O
consumidor é o chefe-supremo.
~ Helio Beltrão
Os
consumidores são impiedosos.
Eles
não consomem com o intuito de beneficiar um produtor pouco eficiente ou de protegê-lo contra
as consequências de sua incapacidade de gerenciar melhor.
Eles,
os consumidores, querem ser servidos da melhor forma possivel. E o funcionamento do
sistema capitalista força o empresário a obedecer às ordens ditadas pelos
consumidores.
~ Ludwig von Mises
(in) Burocracia, p. 37 (trad.
minha)
O
livre mercado no Brasil não existe e acho que nunca existiu para valer. Leia em
voz alta as afirmativas acima: soam como utopia ou mesmo absurdo no "país de
tolos" nomeado por Millôr. Nossos
consumidores são tão impiedosos quanto a velhinha de Taubaté ou minha tia
Irene.
Misto
de ladrão legalizado e babá, com muito sucesso o estado vem convencendo os
indivíduos de que não há futuro ou recompensa em se contrapor aos produtores de
bens e fornecedores de serviços (seus comparsas e financiadores) senão for por
meio dele, o estado, esse vendedor de indulgências. Leis que protegem o produto nacional, aumentos
de sobretaxas sobre produtos importados, revisão de acordos internacionais de
comércio, confisco de mercadorias trazidas do exterior, código de defesa do
consumidor, tribunal de pequenas causas, tudo isso faz parte deste trabalho de
convencimento, este trabalho de diminuição do indivíduo.
Ninguém
se deu conta ainda: nada há por que comemorar como sendo um aperfeiçoamento da relação
de consumo quando o estado multa um estabelecimento por não ter o exemplar do código
de defesa do consumidor. Onde multar a
companhia aérea por atrasos contribui para melhorar seu atendimento dos
passageiros? Seja na venda de produto
defeituoso, seja prestação de serviço aquém do anunciado e cobrado, a multa não
altera em absolutamente nada a situação do indivíduo, tampouco soluciona seus
problemas. Mas alguém se beneficia da
multa! O dinheiro da multa vai para o
estado. O consumidor, a mansa vaquinha
de presépio, vai ter que providenciar papelada, reunir provas, contratar
advogado, arrumar tempo e paciência, para ir recuperar seu prejuízo -- ou não -- porque de pata de cavalo e cabeça de juiz nunca se sabe o que
esperar. O juiz é mais um agente do estado onipresente.
Que
grande falácia é o estado e que
ingenuidade a do consumidor, que compra a idéia de que a presença de uma cópia
de um código ineficiente lhe garante bom serviço ou um produto de qualidade. A defesa do consumidor não precisa, não pode e
não deve ser administrada pelo estado: a relação de consumo é uma relação
bilateral: consumidor e fornecedor, onde três é demais. E essa intrusão é ainda
mais injustificada porque é justamente o estado que mais espolia o consumidor:
basta que se analise o quanto se embute de impostos de qualquer esfera de
governo na simples compra de qualquer produto ou serviço.
Imposto,
tributo, taxa, confisco e multa são os nomes dados ao puro e simples roubo -- ou, como dizia Rothbard, em resumo, agressão. Mudam os nomes porque
esse agressor tem suporte legislativo e judiciário, que confere "legalidade" às
extorsões que comete.
Mas
e o lado babá? O estado-babá trabalha
para diluir a responsabilidade individual, regula o que se come, bebe e fuma, e
determina quem vai receber o quê, pois sabe o que é melhor para todos -- tal e
qual a mágica Mary Poppins, que "nunca explica nada". O principal objetivo do estado-babá é manter a
sociedade infantilizada, fragilizada, e, principalmente, ignorante do poder do
consumidor, o qual é chamado por Beltrão de chefe-supremo e por Mises é
considerado impiedoso. O estado tem que continuar infantilizando o indivíduo,
porque crianças -- supostamente -- não sabem escolher entre o certo e o errado
e nem devem aprender a fazê-lo -- assim continuarão indefinidamente
dependentes.
Henry
David Thoreau disse que o preço de
qualquer coisa equivale ao quanto de vida alguém "troca" por essa coisa.
O
consumidor decidiu que o preço pago por um bem ou serviço valia a quantidade de
seu dinheiro que ele se mostrou voluntariamente disposto a trocar no ato de
consumo: pagou e levou, pagou e usufruiu e foi, por qualquer motivo, frustrado
em sua expectativa, ludibriado em sua boa fé. Só lhe resta uma ótima defesa e essa não
deveria jamais incluir o estado, nem de raspão. A única defesa efetiva do consumidor é a
manobra de "180 graus" ou "u-turn". O
produto não presta, o serviço está abaixo da crítica? Consumidor, dê meia volta, saia do
estabelecimento e não volte nunca mais! Em
tempos de estado-babá, eu tenho ouvido mais e mais indivíduos desencorajados,
dando de ombros, dizendo que "não adianta nada".
Quanto
mais exigente o consumidor, mais o fornecedor vai se esforçar em atrair,
agradar e mantê-lo. Os estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços
de qualquer porte só existem e continuarão existindo enquanto existirem e
continuarem existindo consumidores de seus produtos e serviços. Nesta relação a dois, a melhora na qualidade
do que é oferecido só vai acontecer por meio da crítica (construtiva ou não) de
quem consome, e o respeito ao consumidor só vai acontecer a partir do momento
em que ele respeitar a si mesmo. Nenhuma
dessas duas coisas acontece da noite para o dia, nem se dá por via de coerção
de leis, códigos, regulamentos ou multas, mas começam -- e terminam -- no
consumidor.
Precisei
de alguns anos vivendo nos Estados Unidos para me acostumar com esses conceitos
e aprender como funciona o processo, dentro de minha ótica mais prática. Dois
exemplos disso:
1) O
lixo também é um produto. Em algumas
cidades, a coleta de lixo é feita pela administração pública, com a cobrança de
uma taxa específica pelo serviço. Em outros lugares, a coleta de lixo é
exercida livremente pela atividade privada, sem qualquer limitação de
território. As companhias de coleta
competem em tudo para conseguir mais clientes: preço, quantidade e tipo de lixo
recolhido e dia da semana em que se dá a coleta. O estado apenas interfere na escala de dia de
coleta, para evitar problemas de circulação. Três serviços básicos de coleta de lixo
compõem o que elas oferecem: reciclável, residual residencial e residual de
jardinagem.
Mudei
de endereço recentemente. Quatro
companhias servem minha nova área. Não preciso de coleta de lixo de jardim, mas
meu lixo reciclável é sempre enorme: bastou escolher a que recolhia mais lixo
reciclável, com melhor preço. Na
primeira coleta, recolheram os recicláveis, mas o caminhão que coleta o lixo
comum "pulou" minha casa -- são dois caminhões diferentes. Liguei para a companhia no dia seguinte e
reclamei. Uma hora mais tarde, um
caminhão passou e recolheu o lixo residencial; duas horas mais tarde, ligou o
atendente que recebeu a reclamação, perguntando se eles já haviam recolhido. Na manhã seguinte, um supervisor me ligou para
perguntar sobre o atendimento ao cliente. Não há nada de especial, nem de diferente
nisso: é uma constante na indústria de serviços quando a competição é grande.
2)
Farmácias também concorrem por cada receita que possam receber. E todas as ofertas valem, sem limitação, sem
interferência da babá. Uma farmácia
oferece antibióticos de graça, exigindo apenas a receita médica. Outras farmácias têm listas de remédios para
condições mais comuns, como pressão alta e diabetes, por quatro dólares por um
mês ou dez para três meses. Os remédios
são os mesmos para todas as farmácias e existem milhares delas. Em um jogo disputadíssimo como esse, quem
leva a melhor?
Para
cada consumidor, levará a melhor a farmácia que lhe oferecer o melhor negócio
pelo quanto ele pode e quer pagar. Minha
filha toma um remédio que custa mais de quinhentos dólares por mês, mas com
seguro-saúde o custo cai para somente quarenta dólares. Um dia, fui buscar o remédio e o atendente me
pediu para esperar antes de entregá-lo, pois a gerente da farmácia queria me
ver. Ela queria me comunicar que havia
conseguido com o fabricante do remédio um cupom, com validade de 18 meses, para
que eu não pagasse absolutamente nada. Fiquei
surpresa e muito agradecida, mas a atitude da gerente não era apenas pessoal. Com esse cupom, ela garante que por 18 meses
eu vou atravessar toda a loja para chegar até o balcão da farmácia propriamente
dita e eventualmente consumir mais produtos ou simplesmente checar o
inventário. Ela aposta que, por uma questão de praticidade, outras receitas que
eu tiver, também levarei para aquela farmácia, como de fato acontece. Ela está
induzindo o meu consumo, isso não é prática maliciosa ou enganosa, chama-se
livre mercado, chama-se capitalismo.
Nesses
dois casos e em qualquer outro, se nada der errado, as chances de o problema ser resolvido na primeira reclamação são
altas. Se não for resolvido na hora,
alguém em um nível hierárquico superior entrará em contato para resolver o
assunto. Se a solução não satisfizer o
consumidor ou o ressarcimento for insuficiente, geralmente a última instância é
um processo, mas o que as companhias
temem mesmo é a opinião pública contra si.
Em
tempos de redes sociais, de sentenças de "morte" com 140 toques, as grandes
empresas têm contratados que
monitoram a web com programas
especiais, os web bots, que detectam
qualquer menção ao nome da companhia: se for um problema, a companhia procura o
consumidor imediatamente.
Não
estou advogando que o estado, aqui nos Estados Unidos, não seja estado agressor
e estado-babá, mas o livre mercado ensinou ao consumidor americano o seu lugar:
ele tem uma noção muito clara de que, sem ele, nada sai do chão, e as empresa
sabem muito bem disso. Na ótica
estatista da cultura brasileira, a relação "bilateral" de consumo, passou a ser
de antagonismo: o consumidor é o "coitadinho", que não conhece seu poder, o
fornecedor é o "vilão", porque visa lucro. Fossem esses dois um casal, o estado seria a
sogra. É hora de se colocar no centro do
palco o personagem principal da economia em uma sociedade de indivíduos livres:
o consumidor, em torno de quem tudo deverá girar. Sem nunca ter tido a experiência de viver o
livre mercado, o brasileiro vai ter que buscar um roteiro escrito por si mesmo,
sem a babá interferindo, para se tornar um consumidor em plenitude.
O
consumidor é o chefe supremo. Pense
nisso, não é uma idéia absurda nem utópica, é fato, é realidade. Respeite-se e exija ser respeitado pelo
fornecedor, não porque existe um código, mas porque é você quem tem o dinheiro
de que ele precisa para sobreviver. Não
está satisfeito? Não recebeu de acordo
com o quanto pagou? Saia e não volte
mais a esse fornecedor. Lembre-se de que
pode encontrar a mesma coisa ou até melhor em algum outro lugar. Um consumidor com a atitude correta pode fazer
toda a diferença e todos os consumidores deveriam tentar. A imensa maioria dos
brasileiros precisa recuperar o respeito próprio e entender que o estado, longe
de ser a solução para os seus problemas, é, por si só, mais um problema, o
maior deles talvez.