quinta-feira, 17 mar 2011
Recorrentemente,
ocorre algo que resume perfeitamente a ideia por trás disso que chamam de
"justiça social". De todas as
formidáveis críticas que seus detratores já escreveram sobre esse ignóbil
conceito, nenhuma é páreo para a elegante simplicidade de um recente trabalho
feito justamente pelos defensores da "justiça social". Refiro-me aqui a um recente vídeo feito para
o Dia Mundial da Justiça Social
[1], no qual alunos e
professores tinham de completar a seguinte frase:
Todo mundo tem o direito a(o) ___________
O
vídeo é uma pitoresca montagem de vários possíveis complementos para essa
frase, tendo uma agradável e convencional música como pano de fundo. Ele mostra alunos e professores completando a
frase acima, mostrando suas respostas escritas em suas mãos, braços e pés. As pessoas no vídeo dão respostas que
abrangem todos os tipos de coisas desejáveis, desde conhecimento, amor,
justiça, compaixão e verdade até educação, saúde, comida, água limpa, nutrição,
sapatos, dançar, rock and roll e até
mesmo pirulitos e sorvete. Veja o vídeo.
Algumas
dessas demandas, se interpretadas muito caridosamente, podem ser interpretadas
como genuínos direitos, porém a maioria é totalmente extravagante, como os
supostos direitos a sorvete e rock and roll.
Ademais, o peso das demandas desse último tipo torna a mensagem do vídeo
bem clara: tudo que é desejável é um
direito. Quer mais comida? É um direito.
Quer melhores serviços de saúde?
Também é um direito. Quer ter
conhecimento e compaixão? São direitos
também. Quer amor, dançar, cuidados
pré-natais e pirulitos? Direitos,
direitos, direitos, direitos.
Embora
sucinto e simples, o vídeo demonstra perfeitamente a vigente postura em relação
a direitos que impregna as atuais discussões políticas, particularmente entre
os defensores da "justiça social". Para
tais pessoas, a noção de "direitos" é um mero termo para merecimentos e
benefícios, indicando que a pessoa pode e deve exigir o acesso gratuito a
qualquer bem que lhe seja desejável, não importa o quão importante ou trivial,
abstrato ou tangível, recente ou antigo ele seja. Trata-se meramente de uma afirmação de desejo,
e uma declaração da intenção de utilizar a linguagem dos direitos para se obter
tal desejo.
Com
efeito, dado que o programa da justiça social inevitavelmente envolve a
exigência do fornecimento de bens pelo governo, tudo pago por meio dos esforços
de terceiros, o termo na verdade se refere à intenção de se utilizar a força
para se realizar os próprios desejos. O
termo não é utilizado para enfatizar que as pessoas devem ganhar merecidamente os bens desejados, por meio da ação e do
pensamento racional, da produção e das trocas voluntárias, mas sim para enfatizar
que se pode confiscar violentamente os bens daqueles que podem ofertá-los.
Trata-se
de uma noção irremediavelmente espúria a respeito do que são direitos. Um direito genuíno é uma prerrogativa moral oriunda da aplicação de uma
filosofia moral à natureza do homem. O
termo é um termo filosófico que indica um princípio moral genuíno, um princípio
que deve ser deduzido objetivamente de um exame da natureza da moralidade e da
natureza do homem. Direitos não são
meras construções subjetivas, como são frequentemente tratados. Ao contrário, direitos são princípios
objetivos validados por uma filosofia moral (em particular, por uma filosofia
política, que é o sub-ramo de uma filosofia moral que lida com a moralidade do
uso da força).
Um
indivíduo possui o direito a algum
bem específico — em oposição a um mero desejo por esse bem — apenas caso ele
possua uma genuína prerrogativa moral que o permita ter tal bem. Tal atitude deve necessariamente ser
acompanhada do fato de que outros indivíduos devem correspondentemente ser
moralmente proibidos de impedir que o proprietário desse bem possua tal
bem. O direito não pode existir em um
vácuo, hermeticamente isolado de outros direitos. Assim, dizer que uma pessoa tem direitos de
propriedade (uma notável omissão do vídeo) não é uma mera afirmação de um
simples desejo por algo útil. Trata-se
de uma afirmação de que é moralmente
certo que um indivíduo controle sua própria propriedade, e moralmente errado que outros interfiram
nesse controle. Direitos referem-se ao
que é realmente direito — isto é, ao
que é moralmente certo.
Direitos
genuínos existem como verdades eternas de uma filosofia moral. Eles são princípios que se mantêm verdadeiros
independentemente de sua época ou lugar, independente do estado das atuais
intervenções. Logo, não pode existir
algo como o direito a sapatos, sorvete ou rock and roll, coisas que já
estiveram totalmente ausentes da invenção humana. Ter uma visão contrária a essa significa
reduzir os direitos a uma simples lista de compras abrangendo as últimas
engenhocas e quinquilharias inventadas.
Como
os críticos da justiça social sempre foram obrigados a apontar ad nauseam, alguém afirmar que tem
direito a algum bem ou serviço tangível, como água limpa, serviços de saúde,
educação, cuidados pré-natais ou sorvete, significa que uma outra pessoa tem a
obrigação de ofertar o bem ou serviço
em questão. Significa afirmar a
prerrogativa moral de obrigar outros a suprir seus desejos, à custa dos esforços
deles. Quando em conjunto com um apelo
ao governo para que este forneça os bens ou serviços (como é toda a intenção),
tal postura significa afirmar a prerrogativa moral de utilizar a força para se
realizar os próprios desejos — obrigar os outros a dar para você o sorvete
deles, a água limpa deles, as habilidades médicas deles e por aí vai. É o mesmo princípio seguido pelo ladrão, pelo
estuprador e por outros malfeitores, os quais encaram seus desejos como uma razão
para se imporem violentamente sobre terceiros.
A
propaganda da "justiça social" funciona bem porque sabe como ocultar desejos
sob a linguagem de direitos, ao mesmo tempo em que se esforça para evitar
qualquer menção desconfortável a como esses desejos devem ser supridos. Assim, vemos no vídeo a afirmação do direito
à "educação gratuita". Não vemos ali a
afirmação, que seria bem mais honesta, do direito a "forçosamente confiscar o
dinheiro dos outros para pagar pela própria e custosa educação". Não, é a
educação "gratuita" que é declarada como sendo um direito. Mas que educação gratuita é essa? Gratuita para quem?
Em
uma sociedade racional, com um adequado entendimento sobre a natureza dos
direitos, a afirmação de que há uma prerrogativa moral a coisas como educação
livre, serviços de saúde ou à oferta de sorvetes, seria vista como o que
realmente é: uma constrangedora reductio
ad absurdum. Manifestações em que
jovens afirmam seus direitos de maneira vacilante, sem qualquer consideração
aparente com a questão sobre de onde viriam seus desejados bens, poderiam ser
consideradas como apenas um divertido exemplo da ingenuidade e dos ideais
tortos da juventude. Porém, na cultura
sentimental e piegas da atualidade, tais manifestações são na verdade feitas
pelos defensores da "justiça social"
como uma expressão de seus próprios ideais.
Alguns
podem discordar dessa minha caracterização dizendo que vários dos direitos
afirmados no vídeo supostamente tinham a intenção de ser irônicos. Ninguém diria seriamente que há um direito a sorvete ou a rock and roll — eles
estão apenas fazendo graça, se divertindo! Ei, relaxe!
Mas
eis aí o problema com essa visão: afirmar que há um direito a sorvete ou a rock
and roll não é uma postura mais ingênua ou tola do que afirmar que há um
direito a serviços de saúde ou a educação "gratuita". Ambos são exemplos de uma demanda por bens ou
serviços que são ofertados pelos esforços de terceiros — e da elevação desse
desejo à condição de direitos. Os
primeiros são uma reductio ad absurdum dos últimos exatamente
porque ambos os tipos de exigências partem da mesma abordagem filosófica do que
são direitos — eles são diferentes apenas no grau, mas não no tipo.
Essa
confusão entre desejo e direito, infelizmente, é predominante nos debates da
atualidade. Trata-se de um erro
perfeitamente compreensível, dado o nível da educação e do debate público da
atualidade. A maioria dos jovens em
idade universitária ainda não foi apresentada a um sério argumento filosófico
sobre a natureza dos direitos. Assim,
todo seu conhecimento a respeito desse conceito advém daquilo que ouvem de
grupos de pressão em busca de boquinhas no sistema político e da demagogia de
políticos. Sua afirmação de que há um
direito a sorvetes é ridícula, porém não menos filosoficamente defensável do
que milhares de outras afirmações de direitos feitas diariamente em jornais e
nas tribunas das legislaturas em todo o mundo.
O
que é notável nesse caso não são os erros conceituais cometidos pelos jovens do
vídeo, muitos dos quais provavelmente nunca chegaram perto de qualquer estudo
sério sobre a natureza dos direitos. O
que é notável é que a óbvia reductio ad absurdum demonstrada no
vídeo é de fato adotada por respeitados grupos defensores da justiça social e
orgulhosamente propagandeada por eles como um apoio à sua filosofia. Torna-se claro, sob essas circunstâncias, que
estamos lidando com movimentos intelectualmente falidos.
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Notas
[1] GlobeMed, "GlobeMed at Rhodes College's Photo
Project for the World Day of Social Justice" (20 de fevereiro de 2011). Um vídeo
similar pode ser visto aqui.