quinta-feira, 16 set 2010
Religião
e liberdade — poucos assuntos são mais controversos entre os libertários da
atualidade.
Pelo
menos quatro posições podem ser distinguidas.
Uma
posição bem conhecida diz que religião e liberdade são esferas distintas,
separadas e hermeticamente fechadas uma para a outra, sendo que qualquer ponto
de contato que porventura tenha havido entre elas ao longo da história foi algo
puramente acidental.
Uma
segunda posição, também bastante difundida, afirma que religião e liberdade são
absolutamente antagônicas. Os defensores
dessa tese veem na religião o inimigo mais implacável da liberdade individual,
um inimigo da humanidade pior até mesmo do que o estado.
Uma
terceira posição sustenta que religião e liberdade são complementares — de um
lado, homens devotos facilitam o funcionamento de uma sociedade com um governo
mínimo ou até mesmo sem governo; e, de outro, a liberdade política facilita a
vida religiosa que cada um decidiu seguir.
Finalmente,
alguns pensadores defendem uma quarta posição: que a religião — e, em
particular, a fé cristã — é fundamental para a liberdade individual, tanto em
termos históricos quanto em nível conceitual.
Em
nossa cultura inteiramente secularizada, a terceira posição é tida como ousada
e a quarta, como insolente. Entretanto,
sou da crença de que, hoje, ambas são verdadeiras, e que, enquanto a terceira é uma
declaração superficial da verdade, a quarta vai à raiz da questão. Quando ainda era um pagão intervencionista,
descobri as verdades da teoria política libertária e, com o tempo, comecei a
compreender que a luz dessas verdades era apenas um reflexo da luz abrangente e
eterna que irradia de Deus através de Seu Filho e do Espírito Santo. Essa compreensão tem sido um processo lento,
e eu não saberia hoje dizer quando e onde tudo vai terminar. Mas eu posso apontar precisamente as
circunstâncias de seu início. Eu posso
apontar o escritor que me mostrou essa luz.
No
início de minha carreira acadêmica, tive a boa sorte e o privilégio de
traduzir, para meu idioma pátrio, o magnífico ensaio de Ralph Raico sobre a
história do liberalismo alemão. Esse
livro mostra brilhantemente as virtudes de seu autor — sua erudição, sua
perspicácia, sua retidão e sua coragem.
Para mim, foi algo surpreendentemente revelador. O livro acabava com os mal-entendidos em
relação aos principais protagonistas. Em
particular, Friedrich Naumann, um homem de imerecida fama libertária, foi
expelido do panteão dos defensores da liberdade, ao passo que Eugen
Richter, hoje praticamente desconhecido, foi elevado ao seu lugar de
direito como o mais notável líder do decadente partido da liberdade
alemão. Ralph Raico explica que os
liberais alemães fracassaram principalmente porque, em algum momento, eles
começaram a errar o alvo de seus ataques.
Ao invés de se opor ao estado, eles começaram a ver a religião
organizada como o principal inimigo.
Eles apoiaram as repressivas leis criadas pelo chanceler Bismarck para
travar uma guerra cultural contra a Igreja Católica.
Um
exemplo característico foi o de Rudolf Virchow, um cirurgião, professor e líder
do partido liberal, que demonstrava em relação à religião exatamente a mesma
atitude arrogante e ignorante demonstrada pela cultura intelectual moderna, e
particularmente pelo movimento libertário moderno. O livro de Ralph Raico realçou as linhas de
continuidade entre os Virchows de todas as épocas e o Iluminismo francês. Os escritos completamente anticlericais de
Voltaire, Rousseau, Didérot, d'Alembert, Helvétius e de vários outros aparentes
defensores da liberdade individual e oponentes da opressão criaram uma cultura liberal no continente europeu na qual o antagonismo entre fé e liberdade
era algo admitido como certo e inquestionável.
Como consequência, as pessoas religiosas tornaram-se perpetuamente
receosas quanto ao liberalismo. Parecia
que o indivíduo tinha obrigatoriamente de fazer uma escolha entre duas opções
mutuamente excludentes: ou religião ou liberdade.
Entretanto,
o professor Raico também enfatiza que havia uma outra tradição dentro do
pensamento liberal clássico, uma que reconhecia a interdependência entre
religião e liberdade. Essa tradição
incluía mais notavelmente os três grandes pensadores sobre os quais o professor Raico escreveu em sua tese de doutorado de 1970, na qual ele explicava como o
pensamento político do protestante Benjamin Constant e dos católicos Alexis de
Tocqueville e Lord Acton advinha de suas convicções religiosas.
Essa
obra foi reimpressa pelo Ludwig von Mises Institute para todas as pessoas
de boa vontade. No início do século XXI,
ela não perdeu sua atualidade e importância como ferramenta para um
reentendimento da história do liberalismo.
Saúdo sua publicação e prevejo que ela vá abrir muitos outros olhos para essa importante questão.