quinta-feira, 25 nov 2010
Contrariamente
à crença popular, o governo não obstrui o surgimento do crime
organizado; ele fomenta.
Pare
por um momento e pense naqueles setores da economia tipicamente ocupados pelo
crime organizado: prostituição, jogos, agiotagem, narcóticos e
sindicatos. O que todos esses setores têm em comum? Simples.
Ou eles são fortemente regulados pelo estado, ou são pura e simplesmente
proibidos por ele. Em contraste, nos setores que estão relativamente livres
da interferência governamental, o crime organizado não se estabelece.
A
experiência clássica que comprova a validade dessa explicação é a Lei Seca que
vigorou nos EUA no período 1919-1933. Durante essa época, a produção, o
transporte e a venda de bebidas alcoólicas eram ilegais. O que
aconteceu? Gangsteres como Al Capone entraram em cena e passaram a
controlar o comércio ilegal, aniquilando seus concorrentes nas inevitáveis e
infindáveis disputas territoriais. Entretanto, assim que a Lei Seca foi
revogada (em uma das poucas coisas decentes que Franklin Roosevelt fez em toda
a sua presidência), o crime organizado abandonou a indústria do álcool e se
voltou para os outros setores que continuavam proibidos.
O
crime organizado se beneficiou com a Lei Seca porque a polícia efetivamente
perseguia e afugentava os legítimos empresários da indústria de bebidas
alcoólicas. Aqui cabe um rápido exercício teórico: Se o estado
literalmente declarasse que Al Capone tinha o monopólio da distribuição de
bebidas em Chicago, e mandasse qualquer concorrente pra cadeia, então o preço
das bebidas em Chicago iria disparar, e Capone obteria lucros exorbitantes em
decorrência disso. Isso é algo óbvio. De maneira similar, quando o
estado ameaça colocar na cadeia todos os distribuidores de
bebidas — mas faz vista grossa para Capone, que paga suas propinas em dia —,
isso é economicamente similar a um monopólio garantido pelo estado.
Estou
utilizando Capone apenas para fazer um argumento ilustrativo. Não fiz
nenhuma pesquisa específica sobre ele, mas é certo que hoje em dia as grandes
organizações criminosas pagam regularmente sua propina à polícia — cujo termo
técnico é "taxa de proteção". Se o leitor duvida disso, então é
porque ele de fato não entende o essencial do comércio de drogas. Para
uma introdução básica, assista a Serpico, um ótimo
filme com Al Pacino baseado na história verídica de um policial do departamento
de narcóticos da polícia de Nova York que se recusava a aceitar dinheiro
sujo. (Pensando bem, você pode assistir a praticamente qualquer filme de
Al Pacino para aprender que os grandes barões do tráfico rotineiramente
subornam a polícia).
Os custos e benefícios marginais da
violência nos mercados proibidos
Empiricamente,
já deveria estar mais do que óbvio que a violência anda de mãos dadas com os
mercados que sofrem de ampla proibição estatal. Novamente, o experimento
clássico é a Lei Seca. Seria inconcebível imaginar os executivos da
Budweiser ordenando um massacre — naquele estilo em que carros passam
metralhando a fachada de um estabelecimento — dos seus rivais da
Heineken. Entretanto, quando o estado erradicou grande parte dos
produtores dessa indústria, os massacres se tornaram comuns. Essa
constatação ajuda a entender algo maior: as disputas territoriais de gangues
rivais que ocorrem atualmente nas grandes cidades são decorrência da proibição
das drogas. Essas disputas não ocorrem, como pensam alguns, porque o
comércio de cocaína seja algo intrinsecamente "louco" ou
"insensato".
Mas
ainda que a maioria dos libertários reconheça a associação entre violência e
proibição estatal, suas causas raramente são explicadas. Bem
resumidamente, a explicação é simples: a proibição estatal a qualquer tipo de
comércio eleva os benefícios marginais e diminui os custos marginais
de se utilizar de violência contra os concorrentes do setor econômico em
questão.
Comecemos
com os custos, que são mais fáceis de entender. Nesse exato momento, se
você se tornar um distribuidor de cocaína, você estará infringindo leis que
podem mandar-lhe para a cadeia por um bom período de tempo. Entretanto,
se você for poderoso o suficiente, você pode dar sacos e mais sacos de dinheiro
para a polícia local. Dessa forma, na margem, o custo de você
matar um traficante rival é bem menor do que seria se você gerisse um
restaurante tailandês e matasse seu concorrente japonês.
Por
quê?
Quando
você é um dono de restaurante qualquer, o pior que o governo pode fazer com
você é auditar sua declaração de renda. Porém, se você for um traficante
de cocaína e descuidar da propina, isso pode lhe custar a simpatia dos
policiais. Resultado: você pode ir em cana. Assim sendo,
se você é um traficante e tiver condições de pagar religiosamente a propina da
polícia, matar alguém deixa de ser uma medida temerária. Por outro lado,
se você for um dono de restaurante, ordenar a morte do sujeito que está abrindo
uma casa de sushi na sua rua seria algo insano. O traficante tem tiras
corruptos na sua folha de pagamento, os quais presumivelmente estariam
dispostos a fazer vista grossa a um homicídio caso recebessem uma grana
extra. Além disso, é bem provável que o traficante também tenha conexões
ainda mais importantes, não sendo desarrazoado imaginar que ele possa também
subornar juízes caso algum dia ele tenha de ir a julgamento.
Já
os benefícios marginais da violência são muito maiores para o
traficante de cocaína do que para o dono do restaurante tailandês.
Traficantes de drogas não são (completamente) imprudentes; eles operam pelo
dinheiro. Para compensar o alto risco, os retornos monetários do comércio
de cocaína têm de ser astronômicos. (Se você gosta de gráficos, quando o
governo ameaça prender os vendedores de cocaína, a curva da oferta se desloca
acentuadamente para a esquerda, ao passo que a curva da demanda também se
desloca para esquerda, só que muito pouco. Assim, o preço de equilíbrio
do quilo da cocaína dispara, indo para um nível muito acima do seu custo
monetário de produção).
Por
causa das considerações acima, o benefício de se ganhar uma fatia de mercado no
comércio de cocaína é enorme. Cada novo cliente pode significar um lucro
extra de milhares de dólares por mês. Em enorme contraste, se o dono do
restaurante tailandês "roubar" um cliente do restaurante japonês,
isso pode gerar-lhe um acréscimo de meros $100 por mês, pois a margem de lucro
na indústria de restaurantes é muito menor que no tráfico de drogas. Para
os traficantes, pode fazer sentido ficar rondando portas de escola, vendendo
seus produtos para adolescentes, ou até mesmo dando amostras grátis para
novatos (embora eu não saiba se isso de fato ocorre; estou baseando-me nas
propagandas antidrogas). Por outro lado, você nunca vê
representantes da Kellogg's vendendo caixas avulsas de Sucrilhos para as
crianças. Por causa dessa enorme diferença, conquistar novos clientes é
algo muito mais valioso para quem opera nas indústrias proibidas do que para
quem opera no setor livre. É por isso que matar um rival — e com isso
ganhar acesso a seus clientes — é muito mais lucrativo nos setores proibidos.
Portanto,
quando o estado ameaça prender os produtores de um determinado bem, ele acaba
alterando os incentivos de mercado, de modo que a violência passa a ser muito
mais lucrativa para essa indústria.
Naturalmente,
no mundo real, as pessoas não são computadores que calculam robotizadamente
suas funções de utilidade — ao contrário do que pensam os economistas
neoclássicos. Assim, não estou dizendo que o mesmo
empreendedor vai agir de maneiras distintas, dependendo da política de
combate às drogas. Não estou dizendo que esse empreendedor irá escolher
entre ser um homem reto ou um assassino perverso, tudo dependendo apenas do
nível de repreensão ao tráfico. Não. O que ocorre é que aquelas
pessoas que têm predisposição para ser assassinas cruéis ganham um incentivo
adicional com a política de ilegalidade de certos mercados, o que permite que
elas prosperem e se tornem muito ricas em uma sociedade cujas leis antidrogas
são rigorosas.
Logo,
ao invés de ser apenas mais um sociopata — do tipo que mata um sujeito que
olhou lascivamente para sua namorada num bar e que, por isso, vai para
a cadeia —, as asininas leis antidrogas acabam por fazer com que esse
sociopata possa ganhar milhões por ano vendendo cocaína — sendo que com esse
dinheiro ele agora poderá comprar armas automáticas, contratar capangas,
subornar policiais e se tornar o rei das ruas.
O
argumento econômico padrão contra a proibição das drogas
Portanto,
no típico argumento livre-mercadista em prol da legalização das drogas, o
economista irá argumentar que a proibição gera violência desnecessária, uma vez
que as quadrilhas entram em guerra entre si para disputar territórios
lucrativos e estratégicos, frequentemente matando inocentes nesse
processo. Em seguida ele irá utilizar a ilustração clássica desse
fenômeno como sendo a matança que ocorria no submundo americano durante a época
da Lei Seca em Chicago. Ao passo que, nos dias de hoje, seria
inconcebível que executivos de cervejarias rivais saíssem por aí chacinando
seus concorrentes, esse método fazia perfeito sentido para Al Capone em relação
a seus competidores.
Até
aí, o argumento está correto. Entretanto, quando o economista tenta ir
além dessa observação geral para explicar por que a proibição
leva à violência, ele frequentemente diz algo mais ou menos assim: "Quando o
álcool ou a cocaína são ilegais, os vendedores desses produtos não podem
recorrer aos tribunais ou à polícia para protegerem sua propriedade e garantir
que os contratos sejam honrados. Consequentemente, eles têm de se armar
até os dentes; e se alguém tentar trapaceá-los, eles têm de resolver as coisas
por conta própria, pois chamar a polícia está fora de questão."
Tal
explicação pode soar plausível para um liberal clássico, que acha que o governo
faz um bom trabalho fornecendo serviços de judiciário e de fiscalização de
cumprimento de contratos. Mas para um anarcocapitalista, que
consistentemente diz que um governo corrupto e faminto por poder irá gerir um
departamento de polícia tão bem quanto administraria uma montadora de
automóveis, essa postura em relação à legalização das drogas parece um tanto
esquisita. Pois o que está sendo dito é que a violência é causada
pela inação do governo, por sua recusa em utilizar seu
monopólio da força e da justiça com mais frequência. A implicação óbvia
parece ser a de que, se a polícia nunca respondesse a nenhum pedido de ajuda,
de quem quer que seja, a sociedade entraria em colapso.
Esse
diagnóstico está totalmente invertido. A razão por que a proibição das
drogas produz enormes estragos nas relações sociais se deve ao fato de ela, a
proibição, introduzir mais intervenções no mundo; o problema é
que o governo está utilizando sua polícia e seus tribunais excessivamente.
Por
exemplo, imagine uma área pobre de uma grande cidade, infestada de quadrilhas
de traficantes que aparentemente circulam por ali sem qualquer restrição,
vendendo abertamente drogas nas ruas e becos e descarregando rajadas de
metralhadora em qualquer um que apresente um comportamento minimamente
suspeito. A maioria das pessoas iria pensar: "Esse bairro é uma
anarquia! Está faltando estado aqui! Se ao menos a polícia
aparecesse de vez em quando para aplicar as leis... Mas não, ela é
totalmente indiferente ao sofrimento dessa comunidade!"
Novamente,
esse diagnóstico está invertido. A vizinhança está nessa situação
terrível justamente porque a polícia opera ali com impunidade.
Se a polícia realmente nunca se preocupasse em impor qualquer lei naquela área,
então ninguém teria de se preocupar com o risco de ir pra cadeia por estar
vendendo drogas. Consequentemente, empresas de fora poderiam ir se
instalar naquele bairro, abrir lojas com janelas à prova de balas e vigiadas
por seguranças muito bem armados, e vender cocaína e outras drogas para os
moradores (ou, principalmente, para os clientes que vêm de outros bairros) por
uma fração do preço vigente nas ruas. Essas empresas iriam rapidamente
quebrar todas as quadrilhas de traficantes que operam na região, uma vez que os
clientes iriam correr em manada para aqueles empreendimentos profissionalmente
geridos, principalmente por causa de seus preços baixos e pela qualidade de
seus produtos.
Porém,
por que isso não ocorre? Porque se alguns empreendedores tentassem de
fato implementar o plano acima, eles seriam rapidamente bloqueados pela
polícia, que interromperia suas atividades (com o indisfarçável apoio dos
traficantes locais). Mais ainda: essas empresas teriam suas contas
bancárias confiscados por ordem do judiciário, inviabilizando qualquer
operação. Líderes comunitários e religiosos iriam reclamar que uma
farmácia não pode vender cocaína para adolescentes em plena luz do dia (embora
os traficantes o façam imperturbáveis) e o chefe da delegacia encarregada da
região iria concordar. Com efeito, nem ocorre a qualquer empreendedor
tentar fazer o que foi dito acima porque — duh! — seria algo totalmente
ilegal.
Portanto,
não é difícil entender que não é a relutância ou a má vontade do governo em proteger
certos direitos de propriedade que permite que determinadas comunidades
permaneçam em um equilíbrio violento; ao contrário: é justamente o ataque do
governo aos direitos de propriedade que faz com que bandidos detenham um poder
permanente sobre determinadas regiões.
Similarmente,
se um estabelecimento qualquer — um restaurante chinês ou uma lavanderia, por
exemplo — em um bairro perigoso é assaltado, a polícia provavelmente também
não irá fazer muita hora extra pra tentar resolver o caso. Ainda assim,
essa negligência da polícia para com o estabelecimento em questão (idêntica à
negligência para com os bairros tomados por traficantes) não gera uma violência
indômita na indústria de lavanderias da região; tampouco tem-se notícias de
pessoas sendo mortas por motivo de disputa pelo mercado de rolinhos primavera e
frango xadrez.
O
motivo é simples: se, por um lado, a polícia não protege os
comerciantes em bairros perigosos, por outro, ela também não os molesta,
ou, pior ainda, não os sequestra sob a mira de uma arma e os joga em uma jaula
por vários anos, pelo "crime" de estar comercializando alguma
substância. Essa é a diferença chave entre a indústria das drogas e todas
as outras indústrias, e explica por que a indústria perseguida por agentes
armados do governo acaba se tornando (fortemente) militarizada também.
Conclusão
Sabemos
que o governo tem um desempenho horrível em todos os empreendimentos que
executa, sejam eles educação, pavimentação de estradas, fornecimento de
eletricidade e serviços de inteligência. Considerando-se esse histórico,
deveríamos acreditar que o governo é realmente bom em proteger as pessoas
contra criminosos? Se isso é verdade, então por que as pessoas cada vez
mais recorrem aos tribunais de arbitramento privados? Não é óbvio que os
tribunais e a polícia estatais são tão ineficientes e contraproducentes quanto
todas as outras atividades que o estado se arvora fazer?
Para
realmente testarmos as diferentes teorias, precisamos pensar em uma atividade
em que o governo (a) não crie empecilhos para os produtores, mas que também (b)
não defenda os direitos de propriedade desses mesmos produtores. Se essas
áreas forem repletas de roubo e violência, então meus críticos estão
certos. Mas se esses setores forem geralmente ordeiros e pacíficos, então
sou eu quem está certo.
Posso
pensar em alguns exemplos em que eu estou certo. Por exemplo, o comércio
pela internet é bem pouco regulado. Claro, se você comprou um livro de
uma pessoa através da Amazon, e o cara não lhe enviou o produto, você pode
levá-lo a um tribunal de pequenas causas. Mas não é isso o que faz o
sistema funcionar. O sistema funciona porque se baseia claramente nos
efeitos que uma boa reputação traz para um vendedor, e não porque haja uma
ameaça de ações judiciais governamentais.
Da
mesma forma, não é a timidez — ou mesmo a ausência — do governo o que permite
que a violência prolifere em bairros pobres infestados de traficantes. O
que permite esse desvario é justamente o exercício governamental do seu
monopólio sobre o uso legítimo da força.
Mesmo
economistas pró-livre mercado frequentemente entram em uma espécie de ponto
cego quando se trata do fornecimento de serviços estatais de justiça e de
fiscalização de cumprimento de contratos. Porém, mesmo nessas áreas,
monopólios exercidos por funcionários públicos corruptos são péssimos. O
setor privado poderia resolver vários conflitos violentos se apenas o governo
concedesse liberdade para tal.
A
teoria econômica padrão diz que os monopólios mantidos à base da violência (ou
por sua ameaça) levam a serviços de baixa qualidade e preços altos. Essa
análise se mantém válida mesmo quando o monopólio se refere aos serviços
judiciais, policiais e militares. Os libertários geralmente reconhecem
que o governo faz um péssimo trabalho quando tenta educar crianças, manter
estradas e gerir hospitais. Por que, então, alguém em sã consciência iria
querer dar a políticos e burocratas a tarefa de nos proteger de ladrões e
assassinos?