Quarenta
anos atrás, 15 de agosto de 1971, em uma manhã de domingo, o presidente dos
Estados Unidos, Richard Nixon, declarou que o dólar não mais era conversível em ouro.
As 20.000 toneladas do metal amarelo que haviam sido depositadas
em Fort Knox
em 1944 vinham decrescendo substancialmente devido aos altos custos militares da
Guerra do Vietnã. Os EUA -- a principal
potência econômica global -- não mais podiam honrar seus compromissos
financeiros.
Não
que antes daquela fatídica data houvesse de fato um padrão-ouro. Longe disso.
A maioria dos países já havia rompido qualquer elo direto entre suas
moedas e o ouro muitos anos antes. Os
cidadãos americanos ainda estavam proibidos, pelo seu próprio governo, até
mesmo de portar ouro privadamente. Não
obstante, um tênue elo entre o dólar e o ouro ainda existia. Sob o novo arranjo monetário criado após a
Segunda Guerra Mundial, o dólar havia se tornado a moeda de reserva
internacional, e os bancos centrais de todo o mundo receberam uma garantia dos
EUA de que poderiam trocar suas reservas em dólares por ouro a um preço
fixo. Porém, naquela data de 1971, os
EUA deram calote nessa promessa e, ato contínuo, removeram o último obstáculo
para a ilimitada produção de dinheiro de papel.
Após o decreto de Nixon, os bancos centrais estrangeiros não mais
poderiam trocar seus dólares acumulados por ouro ao preço oficial de US$ 35 a
onça. Com efeito, eles simplesmente não
mais poderiam exigir que o governo americano redimisse dólares em ouro.
Após
esse evento, conhecido como "o choque de Nixon", o dinheiro em todo o mundo
tornou-se meramente uma moeda de papel sem lastro -- ou, cada vez mais, uma
moeda eletrônica --, que poderia ser criada por produtores privilegiados --
bancos e bancos centrais -- praticamente sem limite. (E hoje, como consequência dessa liberdade
para se inflacionar, o atual preço do ouro já está acima dos US$1.600!)
O
sistema de Bretton Woods foi, assim, oficialmente extinto naquela data, e o
dólar se tornou uma moeda totalmente fiduciária, lastreada não por ouro mas sim
pela simples promessa do governo.
Isso
representou o fim de um regime monetário que, desde a alvorada da civilização,
havia tornado o dinheiro tanto um meio geral de troca como também uma reserva de valor.
O que começou em 1971 foi uma nova era de anormalidade histórica. Uma era de moedas de papel fiduciárias e de
curso forçado, gerenciadas por bancos centrais monopolistas. Uma era em que a capacidade de fornecer
crédito e financiamentos se tornou tão ilimitada quanto a capacidade do banco
central de produzir papel pintado, cujo uso o governo decretou ser obrigatório.
Com
a extinção dos últimos vestígios do ouro -- aquela "relíquia bárbara" do
passado, nas palavras de Keynes --, a irritante limitação (para o governo, é
claro) à criação de dinheiro e crédito do nada foi finalmente abolida. As necessidades humanas, bem como as demandas
políticas mobilizadas por meio de maiorias (e minorais) democráticas, são
infinitas. Logo, por que parar a
gastança? Por que sacrificar os prazeres
imediatos? Um papel-moeda fiduciário e
de curso forçado, destituído de quaisquer propriedades intrínsecas, libera os
governos de seus compromissos com a conversibilidade, garantindo poderes
ilimitados para os soberanos desse sistema estatista.
Com
o fim dos últimos vestígios de um sistema monetário sólido, Keynes tornou-se o
profeta de uma nova era de prazeres e exaltações, tudo sob o novo evangelho da
gastança. O papel-moeda fiduciário e de
curso forçado ajudou a remover o elo entre a produção e o consumo, fazendo crer
que o consumo não apenas independe da produção, como também pode
antecedê-la. Ainda pior: contribuiu para
o delírio de que a escassez de capital -- que é o estado natural da civilização
-- pode ser abolida mediante a simples impressão de dinheiro.
Os
bancos centrais podem hoje imprimir qualquer quantidade de dinheiro que julguem
necessária. O dólar, que funciona (pelo
menos até agora) como moeda de reserva internacional, tem o poder de adquirir
bens reais sem oferecer absolutamente nada em troca.
O Banco Central americano imprime
dólares, estes são enviados ao exterior e, em troca, estrangeiros mandam bens
reais aos americanos. O que eles
ganharam em troca? Pedaços de papel, os
quais eles vão utilizar para comprar títulos do Tesouro americano, ajudando a
financiar o déficit orçamentário do governo.
É
claro que, dentre os usuários de dólares, há muita gente que trabalha duro,
gente integrada à estrutura de produção e que contribui para a sociedade
fornecendo bens e serviços reais. Mas não
podemos ignorar os políticos e os burocratas -- uma classe de pessoas
completamente distinta.
Essa
classe parasítica enfraquece a classe produtiva, além de manipular a produção
por meio do gasto público. No momento, o
Banco Central Europeu está monetizando a dívida dos países da periferia
europeia, o que significa que ele está imprimindo dinheiro unicamente para
comprar os títulos das dívidas destes países.
Ao fazer isso, as pessoas que recebem esse dinheiro ficam na vantajosa
posição de adquirir bens e serviços de outros países (a moeda, o euro, é a
mesma para todos os países). E isso, por
sua vez, reduz a quantidade de bens disponíveis nesses outros países, fazendo
com que os empreendedores desses países tenham menos bens à sua
disposição. Ou seja, o Banco Central
Europeu, por meio de simples criação de dinheiro, está retirando recursos reais
de empreendedores e desviando esses recursos para o financiamento de pródigas e
dissipadoras atividades governamentais, bem como para o bem-estar das pessoas
que vivem nesses países deficitários.
Isso é algo totalmente ultrajante, moralmente injusto e economicamente
ruinoso. Trata-se de apenas mais uma
estrada no caminho para a servidão.
O
papel-moeda fiduciário e de curso forçado tenta fazer o milagre de transformar
pedras em pães -- ou, mais especificamente, de trocar papel por carros,
aparelhos eletrodomésticos e roupas de luxo.
É a maravilhosa sensação de poder gastar e consumir sem a necessidade de
produzir. Por meio do papel-moeda
fiduciário e de curso forçado, os países mais ricos e mais poderosos do mundo
também se tornaram os mais endividados.
Ao
contrário do que ocorreu no século XIX, quando a potência dominante
(Grã-Bretanha) acumulava superávits e as nações emergentes apresentavam
crescente endividamento, agora está ocorrendo o oposto. Tanto o déficit externo americano, bem como
seu irmão gêmeo, o déficit orçamentário do governo, absorvem o grosso da
poupança mundial, ao passo que os países emergentes, mais notavelmente a China,
fazem os empréstimos, financiando a gastança americana. E tudo indica que a China -- o maior credor
do governo americano, detendo mais de 25% de todos os títulos da dívida
americana em mãos de estrangeiros -- não vai se resignar a permanecer passiva
todo esse tempo, vendo o valor dos títulos americanos que ela comprou diminuindo
continuamente.
Os
Estados Unidos -- mesmo quando foram fundados em 1776 por meio de uma revolução
libertária contra o despotismo arbitrário de um estado britânico que queria
impor tributos sem nenhuma consulta -- possuem em seu DNA os genes do alto
gasto público e do ilimitado crescimento governamental. Os Estados Unidos de hoje nada têm a ver com
aquele de Thomas Jefferson. Os
princípios que nortearam sua fundação foram esquecidos há um século, com a
criação do Federal Reserve em 1913, com a explosão dos gastos governamentais e
o consequente aumento nos impostos e no endividamento.
Conclusão
O
mundo pode continuar a jornada que começou a trilhar em 15 de agosto de 1971,
ou pode reconhecer que aquilo foi um erro trágico que trouxe consequências
terríveis.
Defensores
de um leviatã com poderes ilimitados não apenas propõem doses adicionais de
expansão monetária para mitigar a atual crise -- a qual foi causada justamente
por expansões monetárias ilimitadas --, como também estão propondo a criação de
uma moeda única global a ser controlada por um banco central mundial[1]. Segundo esse modelo, os principais bancos
centrais do mundo poderiam implementar medidas unificadas e oligopolistas, tudo
sob o pretexto de estarem coordenando suas políticas monetárias. Isso resultaria em um desastre total e no
triunfo supremo exatamente do sistema que levou à atual crise.
A
alternativa é um retorno a um sistema monetário sólido, uma restauração da
moeda verdadeira -- a qual surgiu espontaneamente no mercado, sem nenhuma
imposição estatal -- e uma rejeição a todo e qualquer tipo de intromissão dos
governos no sistema monetário.
E
a abolição dos bancos centrais.
[1] Essa foi
a proposta de Keynes durante a conferência de Bretton Woods, na qual ele
recomendou a imposição do 'bancor' como a moeda internacional.