Paul
Krugman tem andado bastante
desesperado
recentemente, pois um número crescente de economistas convencionais está
adotando a (ou versões da) teoria austríaca dos ciclos econômicos. O mais recente convertido é presidente da
sucursal do Fed de Minneapolis, Narayana Kocherlakota.
Krugman
utiliza esse fato para criticar aquilo que ele desdenhosamente chama de "teoria
da ressaca" das recessões, a qual diz que um alto desemprego é necessário após
uma expansão econômica artificial. Assim
como ocorreu anteriormente em uma outra
crítica sua à "teoria da ressaca", aqui também Krugman recorre a dados
equivocados para sustentar sua lógica keynesiana.
Como
irei demonstrar, quando analisamos estatísticas mais relevantes, a evidência
fica completamente a favor da visão austríaca, e não da keynesiana.
Kocherlakota vs. Krugman
Para
introduzir o assunto, vou colar aqui o que o próprio Krugman escreveu
em seu blog:
Pelo menos alguns membros do
Comitê de Política Monetária do Fed compraram a teoria da ressaca —
a versão moderna de liquidacionismo em que um desemprego em massa às vezes é
necessário depois de um estouro de bolha:
[Do Wall Street Journal]: Narayana Kocherlakota,
presidente do Fed de Minneapolis, argumentou que uma grande parte do problema
atual do desemprego é causada por questões que o Fed não pode resolver, como o
descompasso entre as competências dos trabalhadores desempregados e as
competências que os empregadores desejam.
Eis o que Kocherlakota disse em um pronunciamento após a reunião:
Seja qual for a fonte, porém, é
difícil ver como o Fed pode fazer muito para solucionar o problema. O estímulo monetário forneceu condições para
que as empresas manufatureiras contratassem novos trabalhadores. Mas o Fed não tem meios para transformar
trabalhadores da construção civil em trabalhadores manufatureiros.
Eu
tentei explicar, naquele antiga matéria sobre teóricos da ressaca, o que está
errado nessa visão em
geral. Entre outras
coisas, "essa história tem pouca
semelhança com o que realmente ocorre numa recessão, quando cada setor — e não
apenas o setor de investimento - normalmente se contrai."
E
isso está nitidamente se passando desta vez. Kocherlakota gostaria de nos fazer acreditar
que há um grande problema de descompasso porque o setor manufatureiro está tentando
contratar, enquanto o da construção está em recessão. Mas eis a realidade do
emprego:

O emprego na indústria
manufatureira despencou, e não cresceu — aliás, ele caiu mais que o emprego na
construção civil. O problema é de falta de demanda geral, e não de descompasso
dos trabalhadores.
Krugman vs. Austríacos
É
verdade que a explicação dada por Kocherlakota foi em causa própria ("Ei, não
culpem o Fed; nós fizemos tudo o que podíamos!"), e ela também não explica a
grande queda ocorrida no setor industrial ao longo de 2009. Entretanto, o revide de Krugman de forma
alguma refuta a explicação austríaca para o que ocorreu com a economia
americana.
Em
primeiro lugar, os austríacos podem facilmente explicar por que sempre há um
aumento generalizado no desemprego
após o estouro de uma bolha, ao invés de um aumento no desemprego apenas nas,
por exemplo, indústrias de bens de capital.
O problema após o estouro de uma bolha não é meramente que um "dado"
nível de demanda se altera de um setor para o outro. Ao contrário: as pessoas em geral estão mais pobres do que imaginavam estar
quando a economia estava no ápice da expansão artificial.
Em
particular, durante a expansão, as pessoas inadvertidamente consumiram capital. Dentro de um modelo keynesiano simplista, no
qual não há tempo e não existe estrutura do capital, não é surpresa alguma que
Krugman ache que a teoria austríaca não faça sentido. Porém, como expliquei no meu "artigo do sushi", uma
distorção na entrelaçada estrutura do capital de uma economia moderna pode de
maneira bastante óbvia levar a um aumento geral no desemprego em vários
setores, à medida que os investimentos errôneos gerados pela expansão econômica
artificial vão sendo expurgados do sistema durante o período corretivo da
recessão.
Em
segundo lugar, atualmente, as economias americana e mundial não estão meramente padecendo da necessidade de
rearranjar seus recursos em decorrência do insustentável boom imobiliário dos
anos anteriores. Não. Os magos monetaristas e keynesianos no
governo americano e no Fed simplesmente desencadearam uma corrente de golpes
fatais na já debilitada economia americana.
Pense
dessa maneira — mesmo se a economia americana estivesse perfeitamente saudável
no segundo semestre de 2008, os economistas austríacos já estariam horrorizados
em relação aos estragos das seguintes medidas: o governo americano nacionalizou
a Fannie Mae e a Freddie
Mac, com isso efetivamente estatizando uma grande porção de todo o mercado
imobiliário americano; o Fed estatizou a seguradora AIG; o Secretário do
Tesouro disse a todos que precisava imediatamente de US$ 700 bilhões para
remendar o setor financeiro ou o mundo iria acabar; o mesmo Secretário do
Tesouro então seguiu adiante e nacionalizou parcialmente o setor financeiro
americano; o governo federal assumiu o controle de duas das Três Grandes
montadoras dos EUA e jogou no lixo tradicionais direitos dos credores; o Fed mais
do que dobrou a base monetária em um período de seis meses; o recém-empossado
governo Obama pegou empréstimos de mais de US$ 800 bilhões para gastar com
pacotes de "estímulos"; o governo federal deu gigantesco passo adiante rumo à
socialização da saúde; e, só por diversão, o governo federal também proibiu a
perfuração de petróleo no litoral (embora as regras ainda estejam sob revisão).
Agora,
diga o que quiser sobre os economistas austríacos, mas certamente o dr. Krugman
irá assentir que eles se opuseram às medidas acima, e que eles previram a todo
instante que essas políticas iriam levar à estagnação econômica.
Meu
objetivo aqui é mostrar que não é surpresa alguma que a economia americana
esteja sofrendo um declínio em todas as grandes indústrias, ainda que a bolha
imobiliária tenha atingido seu ápice há nove anos. Os austríacos que vêm alertando sobre uma
inflação de preços (ainda) não tiveram suas previsões confirmadas, porém nós
definitivamente vínhamos alertando desde o início que essas maciças
intervenções governamentais e do Fed iriam debilitar a economia americana.
Olhando para os dados do emprego
Até
o momento, os leitores podem estar desconfiados de que estou tentando me esquivar
do desafio de Krugman, alterando os termos do debate. Portanto, vamos deixar de lado o fato de que
a economia americana foi bombardeada por todos os lados após o estouro da bolha
imobiliária. Em prol do bom debate,
verifiquemos os dados do emprego e testemos a austrianizada "teoria da
ressaca".
Apenas
uma revisão da teoria, antes de verificarmos os dados: o que um austríaco
esperaria encontrar? Ora, ele esperaria
encontrar uma queda generalizada nos números do emprego, uma vez que as pessoas
estavam vivenciando o choque do estouro da bolha imobiliária (e do mercado de
ações) e consequentemente adiaram seu volume de gastos o máximo possível. Esse "entesouramento" corresponde a uma
mudança legítima na maneira como os recursos reais são distribuídos e organizados:
quando os empreendedores percebem que não há bens de capital em quantidade
suficiente para manter a estrutura de produção — o que significa que seus
preços têm de subir —, todo o arranjo sofre uma parada abrupta, à medida que
os empreendedores passam a reavaliar seus empreendimentos à luz dessa nova
informação.
Além
de observações gerais da economia como um todo, a teoria austríaca dos ciclos
econômicos faz previsões (tudo o mais constante, é claro) a respeito dos
impactos relativos sobre setores específicos.
Por exemplo, os setores de "ordem mais alta" (ou mais intensivos em
capital) da economia sofreriam um impacto muito mais forte do que os setores de
"ordem mais baixa", tais como varejo.
(Para uma introdução à teoria austríaca dos ciclos econômicos, veja este
maravilhoso PowerPoint
feito pelo professor Roger Garrison).
Guiados
pela teoria austríaca dos ciclos econômicos, também esperaríamos que os setores
varejistas começassem a se recuperar mais cedo do que os setores mais
intensivos em
capital. Em outras
palavras, no momento imediatamente após o estouro da bolha, o emprego total teria de
cair. As indústrias mais pesadas
sofreriam uma hemorragia de empregos, mas os setores mais próximos do consumo
final também demitiriam pessoas.
Entretanto,
em algum momento, os setores varejistas dariam a volta, e começariam a
contratar. Esses setores começariam a
reduzir a quantidade acumulada de desempregados, mesmo com os setores
intensivos em capital ainda demitindo e contribuindo para aumentar a quantidade
de desempregados. Com o passar do tempo,
as tendências se alterariam, de modo que os setores em recuperação passariam a
contratar mais novos empregados do que os setores intensivos em capital estariam
demitindo, em termos líquidos. Nesse
ponto, o número total de trabalhadores desempregados na economia começaria a
cair. Finalmente, mesmo as indústrias de
ordem mais alta — aquelas que estão no alto da cadeia de produção, em um
sentido cronológico; as que estão mais distantes dos bens de consumo final —
chegariam ao seu piso, e então começariam, em termos líquidos, a contratar
trabalhadores.
Em
contraste com a teoria austríaca, o que a teoria keynesiana prevê? Bem, se uma recessão for realmente apenas uma
queda geral na demanda agregada, então não deveríamos ver qualquer relação
entre setores individuais, e nem na maneira como eles reagem ao longo do tempo
em relação às demissões. Se você reler o
comentário de Krugman em relação ao gráfico dele, verá que é exatamente isso o
que ele próprio diz à respeito da teoria keynesiana.
O
problema com o gráfico de Krugman é que ele mostra números absolutos de
demissões. Portanto, sim, "o emprego na
indústria manufatureira despencou ..... mais que o emprego na construção civil",
mas isso ocorreu porque, pra começar, o número de pessoas trabalhando na
indústria era maior do que na construção civil.
Vamos,
portanto, fazer um teste mais acurado.
Vamos ver o declínio percentual
do emprego (a) na construção civil, (b) na indústria de bens de consumo
duráveis, e (c) na indústria de bens de consumo não duráveis. Na abordagem austríaca, a construção civil
tipicamente seria a "ordem mais alta" destes três, pois coisas como construção
de prédios comerciais, residenciais e casas são muito intensivos em capital e
fornecem um fluxo de serviços por décadas.
O próximo seria a indústria de bens duráveis, ao passo que a
indústria de bens não duráveis seria a de "ordem mais baixa".
Eis
o gráfico, mostrando um índice de emprego nesses três setores, e cobrindo o
mesmo período de tempo do gráfico de Krugman:

Eu
diria que o gráfico acima é totalmente consistente com a explicação austríaca
dos declínios empreendedoriais que se seguem aos períodos de expansão econômica
insustentável. Diferentemente do
enganoso gráfico de Krugman, em termos percentuais o setor da construção civil
sofreu um impacto maior do que o da "indústria manufatureira" em geral; e um
impacto brutal quando comparado ao moderado declínio no setor de bens não
duráveis.
Ademais
— e presumivelmente foi isso que motivou os comentários de Kocherlakota —,
uma simples extrapolação do acumulado no ano sugere que o setor manufatureiro
já chegou ao seu piso, e está a caminho da recuperação. Por outro lado, o setor da construção civil
ainda está em declínio.
Os
austríacos podem facilmente interpretar o gráfico acima. Como Krugman o interpretaria? Se uma recessão corresponde a apenas uma queda
na demanda agregada, então por que a construção civil caiu muito mais do que o
setor de bens não duráveis? E por que o
setor de bens duráveis começou a subir em 2010 ao passo que a construção civil
continua em declínio?
Conclusão
Os
economistas austríacos são corretamente receosos quanto à eficácia de se imitar
os métodos das ciências naturais. Na
ciência econômica, é muito mais importante ter uma teoria logicamente coerente
a fazer uma regressão econométrica com várias variáveis e com um "R ao quadrado
de valor alto".
Ainda
assim, uma teoria verdadeira será consistente com a evidência empírica. Como mostram os dados para a construção civil
e para o setor industrial, a teoria austríaca para as recessões explica os
fatos de maneira melhor e mais coerente que a explicação keynesiana.