Utilizando as próprias leis de curso
forçado contra o estado?
A
implacável guerra contra
o uso de dinheiro em espécie que está sendo travada por governos ao redor
do mundo chegou ao seu ápice na Escandinávia.
O pretenso motivo apresentado por nossos soberanos para suprimir o uso
do dinheiro em espécie é o de manter a sociedade a salvo de terroristas,
sonegadores, lavadores de dinheiro, cartéis de drogas e todos os diversos tipos
de vilões, reais ou imaginários.
Porém,
o real objetivo da recente enxurrada de leis que visam a tornar menos
convenientes as transações em dinheiro vivo -- chegando a limitar ou até mesmo
a proibir o uso do dinheiro em vários casos -- é o de forçar o público geral a
efetuar seus pagamentos por meio do sistema financeiro. Ao ser obrigado a utilizar o sistema
financeiro, o público involuntariamente provê amparo ao instável sistema
bancário de reservas fracionárias. E,
ainda mais importante, tal medida amplia a capacidade dos governos de espionar
as mais particulares atividades financeiras de seus cidadãos e a manter o
registro de todas elas.
Um
engenhoso amigo da Noruega brigou para proteger seu básico direito de poder
utilizar dinheiro em
espécie. Ele invocou
contra o governo a lei de curso forçado criada pelo próprio governo. Eis a sua história em suas próprias palavras:
Aproximadamente um mês atrás, tive uma consulta médica na
repartição municipal de 'serviços de saúde de emergência' (uma instituição
estatal).
Após a consulta, pedi para pagar em dinheiro. Fui informado que o caixa
estava fechado, que eu receberia uma fatura e que eles normalmente não aceitam
dinheiro. Ato contínuo, disse à enfermeira
(?) que estava em serviço de que há uma lei de curso forçado da moeda e que
esta lei obriga pessoas e empresas a aceitarem pagamento em dinheiro vivo.
Algum tempo depois, quando recebi a fatura, liguei para a
seção de contabilidade daquela repartição.
Disse à contadora que gostaria de pagar em dinheiro. Ele
me disse que isso não era possível.
Perguntei se ela estava a par da lei de curso forçado, e citei a
legislação específica. Ela então ficou
totalmente na defensiva. Ela chegou até
a alegar que as questões legais acerca do atual arranjo -- o de não aceitar
dinheiro -- já haviam sido resolvidas pelo governo. Eu disse que apresentaria uma queixa por
escrito.
E foi o que fiz.
Alguns dias depois, telefonei para saber se a queixa havia sido recebida. Ela confirmou que sim. Agora a contadora estava aparentemente mais
interessada em discutir o assunto.
Ontem, recebi a resposta por escrito. Muito gentilmente, os burocratas falaram que
abririam uma exceção e que apenas desta vez eu poderia pagar em dinheiro. Mas eu só poderia pagar em
dinheiro se levasse a quantia exata.
Adicionalmente, fui expressamente informado de que não haveria uma
próxima vez. Hoje, fiz o pagamento em
dinheiro.
Por que eles cederam?
Minha suspeita é que, além de terem entendido que sua justificativa
legal não procedia, eles perceberam estavam lidando com alguém que
aparentemente não iria desistir, e que abrir uma exceção pontual evitaria o
fardo de ter de lidar com alguém que tinha um interesse jurídico formal em
desafiar este sistema anti-dinheiro. As
alternativas seriam alterar seu sistema voluntariamente ou arcar com o desgaste
de uma queixa-crime administrativa -- ou, ainda pior, um processo judicial.
É claro que as coisas seriam muito melhores se não fossemos
forçados a utilizar esse dinheiro fiduciário de curso forçado. No entanto, era de ser esperar que as
instituições governamentais ao menos aceitassem as leis de curso forçado da
moeda criadas pelo próprio governo.
A guerra do governo da Suécia contra o
dinheiro enfrenta resistência -- e há um banco heróico
A
guerra
contra o dinheiro na Suécia pode estar arrefecendo. O movimento anti-dinheiro tem sido
vigorosamente promovido pelos principais bancos comerciais suecos, com o
explícito e entusiasmado apoio do Riksbank, o Banco Central da Suécia. Com efeito, dos quatro principais bancos
suecos, três não mais estão aceitando pagamento em dinheiro -- mais
especificamente, de 780 agências, 530 não aceitam pagamento em dinheiro e nem
descontam cheques em dinheiro.
No
caso do Nordea Bank, 200 de suas 300 agências operam hoje totalmente sem
dinheiro, e três quartos das agências do Swedbank não mais lidam com dinheiro. Como abertamente admitiu Peter Borsos,
porta-voz do Swedbank, seu banco está "atuando ativamente para reduzir a
[quantidade] de dinheiro vivo na sociedade".
Essa
escalada rumo a uma sociedade sem dinheiro vivo não tem, imagina!, de maneira alguma
o objetivo de aditivar os ganhos dos bancos com tarifas de serviço sobre o uso
de cartões ou, ainda mais importante, de aliviar o sistema bancário de reservas
fracionárias dos riscos e das limitações impostas por saques em dinheiro ou possíveis
corridas bancárias.[1] Não, é claro que não. Segundo Borsos, os motivos são a preocupação
com o ambiente e com a segurança dos clientes, além da redução dos custos
gerais. "Nós emitimos 700 toneladas de
dióxido de carbono ao transportamos dinheiro em carros-fortes. Isso custa à sociedade 11
bilhões por ano. E dinheiro vivo
estimula assaltos." Hans Jacobson,
presidente do Nordea Bank, apresenta um argumento similar: "Nossa missão a
fazer as pessoas entenderem que é melhor e mais seguro para elas utilizar cartões
em vez de dinheiro".
Felizmente,
parece que o povo sueco não está caindo nesta propaganda anti-dinheiro
regurgitada por banqueiros e burocratas do Riksbank, e está resistindo à imposição
de uma economia sem dinheiro. Foi
noticiado que, no ano passado, o valor das transações em dinheiro vivo na
Suécia foi de 99 bilhões de coroas, o que representou uma redução apenas
marginal em relação a 10 anos atrás. E
entre um terço e metade das transações comerciais envolvendo pequenas lojas
ocorrem em dinheiro vivo.
Adicionalmente, um estudo
mensurando a satisfação de clientes bancários publicado em outubro de 2012 pelo
Índice de Qualidade sueco indicou que o índice de satisfação caiu entre os
clientes do Swedbank, do Nordea e do SEB em
decorrência de suas políticas de eliminar transações em dinheiro em suas
agências bancárias. Ainda mais animador
é o fato de que o Handelsbanken, o maior banco da Suécia, se comprometeu a
atender os clientes que exigirem dinheiro vivo.
Como disse Kai Jokitulppo, chefe dos serviços privados do Handelsbanken:
Enquanto nossos clientes estiverem demandando dinheiro
vivo, é importante que nós continuemos satisfazendo essa demanda. . . . Há
localidades em que outros bancos estão tomando outras decisões. A consequência é que estamos ganhando
clientes deles, e a resposta destes novos clientes tem sido positiva.
Menos
de 10 das 461 agências do Handelsbanken não estão atualmente lidando com
dinheiro vivo, mas o objetivo do banco é ter dinheiro em todas as suas agências
já no primeiro trimestre de 2013.
A França intensifica sua guerra ao dinheiro
A
agência governamental de auditoria da França, Cour des Comptes, informou
ao governo francês que estava "sonhando" em prognosticar que a economia
francesa cresceria 0,8% em 2013, o que permitiria ao governo alcançar sua meta
de ter um déficit orçamentário de apenas 3% do PIB. No entanto, a agência disse ao
primeiro-ministro francês Jean-Marc Ayrault que uma taxa de crescimento de 0,3%
era o valor mais provável, o qual não será suficiente para satisfazer a meta de
redução do déficit orçamentário.
Isso
ocorreria não obstante -- ou, o que é mais provável, por causa de -- um aumento
generalizado de impostos ter sido implementado pelo novo governo socialista,
aumento esse que objetivava extrair mais €32 bilhões das já sobrecarregadas
empresas e famílias francesas. Sendo
assim, será que um desesperado Ayrault iria finalmente passar a enxergar a
realidade econômica e reduzir o orçamento do burocrático e intumescido governo
francês, um orçamento que é generosamente recheado de subsídios corporativos e
pacotes de socorro para grandes empresas?
De modo algum. Em vez disso,
Ayrault convocou uma reunião do Comitê Nacional Anti-Fraude para tomar medidas
severas contra sonegadores. Ele próprio
presidiu o comitê -- "O primeiro a ser presidido por um chefe de governo",
exultou ele.
A
evasão de impostos na França foi estimada como sendo da ordem de €60 a €80
bilhões anuais. Escondida nesta proposta
de severidade contra os sonegadores e de extração de mais receitas de seus
"residentes fiscais" -- aqueles nativos e estrangeiros que ainda não recorreram
ao exílio parcial para fugir dos impostos franceses -- está uma draconiana cláusula
que pretende reduzir o valor máximo de pagamento que pode ser feito em dinheiro
vivo por transação: de €3.000 para €1.000.
Sob este novo limite, um cidadão francês não poderia nem mais comprar um
carro usado com dinheiro vivo. Tal
cláusula, no entanto, não será aplicada àqueles nativos e estrangeiros ricos
que foram espertos o bastante para já terem colocado sua renda fora do alcance
das garras do voraz estado francês tornando-se residentes fiscais de outros
países. Estes estariam sujeitos a um
limite de €10.000 por transação em dinheiro vivo (o atual limite é de €15.000 por
transação). Esta exceção feita aos que
residem em outros países poderia ser chamada de "exceção Depardieu", em
homenagem ao ator francês Gerard Depardieu, que recentemente causou frisson ao
obter um passaporte russo com o intuito de tirar proveito da alíquota única de
imposto de renda da Rússia, de 13%.
Um
comentarista, utilizando de grande discernimento, resumiu bem o
inextricável elo entre a guerra contra o dinheiro vivo e a guerra às liberdades
pessoais:
Com esta lei, o governo francês poderá novamente apertar o
cerco sobre seus cidadãos, restringindo sua liberdade de escolha (a maneira
como irão efetuar seus pagamentos), abolindo qualquer privacidade nestas
transações, e criando mais um nível de controle governamental. Tão logo as pessoas se acostumem ao novo
limite de €1.000 -- baseando-se no princípio do incrementalismo com que restrições
à liberdade são implementadas nas democracias --, o cerco será apertado
novamente e com ainda mais intensidade, até que o governo finalmente seja capaz
de documentar todas as compras feitas por "residentes fiscais", pois tudo será
feito eletronicamente.
[1] Sacar
dinheiro dos bancos e não depositá-lo novamente é um instrumento poderosíssimo
para abalar um sistema bancário de reservas fracionárias. Ver mais detalhes aqui.