quarta-feira, 19 jan 2011
Introdução
A
regra mais básica de qualquer política econômica é permitir que os preços se
ajustem às condições de mercado. Isso
permite que a Lei de Say
funcione e produz aquilo que Frédéric Bastiat
chamou de 'harmonia econômica'.
Ademais,
mercados desimpedidos minimizam distorções e distúrbios introduzidos por forças
externas. Ainda mais importante, o
sistema de preços, quando funcionando sem empecilhos, minimiza o impacto dos
ciclos econômicos sobre a economia. O
artigo a seguir examina dois episódios econômicos históricos em que políticas
intervencionistas transformaram recessões (a fase corretiva dos ciclos
econômicos) em depressões.[1]
O
primeiro episódio ocorreu na Grande Depressão americana durante as
administrações de Herbert Hoover e Franklin Roosevelt. O segundo episódio é a atual crise econômica
dos EUA, que começou durante o governo de George W. Bush e foi continuada pelo
governo Obama.[2]
As
políticas intervencionistas de Hoover centraram-se no mercado de trabalho com o
objetivo de manter altos os salários e o número de empregos. As políticas intervencionistas de Bush
centraram-se nos mercados de capital com o objetivo de manter os mercados
financeiros funcionando. Embora tanto
Hoover quanto Bush tenham a reputação de serem a favor de um governo limitado,
os fatos mostram que ambos adotaram políticas intervencionistas sem precedentes
para combater crises econômicas. Em
ambos os casos eles fracassaram, ao mesmo tempo em que prepararam o terreno
para aumentos subsequentes no tamanho e no alcance das intervenções
governamentais.
Além
de corrigir esses mal entendidos históricos, será argumentado que foram
justamente as políticas intervencionistas adotadas durante essas crises que
transformaram recessões em depressões. Essas
políticas criaram as condições necessárias para uma depressão principalmente
porque elas tiveram o efeito de solapar o funcionamento de importantes áreas do
sistema de preços.
Essa
é a tese apresentada por Rothbard (1963) sobre como uma contração na economia
se transformou em uma Grande Depressão. Essencialmente, Rothbard utiliza a teoria
austríaca dos ciclos econômicos para construir um ciclo de expansão, contração
e recuperação. Ato contínuo, ele aplica
a teoria austríaca do intervencionismo para explicar por que a economia, além
de não se recuperar, fica imersa em uma depressão contínua. Essa abordagem pode ser aplicada à atual
crise americana para fornecer uma melhor compreensão dos atuais eventos.
Hoover, o Intervencionista
Hoover
alegava ser um defensor do governo limitado e do liberalismo ao estilo
europeu. Suas medidas, porém, antes e
depois do crash da bolsa de valores em 1929, sugerem outra realidade. Antes de se tornar presidente, Hoover passou
vários anos como funcionário do governo defendendo políticas
intervencionistas. Após se tornar
presidente, Hoover tomou abrangentes e inéditas medidas para atacar o crash. Suas políticas intervencionistas foram
suficientes pra transformar uma típica e corriqueira recessão na Grande
Depressão. Suas medidas foram
"limitadas" somente no sentido de que ele não queria que todas as suas
políticas se tornassem características permanentes do governo. Adicionalmente, na época de Hoover, o governo
federal americano ainda não era completamente dotado das instituições e poderes
que ele viria a ter mais tarde, no período pós-New Deal.
Entretanto,
o mito de que Hoover era um conservador que não intervinha em nada — e que,
por isso, permitiu que a crise se transformasse em uma depressão — permanece
mais forte do que nunca. Não edição de
setembro de 2008 do periódico American
Economic Review, o artigo "Grandes Expectativas e o Fim da Grande
Depressão", do economista Gauti Eggertsson, explicitamente associa Hoover a uma
adesão ao padrão-ouro, a orçamentos equilibrados e a um governo limitado. O prêmio Nobel Paul Krugman, o influente
colunista de economia do The New York Times, também concorda com esse mito criado
a respeito de Hoover.
Entretanto,
mesmo os fatos mais básicos já são suficientes para desmentir esse mito. Por exemplo, os gastos federais
aumentaram quase 50% ao longo dos três anos posteriores ao crash (durante um
período de intensa deflação de preços).
Durante esse mesmo período, o orçamento federal saiu de um pequeno
superávit e foi para um déficit de aproximadamente 4% do PIB. Enquanto isso, o Banco Central americano (o
Federal Reserve) reduziu a taxa básica de juros de 6 para 1,5% — até então o
menor nível da história americana.
A
fim de termos uma perspectiva adequada acerca de Hoover, vale lembrar que ele
havia anteriormente servido no Comitê de Planejamento de Guerra durante a
Primeira Guerra Mundial e, mais tarde, concordou em ser o secretário de
comércio do presidente Warren G. Harding com a promessa de que teria "liberdade
de ação sobre toda a política econômica".
É também revelador o fato de que, como resultado de seu incansável e
frenético trabalho em todas as escalas do governo federal, ele foi
subsequentemente apelidado de "Secretário do Comércio e Subsecretário de Todo o
Resto".[3]
Baseando-se
no mandato de Hoover como presidente, Franklin Roosevelt classificou o governo
Hoover como "o mais imprudente e extravagante que já existiu em tempos de paz,
baseando-se no histórico das estatísticas de qualquer período e de qualquer
lugar".[4] O biógrafo de Hoover, Harris Warren (1959,
p.vii), alega que o intervencionismo de Hoover foi tão significante que ele
deveria ser creditado como o verdadeiro arquiteto do New Deal:
Ninguém, ao que me consta, fez
justiça à administração Hoover. ... O resultado é um retrato distorcido daquilo
que alguns historiadores estão chamando de "a era de Roosevelt". Projetado contra os habituais relatos
tendenciosos e sobejamente injustos a respeito da presidência de Hoover, o New
Deal assume um brilho artificial e irreal.
Esquecido é o fato de que tudo o que Hoover fez foi, na realidade, uma
preparação para os próximos passos, os quais acabaram sendo conhecidos
coletivamente como o New Deal.
Até
recentemente, a ciência econômica vinha sofrendo com o mito de que Hoover era
um dogmático proponente do laissez-faire econômico. Felizmente, trabalhos recentes feitos por
economistas da linha convencional finalmente parecem estar fazendo algum
progresso no sentido de derrubar esse mito e confirmar a tese de Rothbard.
Lee
Ohanian (2009)
desenvolveu uma teoria das "falhas do mercado de trabalho" para explicar a
Grande Depressão. Entretanto, o mercado
de trabalho "falhou" por causa de Hoover.
Mais especificamente, a falha foi causada pelo programa industrial de
Hoover e suas famosas reuniões na Casa Branca, nas quais ele advertia os
empregadores a não cortarem salários e a utilizarem esquemas de partilha da
mão-de-obra, estimulando a partilha das mesmas funções entre os funcionários de
uma mesma empresa, quando na verdade o emprego precisava ser reduzido. Ohanian conclui que as políticas de Hoover
causaram a Grande Depressão e que a recessão foi três vezes pior — no mínimo —
do que teria sido caso tais políticas não tivessem sido adotadas.[5]
Vedder
e Gallaway (1993, p. 146) também demonstraram em grandes detalhes a validade da
tese rothbardiana sobre Hoover. Eles
retratam Hoover como o originador do New Deal, o presidente cujas políticas de
salário alto transformaram uma correção em uma depressão.
Na
realidade, Roosevelt simplesmente continuou e expandiu a doutrina dos salários
altos primeiramente articulada por Hoover.
Longe de ser o ousado novo reformista que veio para salvar a nação do
laissez-faire adotado por um presidente reacionário, Roosevelt foi um
presidente que habilmente e carismaticamente expandiu o legado deixado por seu
progressista, embora desinteressante, antecessor. Ele foi auxiliado nessa tarefa pela emergente
respeitabilidade usufruída pela teoria do subconsumo (o consumo insuficiente,
também chamado de keynesianismo) na comunidade intelectual.
O
primeiro ponto acerca da tese de Rothbard é que foi o secretário do Tesouro de
Hoover, Andrew Mellon (um remanescente de administrações republicanas
anteriores), quem defendia o liquidacionismo (permitir que as falências
ocorressem sem intervenções). Mellon
queria permitir que ocorresse o mesmo tipo de liquidação financeira que ocorreu
durante a depressão de
1920-1921, o que permitiu que aquela depressão terminasse rapidamente.
Hoover
compreendeu que as recomendações de Mellon eram as mesmas políticas que haviam
sido seguidas por presidentes anteriores, e ele resolutamente se opôs a tal
abordagem. Hoover havia defendido
políticas do mesmo estilo do New Deal durante a depressão de 1920-1921, mas a
economia se recuperou rapidamente sob a política de laissez-faire
liquidacionista implementada pelo presidente Harding.
Hoover
acreditava que, se ele pudesse estimular a economia com gastos governamentais,
proteger empregos e impedir que os salários caíssem, ele poderia impedir um
grande colapso econômico. Ao longo do
seu mandato, Hoover faria qualquer coisa que fosse politicamente exequível a
fim de alcançar seus propósitos. Surpreendentemente,
mesmo após mais de três anos de excruciantes consequências econômicas
originadas por suas políticas, Hoover sentia-se totalmente justificado em suas
ações.
Os últimos três anos foram de
incomparável calamidade econômica. Foram
anos de sofrimentos e privações em uma escala maior do que todas já vivenciadas
pelo povo americano desde o fim da Guerra Civil...
Dois caminhos estavam
abertos. Poderíamos não ter feito nada. Essa opção nos levaria à ruína. Ao invés disso, enfrentamos a situação com
propostas à iniciativa privada e ao Congresso, apresentando o mais gigantesco
programa de contra-ataque econômico já ocorrido na história da República. Colocamo-lo em ação. (Hoover's Papers, Vol. 2, pp. 247, 249)
A
bolsa de valores começou a derreter no dia 24 de outubro de 1929. Quando a crise veio, Hoover imediatamente
implementou suas "propostas à iniciativa privada e ao Congresso, apresentando o
mais gigantesco programa de contra-ataque econômico já ocorrido na história da
República."
No
dia 19 de novembro ele se encontrou com os presidentes das ferrovias, dos quais
extraiu a promessa de que as suas empresas iriam expandir obras e gastos. Dois dias depois, Hoover também recebeu a
promessa de proeminentes industriais de que estes iriam expandir investimentos,
manter salários e reduzir a semana de trabalho, para evitar demissões. No mesmo dia, líderes sindicais deram seu
apoio às propostas de Hoover, sendo que no dia seguinte os empreiteiros também
concordaram em não reduzir os salários.
No dia 27 de novembro, foi a vez dos representantes de empresas de
utilidade pública concordarem em também expandir suas obras e manter os
salários no mesmo nível.
O
governo federal americano começou a intervir na agricultura por volta do começo
do século XX, e Hoover promoveu tal intervenção quando era membro do governo
Harding. Como presidente, ele concedeu
subsídios e criou e estimulou cartéis de agricultores. Por exemplo, dois dias após o crash da bolsa
de valores, sua agência de estimação, o Conselho Federal de Agricultura,
anunciou US$ 150 milhões em empréstimos a juros baixos para cooperativas de
trigo e US$10 milhões para criar um cartel de cooperativas de cereais. Com o passar do tempo, mais dinheiro foi
sendo despejado nesses programas e mais safras foram incorporadas a essa
política; porém, naturalmente, esses subsídios apenas estimularam mais produção
e, consequentemente, preços mais baixos — e não mais altos, como era a
intenção. No final, os preços agrícolas
despencaram e todos esses programas governamentais deram um prejuízo de milhões
de dólares.
Em
1929, quando assumiu a Casa Branca, Hoover já vinha promovendo políticas ao
estilo do New Deal por mais de uma década.
Sua teoria era: manter tanto os salários quanto os preços no mais alto
valor possível, e estimular a economia com grandes obras públicas (e privadas)
com o intuito de protegê-la da depressão e da deflação. Ele incorretamente imaginava que salários
altos eram a causa da prosperidade, quando na verdade é a prosperidade que gera
salários mais altos. Hoover era como um
médico tratando os sintomas de uma doença, mas conseguindo apenas piorar a
doença. Durante todo esse período,
Hoover sempre pressionou por mais gastos com obras públicas tanto em nível
federal quanto estadual.
Em
1930, Hoover promulgou a Tarifa Smoot-Hawley, que elevou a níveis recordes as
tarifas de importação para mais de 20.000 bens.
Além disso, ele decretou também outras medidas que visavam a atenuar a
taxa de desemprego, como proibir a imigração, aumentar as deportações e até
mesmo fazer propaganda para desestimular as pessoas a entrarem no mercado de
trabalho. Pode-se argumentar que é
injusto incluir a tarifa Smoot-Hawley como parte do New Deal ou como política
progressista, mas ela é incluída aqui porque, assim como outras políticas do
gênero, ela foi criada para "proteger" a mão-de-obra e manter os salários
elevados. Para completar, houve ainda
mais dinheiro alocado para programas de obras públicas com o intuito de
"estimular" a economia em 1930.
Ao
longo do restante de seu mandato como presidente, Hoover atuou vigorosamente
para aumentar os gastos em obras públicas e para manter salários e preços em
níveis altos. Com efeito, os salários
reais, ao final do seu mandato, estavam maiores do que quando ele começou assumiu
a presidência em 1929 (não obstante o fato de que a taxa de desemprego subiu
para níveis recordes; Vedder e Gallaway p. 84).
Ele também atuou para alterar as leis de falência em favor dos
devedores, para criar as agências Reconstruction
Finance Corporation (para conceder empréstimos a bancos, ferrovias, caixas
hipotecárias e outros negócios) e Home
Loan Bank (para conceder financiamentos subsidiados para pequenas empresas
e empreendimentos rurais e agrícolas), e uma variedade de outras medidas progressistas
para estimular os empréstimos feitos pelo governo e para aliviar o
aprofundamento da crise econômica.
Hoover e o Banco Central defendiam políticas inflacionárias, mas somente
na medida em que elas não ameaçassem a viabilidade do padrão-ouro.
Rothbard
(1963) demonstrou que a amplamente difundida noção de que Hoover era um
discípulo do laissez-faire é claramente absurda. Ele mostrou que os esforços de Hoover para
proteger a mão-de-obra e manter os salários artificialmente elevados foram a causa
do desastre econômico, e que, em última instância, suas políticas foram
responsáveis por transformar a recessão de 1929-1930 na Grande Depressão.
Bush, o intervencionista
O
presidente George W. Bush alega ser um defensor do governo limitado, embora seu
modelo seja Ronald Reagan e não o liberalismo europeu. Ele foi presidente durante o estouro de duas
bolhas.
Durante
o primeiro estouro (das empresas pontocom), em 2001, Bush inicialmente recorreu
a medidas keynesianas que não funcionaram.
Porém, cortes de impostos ocorridos em 2003 de fato aceleraram o ritmo
da recuperação. A segunda bolha — agora
a imobiliária — estourou perto do final do seu segundo mandato, e ele tomou
medidas dramáticas e sem precedentes para salvar a economia. Se a teoria austríaca dos ciclos econômicos e
do intervencionismo está correta, então Bush pode ter preparado o terreno para
a Segunda Grande Depressão americana.
Contrariamente
à tradição, foi demonstrado que Hoover já era um intervencionista de longa data
muito antes de ele se tornar presidente.
O que dizer sobre George W. Bush?
Era ele um defensor do laissez-faire que se transformou em keynesiano
tão logo a crise econômica irrompeu?
Quando
George W. Bush concorreu à presidência em 2000, nenhum dos principais
candidatos possuía programas atraentes e, francamente, minha principal
preocupação estava no fato de que nenhum dos candidatos era inteligente e um
deles de fato seria eleito presidente.
Durante
a campanha, recebi um e-mail de um grupo chamado "Economistas por Bush". O e-mail continha uma carta que havia sido
assinada por vários e importantes economistas pró-mercado. O e-mail pedia meu endosso à campanha de Bush
e a suas políticas relacionadas à Previdência Social, ao imposto de renda, à
educação, aos gastos do governo e ao comércio internacional. A plataforma econômica de Bush basicamente
clamava por modificações na maneira como o governo deveria administrar tudo,
com a simples promessa de que a administração seria melhor e mais eficiente.
Estudando
essas promessas políticas, pensei sobre as duas possíveis ideologias de George
Bush: a velha ideologia da família Bush, de inflação e guerra, e a ideologia
adotada por George, de conservadorismo evangélico. No final, decidi que ambas as ideologias
levariam o país a uma economia ruim.
Suas promessas simplesmente não eram boas o bastante. Decidi então aproveitar a oportunidade para
mandar um e-mail em resposta, oferecendo a esses economistas um memorando de
minha própria autoria.
Nessa
minha resposta, rejeitei a ideia de endossar o plano econômico de Bush. Por exemplo, o plano clamava pelo
"fortalecimento" e pelo "salvamento" da Previdência Social. Qualquer análise lógica comprova que a
Previdência tornou-se uma instituição insustentável e perigosa, a qual mesmo
seus críticos vêm preservando ao longo dos últimos 75 anos. Escrevi dizendo que qualquer política
racional deveria ter o objetivo de eliminar a Previdência Social "o mais
humanamente rápido possível".
Já
a parte da carta que falava sobre o orçamento clamava por um congelamento dos
gastos do governo, redirecionando verbas para as forças armadas e quitando a
dívida nacional. Em resposta, observei
que os mecanismos que Bush pretendia utilizar para manter os gastos sob
controle não funcionariam e que "o país já gasta bastante com defesa nacional,
a menos que vocês tenham em mente envolver os EUA em ainda mais conflitos
internacionais, além dos que ocorreram na antiga Iugoslávia, no Iraque, na
Somália etc."
Não
é preciso muito esforço para demonstrar que George W. Bush não foi um
conservador pró-governo limitado durante seu mandato presidencial. Por exemplo, os gastos federais anuais
cresceram mais de US$ 1,1 trilhão durante seu exercício do cargo. Mesmo em porcentagem do PIB, os gastos
federais aumentaram de 18,5% em 2001 para 21% em 2008. Este passou a ser o maior valor desde 1994,
eliminando todo o progresso que havia sido feito durante os anos Clinton. Ao invés de manter os gastos do governo sob
controle, Bush expandiu-os enormemente em todas as áreas.
Bush
também — e isso de maneira famosa — transformou um orçamento federal
maciçamente superavitário em um monstruosamente deficitário. Ajustando-se o déficit/superávit do orçamento
federal pela inflação, e então comparando os números ao PIB, descobre-se que
Bush chegou à presidência com um superávit real de 1,3% do PIB e saiu deixando
um déficit real de 3,2% do PIB.
Durante
toda a minha vida, raramente houve algum superávit no orçamento do governo
federal. Isso mudou no final da década
de 1990, quando a bolha
das empresas de internet possibilitou um grande e inesperado aumento da
arrecadação do governo federal (via impostos sobre ganhos de capital). O governo federal, por conseguinte,
apresentou superávits orçamentários em 1998, 1999 e 2000. O legado econômico de Bush, portanto, é o
retorno aos amplos e crescentes déficits orçamentários da geração de seu
pai. Ao invés de "continuar quitando a
dívida nacional", os americanos agora têm de continuar empurrando déficits
anuais de um trilhão de dólares para serem pagos num futuro próximo.
A
resposta do governo Bush à crise começou com a típica redução de juros feita
pelo Banco Central americano, o Fed. Em
meados de dezembro de 2007, o Fed anunciou a primeira de várias e inéditas
medidas com a criação dos Term Auction
Facility (leilões para injeção de liquidez), cuja função seria a de leiloar
dinheiro para instituições financeiras recebendo em troca uma variedade de
colaterais como garantia, sem que os tomadores desses empréstimos tivessem de
ser identificados. O Fed também
estabeleceu arranjos monetários recíprocos com o Banco Central Europeu e com o
Banco Central suíço.
Em
meados de fevereiro de 2008, o presidente Bush criou o Decreto do Estímulo
Econômico de 2008, o qual fornecia US$150 bilhões em restituição de
impostos. Em meados de março, o Fed
anunciou a Term Securities Lending
Facility (Linha de Empréstimo de Ativos a Termo), o qual poderia emprestar
até US$ 200 bilhões em títulos do Tesouro para instituições financeiras
problemáticas em troca dos ativos podres destas.
O
governo também anunciou o Primary Dealer
Credit Facility (programa de crédito para os dealers primários) e o
Fed arquitetou uma subsidiada aquisição do Bear Stearns pelo JP Morgan. O governo primeiro tentou reforçar
financeiramente as agências para-estatais Fannie Mae e Freddie Mac
em julho, porém essas duas entidades patrocinadas pelo governo tiveram de ser
socorridas e encampadas em setembro.
A
tomada da seguradora AIG seria o passo seguinte, junto com a garantia dada pelo
governo aos fundos mútuos do mercado monetário.
Em outubro, Bush aprovou o Troubled
Asset Relief Program (TARP — Programa de Alívio para Ativos Problemáticos),
um programa que destinou US$ 700 bilhões de socorro ao sistema financeiro, e
também aumentou o seguro federal sobre depósitos bancários para US$
250.000. Finalmente, o Tesouro comprou
US$ 125 bilhões em ações preferenciais de nove grandes bancos americanos.
Este
foi apenas um resumo geral do esforço do governo Bush para combater a crise
durante o último ano de seu mandato. A
maioria dos programas mencionados acima sofreu várias ampliações e expansões,
além de, é claro, ter havido várias outras intervenções, como os pacotes de
socorro para as montadoras americanas e as expansões das linhas de crédito
estrangeiro e das operações de troca cambial (swaps).
A
maior parte das medidas do governo veio do Banco Central americano, o Fed, que
estava sob o comando de uma pessoa nomeada por Bush, Ben Bernanke, e do
Tesouro, que também estava sob o comando de uma pessoa nomeada por Bush, o
ex-presidente do Goldman Sachs Hank Paulson.
Com
tudo isso, seria lógico dizer que o presidente Bush é um intervencionista
estatizante e que sua administração atacou a correção econômica com um
abrangente e em muitos casos inaudito intervencionismo. A única grande diferença entre Bush e Hoover
é que, enquanto Hoover tinha como objetivo principal preservar salários e
empregos, Bush fez da preservação dos mercados financeiros sua maior
prioridade.
Na
parte final deste artigo, falaremos sobre como o intervencionismo transforma uma
crise em depressão.
__________________________________________
Notas
[1] Não há uma
definição oficial para o que seria uma depressão econômica, e o termo depressão
atualmente refere-se a uma recessão severa.
Já foi sugerido que critérios como um declínio de pelo menos 10% no PIB,
uma taxa de desemprego de 10% ou maior, ou uma recessão que dure dois anos ou
mais sejam utilizados para especificar uma recessão.
[2] Embora não
seja oficialmente uma "grande" depressão, a atual crise econômica é reconhecida
como a mais significativa crise econômica americana desde a Grande Depressão.
[3] De acordo com a Herbert
Hoover Presidential Library and Museum (14/10/2009).
[4] Como citado
em Folsom, 2009, p. 40
[5] Ohanian
também faz parte da dupla Cole e Ohanian (2004) que mostrou que as políticas do
New Deal de Roosevelt não apenas não tiraram os EUA da Grande Depressão, como,
pior ainda, foram a causa primária de seu prolongamento. Utilizando um modelo similar de falha do
mercado de trabalho, eles mostraram que as políticas de Roosevelt aumentaram os salários reais
significativamente acima dos níveis que prevaleceriam no livre mercado,
reduzindo assim o emprego e a produção.
É claro que tal argumento já foi feito inúmeras vezes antes — por Couch
e Shughart (1998), por exemplo —, mas essa foi a primeira vez que ele foi apresentado
por economistas da linha convencional em um grande jornal acadêmico.
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