O
gráfico a seguir mostra a evolução do volume total de crédito concedido, tanto
por bancos estatais quanto privados, para o setor privado industrial, o setor
privado comercial, o setor privado de outros serviços, o setor privado rural, o
sistema habitacional e para pessoas físicas, desde agosto de 1994.
Observe
que de 1996 a 2004, o volume concedido cresce parcimoniosamente. A partir de 2004, a concessão de crédito
começa a acelerar, a taxas cada vez mais acentuadas, até estagnar-se novamente
no final de 2008/início de 2009, período em que a economia passou por uma
recessão. A partir de maio de 2009, o
volume de crédito concedido volta a crescer a taxas aceleradas — e é nesse ponto
em que nos encontramos hoje.
Por
exemplo, de maio de 2009 a setembro de 2010, o crédito cresceu 25%. Para se ter uma ideia do que isso representa,
se pegarmos o volume de crédito vigente em janeiro de 1996, será apenas em
novembro de 1998 (quase três anos, portanto) que o crédito terá aumentado esses
mesmos 25%. Ou seja, o que antes
demorava 34 meses, agora está sendo feito em 16.
Essa
acentuada taxa de crescimento na concessão de crédito explica também os
(aparentemente) bons números macroeconômicos que o Brasil vem
apresentando. Ontem mesmo saiu essa
notícia:
A taxa de desemprego nas seis
principais regiões metropolitanas do país ficou em 6,1% em outubro, ante os
6,2% contabilizados em setembro, segundo os dados divulgados nesta quinta-feira
pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O índice é o menor
registrado na série histórica, iniciada em março de 2002.
Em outubro de 2009, a taxa havia
sido de 7,5%.
O IBGE registrou em outubro
1,444 milhão de pessoas desocupadas, com queda de 2,4% no confronto mensal e de
17,6% ante igual período em 2009.
A população ocupada, por seu
turno, foi de 22,345 milhões de trabalhadores, o que indica alta de 0,3% ante
setembro e de 3,9% em relação a outubro do ano passado.
Já a renda média do trabalhador
cresceu 0,3% ante setembro e 6,5% frente ao mesmo intervalo no ano passado,
ficando em R$ 1.515,40.
A taxa de desemprego caiu de
setembro para outubro na esteira da maior oferta de postos de trabalho, gerados
em número suficiente para fazer frente à procura por uma nova colocação.
De um mês para o outro, foram
criadas 63 mil vagas, mais do que o crescimento do número de pessoas
desocupadas (36 mil).
O IBGE mede a situação do
mercado de trabalho nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro,
Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto Alegre. Cerca de 44 mil domicílios são
pesquisados.
Como
sempre dissemos neste site, a expansão do crédito e a rapidez com que ela
ocorre provoca distorções na economia, de modo a fazer com que os resultados
macroeconômicos (taxa de desemprego e crescimento do PIB) de curto prazo sejam
aparentemente positivos. O termo
"distorções" é correto, pois trata-se de um crédito que só está sendo expandido
nesse volume por causa da expansão da base monetária que o Banco Central vem
empreendendo. Ou seja, o crédito não
está aumentando porque está havendo poupança (abstenção de consumo) das
pessoas. Ele está aumentando porque o
Banco Central e o sistema bancário simplesmente estão expandindo rapidamente o
volume de dinheiro na economia, como veremos mais abaixo.
(Para
os mais iniciados: nos EUA, mesmo com toda a expansão monetária que o Fed vem
fazendo, o volume de concessão de crédito continua estagnado, o que explica o
fato de a economia de lá não estar se mexendo.
O crédito está estagnado por vários motivos, sendo o principal o temor
dos bancos em conceder crédito em uma economia dominada pelo alto nível de
incerteza no futuro, pela baixa confiança dos consumidores e empreendedores e
pelo alto nível de endividamento. Veja o gráfico.)
Mas,
voltando ao Brasil, enquanto estiver havendo essa expansão do dinheiro e do
crédito, os números positivos da economia irão durar. A demanda por bens e serviços irá continuar em alta.
Os estoques das empresas serão prontamente
vendidos. Os preços e os lucros
continuarão subindo. Trabalhadores
continuarão encontrando empregos a salários nominais cada vez maiores. O único detalhe chato de tudo isso é que tal
expansão não pode durar.
O
aumento generalizado nos preços força as empresas a obterem mais empréstimos
para que possam finalizar seus projetos já iniciados. Mais recursos passam a ser demandados. Essa busca por mais crédito provoca um
aumento dos juros dos empréstimos.
Entretanto, o Banco Central pode intervir injetando mais dinheiro no
sistema, evitando temporariamente essa subida nos juros. Porém, tal injeção de dinheiro fará com que
haja ainda mais distorções nos preços e na estrutura de produção da economia,
reiniciando o ciclo de mais procura por crédito. Isso vai se repetir até o momento em que o
Banco Central resolver deixar os juros subirem.
Mesmo
que o Banco Central continuasse injetando dinheiro indefinidamente, uma hora os
bancos teriam de aumentar os juros dos seus empréstimos, pois a expansão
monetária estaria provocando um inevitável aumento de preços. Assim, se os bancos não aumentassem os juros
cobrados, eles simplesmente receberiam — no momento da quitação do empréstimo
— um dinheiro com um poder de compra menor do que o que esperavam receber
quando da concessão do empréstimo.
Quanto
mais os preços dos fatores de produção sobem, mais desesperadas por
empréstimos ficam aquelas empresas que deram início a projetos de longo prazo
levadas pela crença de que o crédito seria farto e barato durante muito
tempo. O aumento dos preços — e, por
conseguinte, dos juros — altera seus planos.
Cedo ou tarde, a crise irá se instaurar.
O período da expansão econômica irá terminar e dar-se-á início à
recessão. Quanto mais cedo esta vier,
menor terá sido a destruição de capital desse período da expansão.
Veremos,
mais abaixo, um exemplo desse mecanismo em ação aqui no Brasil na recessão de
2009.
Os últimos oito anos
Tendo
feito essa rápida descrição da presente situação da economia brasileira,
passemos agora a uma rápida análise do que ocorreu na economia em termos
macroeconômicos nesses últimos 8 anos, para então tentarmos entender o que pode
acontecer daqui pra frente.
Como
se sabe, em uma economia em que o dinheiro (a moeda de troca) é um papel-moeda
fiduciário, sem lastro, produzido sem qualquer restrição por uma entidade
monopolista como o Banco Central e expandido livremente por um sistema bancário
que opera com reservas fracionárias e que é protegido por esse banco central, é
impossível fazermos qualquer análise macroeconômica sem levarmos em conta o que
está havendo com a moeda.
Afinal,
o dinheiro, por ser o meio geral de troca, representa o elo entre todas as
atividades econômicas. Ele representa a
metade de toda e qualquer transação econômica, voluntária ou não. Por conseguinte, qualquer movimento na economia
— expansões ou recessões — tem de ter suas origens na alteração da quantidade
desse meio de troca.
Exatamente
por isso, o estudo da oferta monetária e suas variações é, em minha opinião, o
assunto mais importante da ciência econômica.
Mudanças na quantidade de dinheiro afetam toda a economia e por isso
seus mecanismos têm de ser estudados a fundo.
Entendido
isso, a variável chave a ser analisada são os depósitos em
conta-corrente. Estes são
substitutos monetários que podem ser redimidos em dinheiro sob demanda e, por
meio de cheques ou cartão de débito, funcionam como equivalentes ao dinheiro no
mercado. Todas as outras aplicações
financeiras (sejam elas depósitos a prazo, renda fixa, curto prazo, multimercado,
referenciado, ações etc.) são meros papeis que, para serem convertidos em
dinheiro, precisam antes ser vendidos para algum agente obviamente disposto a
comprá-los. E este só irá fazê-lo se
tiver dinheiro disponível em sua conta corrente. Portanto, o volume das contas-correntes é a
principal medida do dinheiro líquido da economia. É sobre o volume das contas-correntes que irão
se basear inclusive todas as formas de crédito do sistema financeiro de uma
economia.
O
principal problema do sistema bancário de reservas fracionárias é sua inerente
disposição à expansão do dinheiro nele depositado. Aquilo que deveria ser tido como algo bom —
um alto nível de depósito feito por pessoas poupadoras —, na realidade acaba
constituindo um perigo em
potencial. Quando os
bancos estão com muito dinheiro depositado e não têm o incentivo adequado para
mantê-lo em seus cofres, eles se tornam "muito solventes" e, com isso,
transformam esses grandes depósitos em empréstimos mais baratos, que acabam
estimulando bolhas e subsequentes recessões.
Daí a "necessidade" de governos e bancos centrais estarem constantemente
fazendo políticas, ora para estimular, ora para reduzir o crédito.
O
gráfico a seguir mostra a expansão dos depósitos em conta-corrente na economia
brasileira para a década de 2000.
A
título de curiosidade, compare com o primeiro gráfico (que mostra o total do
crédito) e veja que, atualmente, temos um volume total de R$ 135 bilhões em
depósitos em conta-corrente "sustentando" um crédito de R$ 1,55 trilhão.
Essa
forte expansão dos depósitos em conta-corrente deu-se em decorrência da
expansão da base monetária feita pelo Banco Central. Embora um sistema bancário de reservas
fracionárias tenha a capacidade de criar moeda sem a existência de um banco
central, tal expansão seria automaticamente contida por puro temor de
insolvência: caso os clientes subitamente passassem a sacar seus depósitos, não
teria como os bancos criarem dinheiro do nada para se safarem dessa
situação. Portanto, é a existência de um
banco central e suas seguidas injeções monetárias no sistema que, em última
instância, propicia a segurança para que o sistema bancário expanda a moeda
despreocupadamente.
Antes
de 2009, o último ano de recessão foi o de 2003. Isso pode ser comprovado tanto pela
estagnação dos depósitos em conta-corrente quanto pela baixa expansão do
crédito naquele ano, como mostram ambos os gráficos. A partir de 2004, ambas as variáveis decolam,
e é aí que começa a "grande transformação" da economia brasileira da qual todos
falam, com queda no desemprego (de 13% para os atuais 6,1%) e redução na
pobreza. (Já o rendimento médio real dos trabalhadores do setor privado com
carteira assinada ficou estagnado nesse período, pelos motivos aqui explicados).
É
fato que durante esse período houve aumento na produção de bens e serviços,
cuja maior abundância realmente gerou uma melhora no padrão de vida de
todos. Não tivesse havido esse aumento
da produção, a expansão da moeda e do crédito teria gerado apenas inflação e
mais pobreza. Sendo assim, é correto
dizer que foi o aumento da produção que permitiu essa grande expansão do
crédito, e não o contrário.
Tal
raciocínio pode parecer estranho para aqueles versados na teoria keynesiana,
que diz que basta expandir a moeda e reduzir os juros, e a demanda será
estimulada, o que magicamente fará com que haja produção. O que eles não entendem é que inflação e
crédito não podem aumentar a quantidade de bens em uma economia, tampouco
aumentar a produtividade. Qualquer aumento
na produção só pode ocorrer em decorrência do uso de melhores máquinas e equipamentos,
e não por causa da criação de dinheiro.
Criar dinheiro e crédito não faz com que bens surjam por encanto. É preciso haver poupança e produção para
criá-los.
Logo,
todo o aumento na produção ocorrido na economia brasileira foi um aumento que teria
ocorrido de qualquer forma, independente da criação desse dinheiro adicional. Mais ainda: foi esse aumento da produção que
possibilitou que tal expansão dos depósitos em conta-corrente e do crédito não
gerasse uma grande inflação de preços.
A
única coisa que a inflação e o crédito fazem é provocar uma alteração na
valoração de bens, serviços e salários e uma consequente realocação de recursos. Se uma economia está passando por um período
de aumento em sua produção, a expansão do crédito não irá resultar diretamente
em uma grande inflação de preços, mas, sim, em uma redução nos juros e na consequente criação de bolhas nos mercados financeiro e imobiliário, além de gerar expansões nos investimentos de longo de prazo. Porem, tão logo a expansão da oferta
monetária e do crédito seja interrompida, haverá um período de reajuste na
economia, exatamente como ocorreu no final de 2008 e início de 2009.
Vejamos.
De
2003 ao início de 2008, o Banco Central elevou a base monetária de R$50 bilhões
para R$140 bilhões. Isso derrubou a
SELIC de 26,5% para 11,25% (as altas ocorridas em 2005 foram suficientes para
garantir àquele ano o de menor crescimento do governo Lula, após 2003).
A
consequente expansão dos depósitos em conta-corrente (segundo gráfico lá em cima) fez com
que os juros dos empréstimos para pessoas jurídicas caíssem de 39% para 23%.
Tal
expansão da oferta monetária e do crédito fez com que o Ibovespa
aumentasse de 10 mil em fevereiro de 2003 para 71 mil em maio de 2008.
Após
esse período eufórico, os juros dos empréstimos para pessoas jurídicas
começaram a subir já no início de 2008.
Não foi o Banco Central quem subiu a SELIC. Os gráficos acima mostram que foram os
próprios bancos que começaram a aumentar os juros cobrados. O Banco Central apenas deixou que isso
acontecesse, reduzindo suas injeções de dinheiro no sistema e, com isso,
deixando a SELIC subir. Veja no gráfico
abaixo que o BACEN praticamente para de injetar dinheiro no sistema.
Consequentemente,
os juros dos empréstimos para pessoas jurídicas subiram de 23% para 32% em
apenas nove meses. Isso estancou a expansão
dos empréstimos e, consequentemente, a criação de contas correntes. O crédito estagnou-se. A demanda por bens de capital se reduziu e a
indústria, que até então vinha em forte expansão, começou a demitir. O desemprego nesse setor aumentou 8%. No geral, a taxa de desemprego aumentou de 7
para 9,5%.
Porem,
vale notar que, até meados de 2009, o Banco Central nada fez para tentar
reativar a economia. A base monetária
não se alterou. Isso permitiu que
houvesse uma deflação nos preços do setor industrial, medida pelos índices
IGP-DI e IGP-M.

O
segredo do sucesso de uma correção econômica — isto é, de uma recessão — é
que os preços dos bens de produção caiam mais rapidamente e em maior grau do
que os preços dos bens de consumo. Se
houver uma deflação do dinheiro e do crédito, o processo será ainda mais
rápido. Em parte, foi isso que
aconteceu. Embora não tenha havido uma
deflação monetária, o governo permitiu que houvesse uma deflação de preços nos
bens de produção. Com isso, os
investimentos errôneos e mal dimensionados feitos no setor industrial foram
liquidados e a mão-de-obra que até então estava empregada nesses setores,
consumindo capital de modo ineficiente, foi liberada e direcionada para
atividades mais produtivas. O setor
industrial brasileiro estava claramente sobredimensionado, pois estava voltado
principalmente para o setor internacional.
A sua demanda vinha muito mais do mercado externo do que do
interno. Por isso a acentuada correção
que ele sofreu. O valor do capital
dessas indústrias diminuiu em decorrência da deflação de preços.
Isso
obrigou essas indústrias a reempregar seu capital de modo mais eficiente,
seguindo novas oportunidades de lucro. Como
o governo não impediu essa correção, aplicando uma política de sustentação de
preços, ele deixou que a recessão seguisse seu rumo normal. Até meados de 2009, que foi quando a coisa
mudou totalmente de rumo.
A guinada expansionista
Em
meados de 2009, houve uma radical mudança tanto na política fiscal quanto na
política monetária do governo.
O
Banco Central voltou a expandir a base monetária. Isso levou a uma retomada no crescimento dos
depósitos em conta-corrente, o que por sua vez acelerou ainda mais a expansão
do crédito.
O
setor da construção civil foi favorecido tanto por incentivos tributários
quanto pelo direcionamento direto de crédito para capital de giro, financiado
pelo BNDES. A Caixa Econômica Federal,
por sua vez, também liberou financiamentos para a venda de eletrodomésticos,
eletrônicos, móveis e materiais de construção das lojas de pequeno e médio
portes. Os bancos estatais abriram o
cofre sem parcimônia.
Porém,
de tudo isso, nada assusta e preocupa tanto quanto a nova postura fiscal do
governo. O gráfico a seguir mostra a dívida mobiliária do governo federal. Mostra o
quanto o governo federal tomou emprestado do sistema bancário nacional ao longo dos anos. Veja o salto que a dívida pública - total de títulos emitidos pelo Tesouro para financiar os gastos do governo - dá a partir de 2009, aumentando nada menos que R$ 600 bilhões em apenas 2 anos.

Acho
que ficou suficientemente claro o problema.
O que explica esse aumento explosivo nos recursos que o governo federal
passou a sugar do sistema bancário? Uma
sigla: BNDES.
Explica-se:
o BNDES, numa política corporativista tipicamente mussoliniana, passou a
conceder empréstimos subsidiados para grandes empresas com boas conexões
políticas. Só que a maneira como o BNDES
levanta os recursos que irá emprestar é bastante, digamos, heterodoxa. O exemplo simplificado a seguir vai ajudar a
entender:
O
Tesouro vende títulos públicos para o sistema bancário e arrecada, digamos, R$
100, com a promessa de pagar aos bancos R$ 10,75 daqui a um ano (juros de 10,75% ao ano, atual valor da SELIC). Ele
transfere esses R$ 100 para o BNDES, que irá emprestá-los para suas empresas
favoritas cobrando módicos 6% ao ano (valor da TJLP). No final do ano, o BNDES repassará uma parte
ao Tesouro como dividendo (por exemplo, R$ 6).
No
final, esses R$ 6 entram no cômputo do governo como uma receita primária, ao mesmo tempo em que os R$ 10,75, por
serem pagamento de juros, não entram na conta do superávit primário! Percebeu a safadeza? No cômputo final, houve uma piora fiscal de
R$ 4,75, porém, no balanço divulgado pelo governo, houve uma melhora de R$ 6 no
saldo primário!
O
senhor Mantega descobriu o moto-perpétuo: quanto mais ele se endivida, melhor fica
a sua situação fiscal! É por isso que a
dívida líquida aparece estável, mas a dívida bruta já está perto dos 70%, o que
coloca o Brasil como o terceiro país com a maior dívida bruta entre os emergentes,
atrás apenas da Índia e da Hungria.
Mas
o fato é que essas operações do Tesouro elevaram enormemente o volume de
dinheiro de empréstimos que o governo federal está sugando do sistema bancário. É como se o déficit orçamentário do governo
tivesse aumentado brutalmente.
Segundo
Alexandre Schwartsman: "O esforço fiscal do governo federal vem caindo
consistentemente. [...] Estimamos que o superávit federal tenha se reduzido de
uma média equivalente a 2% do PIB entre 2002 e 2008 para pouco menos de 0,5% do
PIB nos últimos dois anos."
E
qual a consequência? Em tese, esse
aumento da demanda do governo por mais empréstimos do setor bancário reduz a
quantidade de dinheiro disponível para empréstimos para o setor privado. Adicionalmente, isso também faz com que a
quantidade de dinheiro disponível para o mercado interbancário (aquele em que
os bancos emprestam uns para os outros com o intuito de manter suas reservas em
níveis estipulados pelo BACEN) fique reduzida, pois agora há dinheiro
sendo demandado de todos os lados.
Nesse
cenário, caso o BACEN nada fizesse, a tendência seria que a taxa de juros desse
mercado interbancário subisse muito. E a
taxa de juros do mercado interbancário, como se sabe, nada mais é do que a
SELIC.
Mas
como o BACEN trabalha com uma meta para a SELIC, ele não pode deixar que ela
suba. Consequentemente, ele tem de
injetar dinheiro no mercado interbancário justamente para evitar que ela
aumente muito.
Há
alguns meses, ele injetava uma quantia suficiente para evitar que ela subisse
muito (o que permitiu que a SELIC fosse de 9,5 para 10,75%). Hoje ele tem de injetar mais ainda, apenas
para mantê-la nesse nível.
E
assim chegamos a esse fenômeno atual: o governo, incorrendo em grandes
déficits, está sugando cada vez mais dinheiro do setor bancário, o que pressiona
a SELIC. Consequentemente, o Banco
Central tem de injetar dinheiro continuamente apenas para impedir que a SELIC
suba. Se ele não fizesse nada, a SELIC
já teria subido há muito tempo.
Tal
arranjo fez com que a base monetária, o volume de depósitos em conta-corrente e
o volume de crédito crescessem em níveis inéditos desde o início do Plano
Real (volte aos respectivos gráficos acima). Isso estimulou a formação de
bolhas. O Ibovespa, que havia caído para
35.960 em novembro de 2008, já voltou para perto dos 70 mil pontos. Já a bolha imobiliária está
cada vez mais avançada, adquirindo alguns contornos assombrosamente americanos.
Por
fim, para arrematar tudo, veja esse gráfico que mostra a evolução dos juros
para os empréstimos para pessoas físicas (linha vermelha) e para pessoas
jurídicas (linha azul).
Antes,
os juros para pessoa física eram bem maiores que os para pessoa jurídica, o que
significa que havia mais recursos para a produção do que para o consumo — ou
seja, havia uma espécie de "poupança forçada"; os juros altos "forçavam" as
pessoas a não consumir (ou seja, a poupar).
Não
é desarrazoado dizer que tal diferença permitiu que houvesse o aumento da
produção observado nesses últimos anos.
Entretanto, agora, a diferença entre ambas as taxas está no menor nível
da história. Isso significa que está
havendo um incentivo a se consumir de imediato tudo o que for produzido, não
deixando que haja poupança de recursos.
Os produtores terão agora de brigar com consumidores por recursos
escassos, o que poderá gerar um efeito óbvio sobre a inflação de preços — a qual, aliás, está vindo acima das expectativas, mês após mês.
Tal
cenário de aumento da demanda e de incompatibilidade entre as taxas de juros, em
conjunto com o aumento desbragado da oferta monetária e do crédito, e com a inflação de preços insistindo em ficar fora da meta, não é dos mais
auspiciosos.
Esse
é também o cenário que Alexandre Antônio Tombini, futuro presidente do Banco
Central, irá encontrar.