Um
homem gloriosamente barbeado, com um bigode bem aparado, está em um bar rústico
sentado a uma mesa jogando baralho e rodeado por cowboys e prostitutas de faces
surpreendentemente puras. Ele retira os
olhos de suas cartas, olha para o homem defronte a ele e percebe que este está
escondendo uma carta extra na manga.
Enfurecido, o do bigode aponta a trapaça, chama o oponente de covarde e
safado, e o desafia para um duelo do lado de fora da taverna.
Segundos
depois, ambos já estão na praça da cidade, um de frente para o outro a uns 20
metros de distância. Há um longo momento
de pausa e silêncio. Repentinamente, o
trapaceiro leva sua mão até o seu coldre em sua cintura, mas não é rápido o
bastante. Veloz como um raio, o bigodudo
saca seu revólver e, com um só disparo certeiro, coloca uma bala entre os olhos
do trapaceiro.
Os
cowboys e as prostituas que assistiam ao espetáculo voltam para o bar e para
seus drinques, totalmente acostumados a ver rotineiramente esse tipo de
violência aleatória. O homem do bigode,
indiferente a tudo, rodopia seu revólver com seu dedo indicador e diz: "Este
foi seu último blefe". E volta para o
bar cheio de moral, e com várias prostitutas ainda mais ávidas por ele.
Cem
anos de filmes de faroeste nos ensinaram que era assim que se vivia e se morria
no Velho Oeste americano. Aquele que
fosse mais rápido no gatilho vivia apenas para duelar novamente no dia
seguinte. Era como se a vida fosse um
contínuo torneio eliminatório de pedra, papel e tesoura, o qual só acabava
quando você morria.
Porém,
a realidade era outra. E muito
diferente.
Quantos
assassinatos você acha que ocorriam, em um ano, nessas típicas cidades do velho
oeste? Pense na mais violenta cidade, a
mais sangrenta, aquela típica cidade onde criadores de gado disputavam à bala a
propriedade de seus terrenos e onde os cowboys marcavam de duelar ao meio-dia
para resolver suas diferenças (não foi isso que o cinema ensinou?). Quantas mortes em um ano? Cem?
Mais?
Que
tal cinco? Este foi o maior número de
homicídios que qualquer cidade do velho oeste já testemunhou durante um dado ano, ao longo de toda a história da colonização. Cinco homicídios em um ano. A maioria das cidades apresentava uma média
de 1,5 homicídio por ano, e nem todos eram homicídios por tiros. Você tem muito mais chances de ser
assassinado em uma cidade como Baltimore hoje do que tinha em Tombstone em 1881, ano do
famoso duelo no Curral
O.K. (contagem de corpos: três) e o ano mais violento de toda a história daquela cidade.
Quanto
aos tradicionais duelos e tiroteios retratados nos filmes, a imperfeição das
armas fabricadas naquela época faria com que qualquer habilidade na rapidez dos
saques fosse irrelevante: era simplesmente improvável que você acertasse um
cara no primeiro, no segundo ou no terceiro disparo, de modo que realmente não
faria muita diferença qual cara sacou sua arma primeiro. O mais perto que a história do Velho Oeste já
chegou de registrar genuínos confrontos ao meio-dia foi na forma de um simples
duelo, no qual um sujeito simplesmente ficava de frente para o outro, a uma
certa distância, cada um apontando e atirando repetidas vezes até o momento em que um deles
tivesse sorte, acertasse o alvo e matasse o outro. Esqueça aquelas cenas do Clint Eastwood
utilizando uma mão para disparar em sequência um revólver ao mesmo tempo em que
utiliza a outra para bater seguidamente no cão, praticamente transformando o
revólver em uma metralhadora. E sem errar um tiro. (Veja a hilária cena). Você teria sorte se conseguisse acertar um
capanga em um duelo dentro de um armário.
Por
que então se criou esse mito do Oeste Selvagem?
Porque
pistoleiros famosos como Billy the Kid queriam que acreditassem nisso. Se você assistir ao filme Jovem Demais Para Morrer,
verá que ele matava alguém a cada dez minutos!
Exceto
que, de acordo com fontes que não são Billy The Kid, sua contagem de corpos
durante toda a sua vida chegou a apenas quatro. Criminosos gostam de exagerar suas
estatísticas homicidas pelo mesmo motivo que homens gostam de exagerar suas
experiências sexuais: isso os deixa bem perante os outros. Cidades como Deadwood gostavam de
exagerar sua natureza violenta e sem lei a fim de atrair colonizadores
aventureiros. Livros foram escritos sobre
eles e, tão logo a câmera foi inventada, filmes foram feitos sobre a cidade; e
ninguém que conhecia a realidade e sabia que era mentira tinha interesse em
corrigir essa ideia errada. Por que
iriam desconstruir um mito que os fazia parecer bravos e valentes? Um século e meio depois, ainda adoramos essa
mentira.
E
acreditamos nela porque atirar no coração de um cara sem nome é infinitamente
mais gratificante do que apresentar uma queixa na polícia ou escrever uma carta
desaforada para os jornais. Nada de
sistema legal de freios e contrapesos, nada de
pensar duas vezes. Apenas você e a arma.
Por que o Velho Oeste era pacífico
Sim,
havia casos isolados de violência, é claro, mas a verdadeira história do Oeste
americano é uma história de cooperação, e não de conflito. A violência do Velho Oeste é um mito.
Meu
colega Terry Anderson e eu estudamos a história do Oeste americano por quase 30
anos. E descobrimos que, sempre que os
rancheiros se encontravam, eles normalmente acordavam maneiras de cooperar
entre si, e não de brigarem entre si.
Comecemos
com as minas de ouro de Sierra Nevada, na Califórnia. Após a descoberta de ouro em Sutter's Mill, milhares
de campos de exploração e mineração foram criados nessa região para que se
pudesse garimpar ouro. Em três anos,
mais de 200.000 pessoas migraram para a Califórnia, a maioria delas querendo
enriquecer rapidamente. Se houver uma
receita para se criar o caos, essa certamente seria uma: pessoas de várias
etnias e origens, praticamente sem nada a perder, todas elas armadas e em busca
de recursos valiosos.
Entretanto,
a realidade é que os campos de exploração rapidamente, e voluntariamente,
criaram e desenvolveram regras para arbitrar contendas envolvendo
reivindicações de direito de posse. O
fato de que cada indivíduo carregava consigo um revólver de seis balas
significava que cada um estava investido de uma quantidade relativamente igual de poder. E isso minimizou a violência.
Viagens,
tanto para os campos de exploração na Califórnia quanto para os novos povoados
que iam se desenvolvendo no estado de Oregon, também eram atividades
notavelmente pacíficas. De 1845 a 1860,
praticamente 300.000 pessoas viajavam por terra em comboios de carroças, para
os mais variados lugares do Oeste.
O
preeminente historiador John Phillip Reed disse que o Velho Oeste era "um conto
em que mais se compartilhava do que se discordava, uma época de adaptação e
prestimosidade, e não de desavença". Um
motivo para isso: "Longe de advogados e tribunais, o conceito de propriedade
concorrente e coexistente se tornou uma força legal e não um fracasso jurídico;
promoveu a paz social e não a desarmonia interna", diz ele. "A Trilha de Overland [uma trilha utilizada pelas diligências como
rota alternativa entre Califórnia e Oregon] não era um lugar de conflitos."
Vários
outros grupos de colonizadores, assentadores e exploradores interagiam
pacificamente entre si, superando problemas como condições meteorológicas
adversas e territórios inexplorados e não mapeados. Várias centenas de caçadores se encontravam
todos os anos em locais pré-escolhidos das Montanhas Rochosos para vender a
pele dos animais que abatiam. Mesmo
com eles portando essas mercadorias que valiam milhares de dólares, a
quantidade de roubos era irrisória. Os
vários torneios e competições que envolviam bebedeiras, brigas e tiros eram
basicamente uma forma de entretenimento, e não consequências de roubos ou pobreza.
Os
rancheiros no norte das Grandes Planícies [vasta
região localizada a leste das Montanhas Rochosas entre EUA e Canadá] enfrentaram
alguns problemas singulares. Eles não
puderam estabelecer ranchos de grande escala porque a Lei da Propriedade
Rural limitou severamente o tamanho das terras que poderia se tornar
propriedade privada. E então esses
rancheiros tiveram de colocar seu gado para pastar em campos abertos e
desapropriados, longe de suas propriedades.
A
"tragédia dos comuns"
é um fenômeno que pode ocorrer quando não há limitações à entrada e à
exploração de um bem comum. Os
rancheiros evitaram esse problema implementando excursões semestrais com o
gado, nas quais eles levavam o gado para pastar nessas outras regiões
desabitadas. Como as viagens eram
longas, passavam por terrenos muito acidentados e por condições meteorológicas
extremas, os rancheiros cooperavam entre si, ajudando-se uns aos outros. Embora eles não pudessem impedir que outras
pessoas também utilizassem esses campos abertos, eles podiam impedir que elas
pusessem seu gado para pastar junto aos seus.
Sem poderem participar, essas pessoas teriam de ir procurar outros
campos, o que fazia com que o pasto não fosse utilizado excessivamente até se
tornar imprestável.
Assim
que inventaram o arame farpado, tornou-se possível cercar e proteger esses
campos abertos. Até então, fazer cercados
era impraticável (exceto para pequenos terrenos), pois não havia árvores
suficientes cujos troncos poderiam ser utilizados para se fazer os cercados
tradicionais de toras de madeira (foto ao lado). Com o advento do arame, as novas cercas
poderiam ser feitas com um número bastante limitado de toras -- e os rancheiros
foram rápidos em adotar essa nova tecnologia.
Agora, eles podiam definir, impor, zelar e fazer cumprir seus direitos
de propriedade.
Os
criadores de gado e os fazendeiros também adotaram um novo sistema de direitos
de propriedade sobre a água, os mesmos que haviam sido adotados e desenvolvidos
nos campos de exploração e mineração.
Esses direitos foram batizados de 'doutrina da apropriação original' -- ou
"o primeiro a chegar, o primeiro a se apropriar".
Basicamente,
se um indivíduo desviasse um curso d'água para a irrigação de sua propriedade,
ele teria o direito perpétuo àquela quantidade de água. Isso significa que os direitos sobre um
recurso valioso, a água, eram claramente definidos e defendidos em qualquer
tribunal de justiça. E isso também
significava que, à medida que outras pessoas fossem se instalando nas
vizinhanças, formando municipalidades, elas poderiam comprar esses direitos
sobre o uso da água caso valorassem a água mais do que os então proprietários
dela -- traduzindo, caso oferecessem um preço de compra que os fazendeiros
locais considerassem satisfatório.
Havia,
é claro, algumas exceções a essa história de relações harmoniosas. Após a Guerra Civil, os EUA possuíam um exército
efetivo que não tinha muito o que fazer.
Assim, os colonizadores se tornaram mais propensos a recorrer à
cavalaria para tomar as terras dos índios do que em incorrer em práticas
comerciais com as tribos nativas, como vinham fazendo até então.
Havia
também trocas de socos em confusões de bar.
Quando um grande grupo de homens sem laços familiares com ninguém da
região ficava desocupado, a violência podia irromper.
Entretanto,
mesmo em uma cidade rancheira como Abilene, Kansas, a taxa de homicídios era
muito mais baixa do que na maioria das atuais cidades americanas. Larry Schweikart, historiador da Universidade
de Dayton, estima que, durante todo o período de 1859 a 1900, houve
provavelmente menos do que uma dúzia de assaltos a bancos em todo o Oeste
durante a colonização. Schweikart
resume: "O histórico é surpreendentemente claro: Há mais assaltos a bancos na
atual Dayton (Ohio) em um ano do que houve em todo o Velho Oeste em uma década,
ou talvez durante todo o período da colonização!"
Uma
interessante conclusão do nosso estudo sobre o Velho Oeste é que o atual Novo
Oeste é muito mais repleto de conflitos do que era o Velho Oeste. Agências governamentais como a United States
Forest Service [departamento que
administra as florestas americanas], o National Park Service
[departamento que administra os parques
americanos] e o Bureau of Land
Management [departamento que controla
o uso das terras públicas] hoje controlam praticamente um terço da terra
nos EUA, a maioria delas na costa oeste.
Os
benefícios do uso dessas terras são alocados por meio de processos políticos e
burocráticos que suprimem qualquer incentivo à cooperação harmoniosa entre as
pessoas. Os atuais conflitos sobre o uso
de recursos excedem em muito qualquer pendenga já vista no Velho Oeste do
século XIX.
Se
alguém quiser ver o verdadeiro "Oeste Selvagem", basta comparecer a qualquer
sessão do Congresso: manifestações políticas e discussões ambientalistas
agressivas sobre como deve ser o uso, quem pode utilizar e de que maneira se pode
utilizar as terras florestais.
Os
processos de tomada de decisão não mais se dão de acordo com as necessidades e
demandas locais, como ocorria no século XIX.
O estado entrou em cena, assumiu o controle e hoje as atuais políticas
premiam a rudeza, a aspereza e linha dura político-ambientalista.
Portanto,
não procure pelo Oeste Selvagem em contos sobre cowboys justiceiros e
vigilantes, tampouco em histórias sobre tiroteios no Curral O.K.. O verdadeiro
Oeste Selvagem existe hoje, exatamente quando o estado está no controle de
tudo.
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Para
relatos detalhados sobre o Velho Oeste, você pode ler esta monografia
ou este livro
online.