quarta-feira, 10 nov 2010
As
características essenciais de um ciclo econômico podem ser entendidas quando
passamos a enxergá-las em termos das circunstâncias financeiras de um único
indivíduo.
Assim,
imagine um cidadão comum que esteja levando sua vida pacatamente, apenas
cuidando de suas coisas e vivendo dentro de suas posses. Um belo dia, ele recebe uma carta registrada
cujo remetente é um grande banco. Essa
carta o informa de que ele é o herdeiro único de um parente distante que
faleceu e legou uma fortuna substancial, e que ele deveria comparecer à sede
desse banco na sua cidade para assinar os documentos necessários e receber
todas as autorizações necessárias para, dali em diante, usufruir sua nova fortuna
da maneira que mais lhe aprouver.
Naturalmente, ele corre até a agência e apodera-se dessa sua
recém-descoberta fortuna.
Se
a fortuna em questão é de $100 milhões ou $10 milhões, isso é um detalhe
insignificante. O fato é que ela
certamente trará um enorme impacto na vida desse indivíduo dali pra
frente. Novos mundos passarão a se abrir
pra ele, permitindo que ele agora possa adquirir bens e serviços os quais
jamais havia sonhado poder comprar.
Agora ele finalmente poderá comprar uma nova casa, talvez uma
mansão. Ele poderá renovar todo o seu
guarda-roupas, viajar pelo mundo e largar qualquer emprego que porventura tenha
e do qual não goste.
Se
ele for um empreendedor, poderá expandir seus negócios de várias e arrojadas
formas. Se não for, poderá se tornar um,
começando por um empreendimento já bastante vultoso. E ele agora poderá se dar ao luxo de investir
e especular no mercado de ações e no mercado imobiliário, visto que sua
recém-descoberta riqueza faz com que ele torne-se arrojado, sem ter por que
temer perdas monetárias vultosos, da ordem de centenas ou mesmo de milhares;
com efeito, ele pode até se dar ao luxo de perder milhões, e ainda assim
continuará muito rico.
Esse
é o período do boom, do crescimento súbito e acentuado, da riqueza desse indivíduo. Sua vida tornou-se fácil. Ele passou a poder fazer muito mais do que
jamais pôde durante toda a sua vida. E
suas perspectivas futuras pareciam ser ilimitadas. Para o resto de sua vida, ele irá olhar para
trás e relembrar desse período com enorme afeição, desejando ardentemente revivê-lo. Foram os "anos dourados".
O declínio
O
que coloca um fim nessa vida de comodidade desse indivíduo é uma segunda
carta. Essa outra carta explica que
ficou comprovado que o parente cuja fortuna ele herdou a obteve por meios
criminosos. Portanto, a fortuna na
realidade não pertencia a esse parente e, portanto, não poderia ter sido legada
a ele e nem a nenhuma outra pessoa.
Consequentemente,
conclui o banco, esse cidadão está agora obrigado a devolver a fortuna. Assim sendo, todas as suas contas nesse banco
em questão foram arrestadas e ordens judiciais foram expedidas proibindo-o de
gastar qualquer centavo restante daquilo que ele julgava ser sua herança, bem
como exigindo a devolução de tudo que ainda restasse dela.
Esse
indivíduo agora se encontra soterrado sob uma montanha de dívidas que ele não é
capaz de quitar. Ele precisa vender sua
casa ou mansão, muito provavelmente por menos do que ele pagou por ela. (Se não por outra razão, simplesmente por
causa das taxas de corretagem e da impossibilidade de esperar mais tempo até
encontrar o comprador certo.) Vender as
roupas e vários outros bens que ele comprou irá provavelmente render-lhe apenas
centavos em
comparação. Tudo que
ele gastou viajando pelo mundo revelar-se-á um prejuízo total, assim como seus
gastos com várias outras formas de consumação de luxo. Quanto aos seus investimentos, eles podem ser
lucrativos ou não-lucrativos.
Entretanto, considerando-se seu histórico de pouco ou nenhum grande
sucesso financeiro anterior ao recebimento de sua herança, é mais provável que
eles se revelem não-lucrativos.
A
conclusão de tudo isso é que a "herança" recebida por esse indivíduo acabou se
revelando uma catástrofe financeira para ele.
Ao ser levado a fazer gastos maciços na errônea convicção de que ele era
o dono legítimo daquela fortuna, quando na verdade ele nunca foi, esse
indivíduo passou a viver muito além de suas posses. Mais ainda: ele desperdiçou toda ou grande parte
da riqueza que ele possuía antes de ganhar essa sua "herança".
Ciclos em uma economia mais ampla
O
padrão dos ciclos econômicos em uma economia mais ampla é essencialmente
similar ao que foi descrito acima no exemplo daquele indivíduo. Em ambos os casos, o período da expansão é
caracterizado pelo aparecimento de uma grande, nova e adicional riqueza que não
existe na realidade. A recessão é apenas
a consequência do comportamento econômico inspirado por essa riqueza ilusória.
Nos
ciclos econômicos de uma economia mais ampla, a riqueza ilusória não surge na
forma de falsas heranças, mas, sim, na forma de crédito bancário criado do
nada, o qual é confundido com capital que representa riqueza física real. No mais recente período de expansão da
economia americana, sob o estímulo e com o apoio do banco central americano, os
bancos criaram trilhões de dólares de dinheiro sem lastro, o qual foi
emprestado. Com base nesse capital
fictício, o sistema econômico foi levado a agir como se uma correspondente
riqueza física também tivesse sido criada em conjunto com essa mera criação de
dinheiro. O resultado, dentre outras
coisas, foi a construção de aproximadamente três milhões de novos imóveis que
as pessoas simplesmente não podiam pagar e para os quais não havia recursos
físicos abundantes.
Na
realidade, o capital que de fato estava disponível no período da expansão
econômica era insuficiente para sustentar os projetos que foram empreendidos em
decorrência da expansão do crédito. Ao
invés de criar capital adicional, a expansão do crédito serve para elevar os
salários e os preços dos bens de capital.
Isso reduz o poder de compra da moeda.
No final, cria-se uma situação em que aqueles que normalmente estariam
em posição de emprestar dinheiro descobrem que não mais podem fazê-lo, ou não
podem emprestar tanto quanto antes, porque eles agora precisam desses fundos
para financiar suas próprias operações internas que precisam ser efetuadas
pagando-se salários mais altos e preços mais caros por bens de capital. Ao mesmo tempo, pela mesma razão, os
tomadores de empréstimos descobrem que os fundos que conseguiram são
insuficientes. Assim, tomadores de
empréstimos passam a necessitar de mais dinheiro, ao passo que os financiadores
podem agora emprestar muito menos. O
resultado é um "sufocamento do crédito", no qual as empresas quebram por falta
de financiamento.
Na
fase da expansão econômica, dívidas maciças foram acumuladas. À medida que essas dívidas se tornaram
impagáveis, o capital das empresas que utilizaram seus fundos para conceder
empréstimos (aplicando em CDBs, por exemplo) torna-se correspondentemente
reduzido. Elas começam a retirar
dinheiro dos bancos para poderem ficar mais "líquidas". Nesse processo, o capital daqueles bancos que
criaram crédito do nada pode ser dizimado, criando o cenário propício para as
corridas bancárias — em que os correntistas correm para os bancos para sacar
seu dinheiro —, gerando um declínio real na quantidade de dinheiro no sistema
econômico. A mera possibilidade de tais
eventos gera um enorme aumento na demanda por dinheiro (efetivo em caixa),
consequentemente fazendo com que o volume de gastos no sistema econômico comece
a decrescer mesmo que ainda não tenha havido uma redução na quantidade de
dinheiro na economia.
A
conclusão a que se chega é que o segredo para se evitar recessões é evitar a
expansão do crédito e as "euforias" que o causam. Expansões artificiais não são períodos de
prosperidade, mas sim de desperdício de riqueza. Bens de capital e outros recursos escassos
são consumidos quando deveriam estar sendo poupados para usos futuros mais
produtivos. Quanto maior o período de
duração de uma expansão econômica artificial, pior é a devastação que virá
depois.