quinta-feira, 24 mar 2011
1. Introdução
Conhecemos
Adam Smith como o pai fundador da economia moderna, mas esse título deve ser
devidamente retificado. Isso porque, antes de Smith, um homem chamado Richard
Cantillon já havia publicado em 1755, por meio de sua obra "Sobre a natureza do
comércio em geral", teorias relevantes sobre economia moderna, sendo muito
influente, inclusive, nas concepções essenciais do próprio Adam Smith, as quais
viriam duas décadas mais tarde.
Em
seu estilo de vida, Cantillon não era um pensador ou filósofo, mas, sim, um
homem de negócios, de mercado, de ação e que estava o tempo todo em contato com
a ciência econômica em seu aspecto mais prático. Pouco se sabe de sua vida particular, mas
sabe-se que era banqueiro e aventureiro, tinha talento para os negócios e que
sua riqueza foi edificada sobre sua perspicácia acerca dos fenômenos
inflacionários causados pela coroa francesa.
Já
milionário escreveu o primeiro tratado reconhecidamente sobre economia em princípios
de 1730 e publicado em 1755, denominado "Sobre a natureza do comércio em
geral". Morreu sob circunstâncias misteriosas (mas há hipóteses de que tenha
forjado sua própria morte e fugido com sua fortuna para a América do Sul).
2. Metodologia
A
sistemática de exposição de idéias e seu enfoque emancipado da política e da
ética demarcaram um campo independente de investigação — a economia —, o que
caracterizava Cantillon como um tipo de pensador diferente dos escolásticos
medievais. Centrava sua análise na
ação humana e também abstraindo outras dimensões, como Mises caracterizaria
mais tarde como método Gedanken,
assim podendo analisar as relações de causa e efeito existentes na vida
econômica. Desse modo, pôde desenvolver
sucessivas aproximações e abstrações, explicando questões fundamentais da
teoria econômica, como valor e preço, a atividade empresarial, dinheiro,
auto-regulação do mercado, entre outras questões.
3. Valor e preço
Em
contraste com os clássicos posteriores, Cantillon se preocupou com a formação
dos preços reais de mercado em lugar da formação quimérica a longo prazo. Para ele, os preços funcionavam como uma rede
de sinais que servia para conectar mercados diferentes: homens movidos pelo
auto interesse reagiam aos sinais de preços e entravam em diferentes mercados,
comprando e vendendo de modo a explorar as diferenças observadas entre preços
praticados e valores subjetivos. É
inegável sua contribuição nesse aspecto:
No curto prazo, ele enfatiza a noção de preço de
mercado dando-lhe uma interpretação subjetivista que realça, em sua
determinação, os humores e caprichos dos agentes envolvidos, bem como o desejo
de consumo deles. No longo prazo, os preços estabilizam-se nos valores
intrínsecos. (CANTILLON, 1755, apud FEIJÓ, 2000, p. 103).
Sob
esta ótica, Cantillon mostra que a demanda de bens é o determinante dos preços
e não os seus custos de produção. A
função dos custos, logo, é a de informar o empresário se há benefícios em um
negocio pretendido ou não.
4. A incerteza, o
empresário e a auto-regulação do mercado
Se
Cantillon tem essas premissas em relação a preço e custo, consequentemente vai
nesse sentido acerca da atividade empresarial. Como homem prático, simplesmente sabia que
informação econômica perfeita e mundo estático em equilíbrio (premissas irreais
que futuramente seriam base da teoria econômica neoclássica) não se aplicavam
ao mundo real. O mercado do mundo real,
segundo ele, é permeado de incertezas, e a função do empresário é afrontar o
futuro e a incerteza, produzindo bens e serviços necessários à demanda do
mercado, na expectativa de conseguir um beneficio.
Assim,
a concepção de Cantillon antecipa a de Mises, ao afirmar que a atividade do empresário não é
descoordenadora, mas sim coordenadora, pois sua atuação ajusta a oferta à demanda
de bens e serviços nos diversos mercados.
Cantillon
foi o primeiro a teorizar que todas as partes da economia se encaixam sob um
modelo "natural" auto-regulador e coordenado; e, portanto, toda intervenção
governamental era desnecessária. A
economia de mercado, na sua concepção, consistia em mercados organizados e
interconectados, que afetam uns aos outros, no interior do qual atuam
indivíduos em relação orgânica e de dependência mútua. O mercado ajusta-se pela ação de empresários interessados
na busca do lucro, que operam em mercados de bens e fatores comprando, vendendo
e organizando a produção sob condições de incerteza.
Sua
descrição do processo de ajuste dos mercados via o mecanismo simples do sistema
de preços é majestosa, pois considerava que os preços de mercado afastavam-se
dos valores intrínsecos na medida em que os planos de produtores e de seus
clientes não estão perfeitamente coordenados, o que distanciava temporariamente
os preços de seus custos.
A própria ação dos agentes, à medida que desloca
a oferta e a demanda, leva a uma mudança nos preços relativos, sinalizando
novas estratégias ate que os planos de compradores e vendedores se tornem
compatíveis. (CANTILLON, 1755, apud FEIJÓ, 2000, p. 104)
5. Conclusões
Aqui
foram abordados os aspectos essenciais da obra de Richard Cantillon. Não se pode deixar de ressaltar suas demais
contribuições sobre economia espacial, câmbio de moedas internacionais, a forma
como o novo dinheiro entra na economia e seus efeitos (aqui, mais uma vez
antecipando o pensamento austríaco), e influenciando a escola fisiocrática, os
pensadores Hume e Smith, além de, mais adiante, os marginalistas e os próprios
economistas austríacos.
Por
suas considerações sobre diversos aspectos da economia compatíveis com
elementos essenciais da teoria austríaca (ou ela a elementos da teoria de
Cantillon), devemos considerar Cantillon, em aspecto específico, como um
economista proto austríaco e, em aspecto amplo, como o pai da ciência econômica
moderna, pela sua sistematização de estudo.
___________________________________________
Referências
Bibliográficas
CANTILLON,
R. Ensaio sobre a natureza do comércio em geral.
Curitiba: Segesta,
2002.
FEIJÓ, R. Historia
do pensamento econômico. São Paulo: Atlas, 2001.
ROTHBARD,
M. História del pensamiento econômico. Vol. I. Unión Editorial: Madrid; 1999.
THORNTON,
M. Cantillon and the rise of anti-marcantilism. Procesos de Mercado: Revista
Europea de Economia Política, VI, n 1, Primavera 2009.