quinta-feira, 14 out 2010
Na
última declaração do Federal Reserve, publicada no dia 21 de setembro, o Banco
Central americano praticamente repete a mesma ideia errônea que havia aunciado
logo após a crise do crédito, em meados de 2009: ainda há muita ociosidade na
economia americana, portanto as taxas de juros terão de continuar em níveis
próximos de zero por um "período prolongado", e o Fed continuará comprando
títulos do Tesouro.
Isso
confirma que uma nova e maciça rodada de desvalorização do dólar — artifício
pomposamente chamado de quantitative
easing (afrouxamento quantitativo), eufemismo para 'imprimir dinheiro' —
está pronta para começar.
Desde
uma emenda feita em 1977, o Fed tem um objetivo duplo: promover a "estabilidade
de preços" e o "emprego máximo". Embora
ele frequentemente aja como se ambos os objetivos fossem faces complementares do
seu mandato, o fato é que esses dois objetivos sempre estiveram em conflito
durante todas as recessões ocorridas nos EUA desde a Grande Depressão.
Tudo
indica que, da noite para o dia, o Fed resolveu alterar seu mandato,
descartando o objetivo da "estabilidade de preços" em favor de uma "moderada
inflação de preços". Embora ninguém
tenha a ilusão de que o Fed manteve os preços estáveis ao longo do último
século, o fato é que seus presidentes ao menos fingiam que estavam combatendo a
inflação. Uma inflação baixa costumava
ser o objetivo; hoje, tornou-se o inimigo.
Embora
a inflação atualmente criada pelo Fed ainda não esteja aparecendo de imediato
em setores como aluguel de imóveis ou preço de automóveis, ela inegavelmente
tem estimulado os preços de ativos em outras áreas. Muitos comentaristas econômicos celebraram o
"melhor setembro do Dow Jones e do S&P 500 em 71 anos", ambos tendo subido
7,7% e 8,8%, respectivamente.
Bom,
sendo assim, também foi um setembro excelente para a soja (subiu 9,5%), para o
arroz (subiu 10%), para o petróleo (subiu 11%), para o milho (subiu 12,2%),
para o suco de laranja (subiu 13%), para o algodão (subiu 17,5%) e para o
açúcar (subiu 19,3%). Com efeito, todas
as commodities subiram em média 8,7%. Em
relação ao dólar, o franco suíço subiu 4,6%, o euro subiu 7%, o dólar
australiano subiu 9%. O ouro atingiu seu
valor recorde em termos nominais e a prata está em seu maior valor dos últimos
30 anos, assim como o cobre, que está em seu maior valor dos últimos 3 anos.
Em
outras palavras, o pacote de arroz na prateleira da minha cozinha teve um mês
melhor que o Dow Jones. O mesmo pode ser
dito da minha cueca samba canção dentro do meu armário. Ou do milho da minha pipoca. Não seria mais correto dizer que não é o Dow
que está subindo, mas sim o dólar que está caindo?
Os
membros do Fed disseram que pode levar "vários anos" até que a inflação retorne
a níveis consistentes com o mandato do Fed.
Exatamente quando o Fed estabeleceu um piso para a "inflação
aceitável"? Qual é esse piso: 2%? (O núcleo do índice PCE — gastos em consumo
pessoal — atualmente está em 1,4% no acumulado desde janeiro). Se os preços estiveram abaixo desse piso,
qual é o teto: 3%? 4%? Em 1971, o
presidente Nixon impôs controle de preços quando a inflação média estava em
4%. Essa taxa foi considerada tão alta,
que medidas de emergência foram implantadas.
Esse ainda é o caso hoje? Quanto
mais os custos das coisas terão de subir até que o Fed resolva tirar o pé do
acelerador?
Sem
uma melhor compreensão sobre como o Fed encara esses parâmetros, os mercados
estarão voando às cegas em meio a uma neblina impenetrável.
Se
o Fed levasse a sério sua obrigação de manter a estabilidade de preços no longo
prazo, ele teria de permitir que os preços caíssem após o estouro das bolhas
especulativas que ele próprio cria. Quando as bolhas estouram, há um período de
alto desemprego durante o qual os preços devem ter a liberdade de cair. Nesse período recessivo, o banco central deve
escolher entre estimular o emprego de curto prazo por meio da inflação
monetária, ou defender a estabilidade de preços permitindo que os ativos
retornem ao seu valor lógico de mercado. Como vimos nos EUA na década de 1980, quando o
Fed estava sob o comando de Paul Volcker, o desemprego se resolve sozinho
quando o sistema monetário é solido.
Porém, quando há um banco central embusteiro e inflacionário criando
incertezas, nenhuma empresa irá contratar, o que irá prolongar o desemprego.
A
notícia de que a economia americana perdeu 95.000 empregos em setembro confirma
aquilo que sempre foi previsível: doses maciças de estímulos fiscais são
incapazes de criar uma recuperação real.
A taxa de desemprego americana tem ficado acima de 9,5% durante 14 meses
consecutivos, o maior período desde que o histórico mensal começou a ser medido
em 1948. O que é ainda mais importante:
a taxa de desemprego real, que leva em conta as pessoas desestimuladas e os trabalhadores
subempregados, subiu de 16,7% para 17,1%.
Com
isso, o Fed se defronta com a mais difícil escolha de sua história: ou ele
redobra seus esforços e tenta a todo custa reinflar alguma bolha (arriscando
destruir o dólar) ou ele simplesmente para de criar dinheiro e permite que a
economia americana se deflacione até um nível autossustentável. Infelizmente, ambas as escolhas são garantia
de uma severa aflição econômica — porém, apenas uma delas oferece a possibilidade
de sucesso.
Mas
a tendência é que, de posse desse dado negativo sobre o desemprego, o Fed siga
em frente com seu plano de fazer mais uma rodada de quantitative easing. As
recentes declarações dos funcionários do alto escalão do Fed deixaram claro
esse sentimento. Aparentemente, eles sentem
que devem fazer alguma coisa, quando se sabe que a completa inação do Fed seria
muito melhor para a economia americana.
Eles repetirão tudo de novo, mesmo sabendo que todas as tentativas anteriores
fracassaram abismalmente.
Muitas
pessoas supõem que o "colapso" a que eu vinha me referindo desde 2006 ocorreu
em 2008. Quem realmente me acompanha e
leu meu livro Crash
Proof sabe que a história é outra. A
crise financeira resultante do estouro da bolha imobiliária, a qual eu acuradamente previ, não foi
o colapso em si, mas apenas o prelúdio de uma ópera econômica muito mais
trágica, cuja cortina apenas agora está se abrindo.
Argumentei
que o colapso do setor imobiliário americano iria ameaçar todo o sistema
financeiro, e que o governo americano iria reagir implementando vários pacotes
de estímulo e de resgate do sistema financeiro — tornando assim a situação
muito pior. Foi exatamente isso que
aconteceu. Naquela época, eu não
acreditava, e continuo não acreditando hoje, que o sistema entraria em colapso caso
o processo de liquidação das dívidas ruins tivesse sido permitido pelo governo. Por outro lado, eu continuo acreditando que a
economia americana irá sucumbir à "cura" fornecida pelos infinitos estímulos
aprovados por Washington.
Muitos
hoje alegam que os déficits do governo americano e o afrouxamento monetário
feito pelo Fed impediram uma repetição da Grande Depressão. Do meu ponto de vista, a calamidade não foi
evitada, mas apenas adiada. O preço do
adiamento será um declínio econômico muito mais severo, o qual hoje eu creio
que superará a Grande Depressão.
Em
meu livro, falei como a economia americana estava sofrendo de doenças mórbidas,
como bolhas de ativos, consumo e endividamento excessivos, e insuficientes
níveis de poupança, investimento e produção.
Essas condições não surgiram como resultado de forças de mercado, mas
sim de insensatas políticas monetárias, fiscais e regulatórias que distorceram
as forças de mercado. A cura adequada teria
sido a remoção de todas essas distorções, de modo que fosse permitido aos
mercados se corrigirem sozinhos.
Infelizmente,
como previ, ocorreu o oposto. Washington
não tinha a compreensão econômica e a vontade política para permitir que um
ajuste doloroso ocorresse. Assim, ao
invés de permitir o processo de liquidação, o governo acelerou as impressoras de
dinheiro e ministrou o equivalente a uma dose cavalar de heroína
econômica. As drogas tiveram o efeito de
postergar a dor, mas o efeito colateral foi a total piora dos fundamentos
econômicos. Quando o barato terminar,
uma ressaca ainda mais debilitante vai se manifestar.
Ao
optar pelo socorro ao setor financeiro, estimular os preços dos imóveis,
permitir que os gastos e o endividamento excessivo continuassem, manter
supérfluos empregos no setor público e não deixar que o setor de serviços encolhesse
em prol do setor industrial, o governo americano empurrou a economia para a
beirada de um precipício extremamente perigoso.
A
única escolha correta é admitir os erros passados e reverter a atual
trajetória. O Fed deve elevar os juros
agressivamente, encolher seu assustadoramente inchado balancete (o que
significa um enxugamento da base monetária) e permitir que a recessão
finalmente transcorra desobstruída. Será
muito mais doloroso agora do que teria sido em 2008, mas pelo menos dessa vez a
agonia irá terminar e uma recuperação real irá se consolidar. Uma política monetária austera e rigorosa, que
vai obrigar os governos federal e estaduais a cortar seus gastos, permitirá que
as forças de mercado reconstruam uma base sólida sobre a qual uma futura
prosperidade poderá ser construída.
A
escolha errada seria o Fed continuar seu afrouxamento quantitativo como
planejado, permitindo que o governo cresça em detrimento de toda a
economia. Isso irá ampliar os
desequilíbrios econômicos que estão na raiz de todos os atuais problemas da
economia americana. Como efeito
colateral, o dólar irá manter sua espiral descendente à medida que os credores
estrangeiros forem percebendo que o Fed não tem nenhum interesse em proteger
seus investimentos. Um dólar mais fraco
irá levar a uma inflação de preços mais alta e, consequentemente, a juros
maiores, o que tornará a tarefa do Fed muito mais difícil.
No
final, todas as bolhas da economia americana não irão apenas desinflar; irão
estourar. O dólar entrará em colapso, os
preços dos bens de consumo irão disparar, o crédito real irá evaporar-se por
completo, outros milhões de americanos irão perder seus empregos e a economia
irá se alterar de um modo tal que poucos hoje podem imaginar. O padrão de vida irá despencar e legiões de
americanos de classe média e alta ficarão empobrecidos.
Não
é um cenário bonito, mas infelizmente é o único cenário que o governo americano
está pintando. Desafortunadamente, o
tempo para se mudar os pintores está acabando.