o Fed --, essa expansão do
crédito estimulou as economias emergentes.
Obviamente,
os Bancos Centrais da Europa e do Japão também tendem a expandir o crédito (ou,
ao menor, tentam expandir) em sincronia com o Fed, desta forma multiplicando os
efeitos.
Em
algum momento, o Fed irá começar a reduzir a expansão do crédito com o intuito
de coibir uma eventual ameaça de inflação de preços nos EUA. Ato contínuo, os investidores americanos irão
repatriar seu dinheiro. Essa maciça
saída de dólares das economias emergentes irá pressionar a taxa de câmbio
destes países. De acordo com o relatório
de outubro de 2013 do IIF, "... tudo o mais constante, se as expectativas do
mercado para a política de juros do Fed aumentarem de seus atuais 1% --
esperados para o final de 2015 -- para 2%, isso poderá resultar em uma fuga de
capital dos países emergentes de aproximadamente US$43 bilhões..."[2]
A
desvalorização cambial fará com que as dívidas denominadas em dólar tanto dos
governos quanto das empresas dos países emergentes sejam mais difíceis de serem
quitadas. Isso pode levar a várias
falências. Caso as economias emergentes
tentem defender suas taxas de câmbio elevando a taxa básica de juros para
atrair mais investimentos estrangeiros, isso fará com que seus empréstimos
domésticos fiquem mais caros, o que pode exacerbar a recessão.
Portanto,
as economias emergentes têm de lidar com dois problemas ao mesmo tempo: (1) a
fuga de fundos estrangeiros e (2) um colapso na demanda por commodities à
medida que a expansão econômica se transforme em recessão.
Como
se vê, políticas de expansão do crédito desconhecem fronteiras.
[1] "Capital Flows to Emerging Market
Countries," IIF Research Notes, October 7, 2013, Institute of
International Finance, p. 1, www.iff.org.
[2] IIF
Research Notes, p. 6.