É
possível que o leitor já tenha ouvido algum economista falar da importância da
propriedade privada para o bom funcionamento da economia. Ludwig von Mises, um
dos maiores economistas da História, demonstrou que sem a propriedade é
impossível o cálculo econômico racional.
Os
empreendedores estão atentos à demanda dos consumidores. Eles atuam tentando antecipar os preços
futuros dos bens e, assim, usam os fatores de produção nesse sentido. Aqueles que obtiverem sucesso lucram e
aumentam a eficiência do mercado. Os
outros terão prejuízo e serão eliminados, deixando espaço para empreendedores
mais eficientes.
Como
todas as pessoas possuem meios e fins, esses empreendedores atuam para
ajustá-los. Uma pessoa X tem o meio Mx e
o fim Fx. Outra Y tem o meio My e o fim
Fy. O meio Mx de X faz com que o fim Fy de Y seja alcançado, e vice-versa. Se X e Y souberem da existência um do outro e possuírem
informações sobre seus meios, podem intercambiar. A importância do empreendedor
é que geralmente ele coordena esses meios e fins.
Agora
imagine uma sociedade sem propriedade. Automaticamente,
o empreendedor não tem mais como calcular nada segundo o desejo dos
consumidores, pois é proibido para ele ter legalmente os fatores de produção. O governo é o dono dos fatores; contudo, ele não
possui as características dos empreendedores. "Mas e se o governo também tentar
antecipar os preços?" Como Friedrich von
Hayek demonstrou, o conhecimento é disperso na sociedade, e há uma categoria
dele (do conhecimento) que é não-articulável, ou seja, não pode ser posta em um
tipo de "manual". Então, é impossível
para o governo antecipar os preços.
O
leitor pode imaginar que há características dos mercados que são localizadas. Como o governo pode saber cada detalhe sobre
cada meio e fim de todas as pessoas? E,
mesmo que soubesse, como pode, no tempo necessário, dar todas as ordens? Sem propriedade privada, a economia não tem
como funcionar.
Entretanto,
os bolcheviques, ala do Partido Social-Democrata da Rússia do começo do século
XX, discordavam totalmente disso. Para eles, seguindo o pensamento de Karl
Marx, a propriedade era a origem de toda a exploração humana. Em outubro de
1917, os bolcheviques deram um golpe de estado no Governo Provisório que chegou
via revolução em fevereiro (março do nosso calendário). O governo russo antes disso sempre havia sido
fortemente intervencionista; o patrimonialismo no país era mais forte e
evidente que o de qualquer outra sociedade européia. O monarca não apenas governava, como também
era dono de todos os recursos.
Contudo,
com o passar do tempo, esse poder foi se afrouxando e a monarquia passou a
ceder espaço para o surgimento de um grupo de industriais. Além disso, permitia
relativa liberdade aos camponeses e latifundiários. Com a Revolução de 1905 e a introdução do
constitucionalismo, diversas leis foram aprovadas regulando a vida e a economia
do Império. Mas o movimento socialista,
dividido entre socialistas-revolucionários, mencheviques e bolcheviques, foi
crescendo até que, em 1917, conseguiram cooptar vários militares e fizeram com
que o czar Nicolau II abdicasse do trono.
Na
realidade, diferente do que diz a historiografia marxista, até alguns setores
conservadores pressionaram Nicolau, que renunciou porque temia que sua
permanência no poder fizesse com que a Rússia saísse da Primeira Guerra.
Contudo, tais detalhes sobre esses acontecimentos não nos interessam, e sim
saber que, durante o czarismo, o governo instituído em 1905 e o em 1917 eram
todos intervencionistas, com os dois últimos contando com a participação de
socialistas.
Tal
excesso de intervenção, misturado com o patrimonialismo russo, acarretou a
fragilidade da propriedade privada no país. Muitos pequenos camponeses, em
comunas ou não, não tinham respeito pela propriedade dos mais ricos. Inclusive, quando tiveram oportunidade,
saquearam e roubaram.
Na
realidade, pouco se tinha da noção de propriedade como tinham outros países com
legislação mais avançada, como Alemanha e Inglaterra. Os bolcheviques
incentivaram uma guerra civil, além de enviarem diretamente homens para aterrorizar
o campo. O resultado foi uma terra sem lei, onde roubos não eram apenas
tolerados, mas incentivados.
Com
o tempo, os camponeses mais pobres sentiram a mão violenta do socialismo: o
governo bolchevique, que já era pouco popular, estava enfrentando
descontentamento social nas cidades, onde a fome aumentava a cada dia. Um bom
governo instituiria um sistema legal com proteção para a propriedade, para
aumentar a produção. Porém, obviamente,
os socialistas não fizeram isso. Pelo contrário, estabeleceram que os
camponeses só podiam ficar com uma parte da produção para consumo próprio e com
outra para continuar plantando. Todo o
excesso seria recolhido à força. Assim, a violência no campo não encontrou
descanso.
O
resultado, para economistas que seguem a boa teoria e para o leitor sagaz, foi
previsível: fome generalizada na Rússia. Cinco milhões de pessoas morreram de
fome. Como escreve o historiador Richard Pipes sobre esse episódio:
"(...)
Próspera província agrária, antes da Revolução, Tambov chegava a produzir um
milhão de toneladas de cereal por ano, quase um terço do total de importações.
O comunismo de guerra, conforme frisamos, eliminou o excedente e reduziu
drasticamente as reservas de pão. (...) nos anos imediatamente anteriores à
Primeira Guerra Mundial, os habitantes da província consumiam 293 quilos cereal
per capita, anualmente, dispondo ainda de 121 quilos de forragem animal. Em
1920-1921 o consumo caíra para 69 quilos de cereal, não incluindo o cereal
destinado ao plantio, mas sem desconto de forragem. Depois das entregas
compulsórias, a população retinha somente 25 quilos per capita, cerca de um
oitavo do que precisavam para sobreviver.Por volta de janeiro de 1921, metade
dos habitantes da província passava fome."
(História Concisa da Revolução Russa, Rio de Janeiro, BestBolso, 2008,
p.361).
É
comum que historiadores marxistas escondam isso, mas as políticas socialistas
levaram vários camponeses a se rebelar contra o governo. Entretanto, Lênin ordenou que os rebelados
fossem massacrados. Inclusive, leis e
operações militares terríveis foram acionadas pelo sanguinário líder
bolchevique. O Exército Vermelho
utilizou gás venenoso contra os camponeses. Uma lei dizia que quem abrigasse um "bandido"
seria tratado como um fora-da-lei também, e o homem mais velho da família
deveria ser executado sem julgamento.
Como a economia russa foi destruída
pelas práticas socialistas (o campo foi apenas uma das áreas), o governo
afrouxou suas medidas e, em 1921, os confiscos cessaram. O saldo foi de milhões
de mortes por fome e assassinato.
A
falta de um sistema legal que proteja a propriedade privada implica dois
importantes aspectos: primeiro, a economia é contaminada pela ineficiência e,
como no caso russo, pode causar desastres trágicos, como a morte de pessoas por
falta de comida; segundo, a tirania torna-se política comum do governo, pois
não respeitar a propriedade resulta em violência — ou seja, os regimes
socialistas são sempre violentos.
Apesar
de inúmeros casos históricos como esses, vários "pensadores" ainda continuam a
glorificar as políticas socialistas. Entretanto, o recado está dado ao leitor:
o socialismo tem duas faces: uma é a miséria, a outra é a tirania.