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Ludwig
von Mises e Karl Popper |
Os seguidores da obra de Ludwig von Mises (1881-1973), um dos principais
pensadores da Escola Austríaca de Economia, afirmam que a economia é uma
ciência apriorística, "uma ciência cujas proposições apresentam uma rigorosa
justificação lógica, algo que distingue os austríacos, ou mais precisamente os
misesianos, de todas as outras atuais escolas econômicas".[1]
Com efeito, tal visão é totalmente oposta à moderna economia convencional de
hoje, a qual foi vitimada pelo fascínio do positivismo:
em uma tentativa de investigar a verdade
de alguma hipótese no campo das ciências sociais, os positivistas declaram ser
necessário mensurar as ações das pessoas, analisando continuamente seus testes empíricos (tomando como base
afirmações do tipo "se... então"), algo que levaria ao progresso científico.[2]
Entretanto, a abordagem positivista-empiricista não cumpre, e nem poderia, as
suas promessas. Ela promove falsas
doutrinas, uma vez que ela interpreta erroneamente o conceito lógico da ciência
econômica. O positivismo-empiricismo
estimula, em termos intelectuais, um distanciamento da ordem de livre mercado,
pavimentando o caminho para o coletivismo, o socialismo e até mesmo para o
totalitarismo.
A doutrina positivista-empiricista estimula o relativismo social: ela renega qualquer verdade apriorística inerente à realidade social da ação humana,
aderindo à visão de que "vale tudo".
Como tal, o relativismo social cai como uma luva para os inimigos de uma
ordem social livre: via de regra, não há nada que poderia impedir recomendações
da doutrina positivista-empiricista que defendam a violação dos direitos de propriedade dos indivíduos.
Em 1945, Friedrich August von Hayek (1899-1992) formulou as consequências de
uma filosofia social que ignora princípios:
A aversão aos princípios gerais, e a preferência por procedimentos
pontuais e graduais, é o produto do movimento que, com a ideia da
"inevitabilidade da progressão gradual", nos distancia de uma ordem social
baseada no reconhecimento de certos princípios e nos leva de volta a um sistema
cuja ordem é criada por ordens diretas.[3]
Em praticamente todos os países do mundo, a atividade governamental -
medida, por exemplo, em termos de gastos do estado como porcentagem da renda
total e em termos do alcance das regulamentações autoritárias - tem se
expandido em detrimento das liberdades individuais e da ordem de livre mercado,
sempre em concordância com - ou mesmo publicamente defendida por - economistas
seguidores da corrente tradicional.
É por isso que o trabalho de Mises sobre o fato de a economia ser uma
ciência lógica precisa ser trazido de volta à atenção do público: sua obra
realmente fornece o baluarte intelectual contra a deterioração da ordem social
livre. Portanto, no artigo que se segue,
as fundações metodológicas da economia austríaca serão brevemente revisadas.[4] Nosso ponto de
partida será, e tem necessariamente de ser, o campo da epistemologia.
A Epistemologia como Ponto de Partida
A epistemologia é o ramo da
filosofia voltado para a origem, a possibilidade, o escopo e base geral do conhecimento humano. Uma das principais questões epistemológicas
é: de onde vem o nosso conhecimento?
O racionalismo sustenta a visão de
que nosso conhecimento é baseado na razão.
O conhecimento não vem da experiência (percepção sensorial). Ele
advém unicamente dos princípios que a mente humana possui e que são anteriores
a ele.
O empiricismo afirma que todo o
nosso conhecimento é baseado na experiência.
Suas raízes estão na ideia de que tudo o que podemos saber sobre o mundo
vem daquilo que o mundo se limita a nos dizer, e nós devemos observá-lo com
atenção e cuidado.
O racionalismo não afirmaria que não podemos adquirir nenhum conhecimento
por meio da experiência. Entretanto,
sempre que alguém quiser ser científico, sempre que se quiser identificar
regras e leis que possam ser aplicadas universalmente, um racionalista
argumentaria que a experiência não tem a mesma validade do raciocínio dedutivo.
Dito isto, um indivíduo pode confirmar regras e leis por meio da
experiência, porém ambas são adquiridas pela dedução lógica de leis superiores e universais, as quais já estão
contidas na razão. É aqui que temos de
dar uma rápida olhada no grande filósofo Immanuel Kant (1724-1804)
e em sua revolucionária obra A Crítica
da Razão Pura.
As Proposições Sintéticas e Apriorísticas
de Kant
Kant tentou resolver o problema epistemológico mostrando que o conhecimento
que os seres humanos têm dos objetos, ou da realidade natural em geral, não
depende dos objetivos em si. Ele
sustentava que os objetos empíricos dependem - meio que paradoxalmente - do
nosso conhecimento sobre eles.
Kant afirmava que a constituição mental dos seres humanos iria ela própria
gerar o conhecimento. Tal conhecimento
não advém da experiência e da observação da realidade. Na verdade, ele é derivado de princípios universais, os quais as
mentes dos seres humanos possuem antes de qualquer experiência.
Kant faz uma distinção entre o a
priori e o a posteriori. O primeiro se refere a um julgamento que
expressa conhecimento adquirido antes de qualquer observação, ao passo que o
último se refere ao conhecimento que é adquirido com base na experiência.
Além disto, Kant traçou uma distinção entre julgamentos sintéticos e julgamentos analíticos. Um julgamento
analítico é restrito à informação já contida na definição de um conceito,
ao passo que um julgamento sintético
significa que um julgamento sobre objetos fornece informação sobre a matéria
que está sendo examinada.
Essa distinção permite as quatro combinações a seguir:
1. Julgamentos analíticos a
posteriori não podem ocorrer, já que nunca há a necessidade de recorrer a
experimentos para dar respaldo a uma afirmação puramente explicativa.
2. Julgamentos sintéticos a
posteriori são as questões relativamente triviais e incontestáveis que
passamos a conhecer em decorrência de nossa experiência sensorial.
3. Julgamentos analíticos a
priori incluem todas as verdades lógicas e todas as questões que são
definidas de modo direto e óbvio; elas são necessariamente verdade.
4. Julgamentos sintéticos a
priori são o caso crucial, já que apenas eles poderiam fornecer uma nova
informação que seja necessariamente verdadeira.
Julgamentos sintéticos a priori
não repetem a informação que já está contida nas definições e tampouco fornecem
novas informações, baseadas em experimentos, sobre o tema pesquisado. Eles se referem a características que a mente
humana possui anteriores ao experimento, e moldam o conhecimento que é derivado
empiricamente, e que falam sobre a natureza do mundo, baseando-se na razão -
trata-se da razão investigando-se a si própria.
A pergunta-chave, portanto, é: como podemos identificar a verdade de tais
proposições sintéticas apriorísticas, uma vez que a lógica formal não é
suficiente e que observações são desnecessárias? De acordo com Kant, a verdade de proposições sintéticas apriorísticas
pode ser definitivamente estabelecida por meio de axiomas autoevidentes. Uma
proposição é autoevidente quando não podemos negar sua verdade sem cairmos em uma
autocontradição; uma tentativa de negar a verdade de uma proposição sintética
apriorística seria igual a admitir sua verdade.
O Axioma
da Ação Humana de Mises
O "axioma da ação" de Mises - a proposição de que os humanos agem - é uma
real proposição sintética apriorística. A proposição de que os humanos agem não pode
ser refutada, uma vez que tal negação seria ela própria uma ação; a verdade
dessa afirmação não pode ser revogada.
Todas as categorias com as quais a economia se preocupa - valor, fins,
meios, escolhas, custos etc. - estão implícitas no axioma da ação de
Mises. Elas podem ser interpretadas
apenas se assumirmos que os seres humanos agem.
Elas são verdadeiras a priori, podendo ser deduzidas logicamente do
axioma da ação.
Para Mises, a ciência econômica segue a disciplina
da lógica aplicada, e ele consequentemente utilizou o termo praxeologia - a ciência da lógica da
ação humana - para caracterizar a teoria da lógica da ação humana.[5]
Mises concluiu sobre a ciência econômica,
Suas afirmativas e proposições não derivam da experiência. São, como a lógica e a matemática,
apriorísticas. Não estão sujeitas a
verificação ou falsificação com base na experiência e nos fatos. São tanto lógica como temporalmente
anteriores a qualquer compreensão de fatos históricos. São um requisito necessário para qualquer
percepção intelectual de eventos históricos.[6]
Hans-Hermann Hoppe expõe sucintamente essa grande constatação de Mises:
A grande constatação de Mises é que o raciocínio econômico está
fundamentado apenas nesse entendimento sobre a ação; e que o status da economia como um tipo de
lógica aplicada deriva do status do
axioma da ação como sendo uma proposição sintética apriorística e verdadeira.[7]
Alguns Exemplos de Julgamentos
Apriorísticos na Ciência Econômica
Vamos considerar algumas implicações que podem ser logicamente derivadas do
axioma misesiano da ação humana. Sabemos
que os humanos agem; trata-se de uma proposição apriorista verdadeira, uma vez
que não se pode logicamente pensar que os humanos não agem.[8]
A ação humana implica logicamente a existência de trocas, uma vez que agir significa estar trocando uma situação ou
um estado de coisas por outra situação ou outro estado de coisas.
A ação humana ocorre no tempo. A mente humana não pode pensar em qualquer
coisa diferente. Se o homem pudesse
atingir agora, instantaneamente, seus fins desejados, não haveria qualquer
motivo para ele agir - porém, como sabemos, agir é algo necessário em
decorrência da natureza do homem; não se pode imaginar o homem não agindo.
O tempo é escasso, dado que o
homem é mortal. E como o homem precisa
fazer uso do tempo para atingir seus fins, o
tempo é um meio para se atingir um fim desejado.
Com o tempo sendo um meio escasso, surge a necessidade de se fazer uma escolha entre fins distintos: escassez
significa que um determinado fim só pode ser atingido se abrirmos mão de outros
fins.
Tendo de fazer escolhas, a ação humana é na verdade um comportamento propositado: ele tem o objetivo de atingir certos
fins.
Quando ainda está decidindo quais fins perseguir, o agente tem de atribuir valores diferentes para cada fim que tem
em mente, sendo que tal procedimento representa um processo de valoração.
O homem, ao agir, precisa ter uma ideia
de como atingir seus fins desejados. Se
o homem pensa que não poderá atingir seus fins, então ele não poderá agir. Porém, como vimos acima, isso seria uma
impossibilidade lógica - mesmo porque, o simples fato de ele decidir não agir
é, em si, uma ação.
Ademais, a causalidade - o elo
entre causa e efeito - é uma categoria da ação humana. Se não há nenhuma relação causal, o homem não
pode agir - o que é impossível.
O futuro do homem é incerto. Se o
homem soubesse seu futuro, sua ação não poderia alterá-lo e, portanto, a ação
humana comprova que o futuro é incerto para o agente.
Outra verdade relacionada ao axioma da ação humana de Mises é que apenas indivíduos agem. Conceitos como "governo", "grupos" e "o
coletivo" não possuem uma existência própria.
Eles não têm qualquer realidade; eles apenas se baseiam nas ações de
indivíduos.
Hoppe fornece perspicazes exemplos das proposições econômicas apriorísticas
de Mises:
A ação humana é a busca propositada de um agente por um fim que ele
considera valioso, e para o qual ele se utiliza de meios escassos. Ninguém pode propositadamente não agir. Toda ação é voltada para melhorar o bem-estar
subjetivo do agente em relação à situação em que ele se encontra
atualmente. Uma maior quantidade de um
bem é preferível a uma menor quantidade daquele mesmo bem. A satisfação precoce é preferível à
satisfação tardia. A produção deve
preceder o consumo. Aquilo que é
consumido hoje não pode ser consumido novamente no futuro. Se o preço de um bem for diminuído, haverá um
maior consumo desse bem - ou, no mínimo, a quantidade consumida será a mesma. Preços fixados abaixo dos preços de mercado
irão gerar escassez. Sem a propriedade
privada dos fatores de produção, não há como se formar preços para esses
fatores, e sem preços para esses fatores é impossível fazer qualquer
contabilidade de custos. Tributos são
uma imposição sobre produtores e proprietários de riquezas, e reduzem a
produção e a riqueza para níveis menores do que aqueles que seriam vigentes na
ausência de tributos. Conflitos
interpessoais são possíveis apenas e na medida em que as coisas são
escassas. Absolutamente nada pode ser
propriedade exclusiva de mais de uma pessoa ao mesmo tempo. A democracia (o governo da maioria) é
incompatível com a propriedade privada.
Nenhuma forma de tributação pode ser uniforme (igual), mas toda
tributação envolve a criação de duas distintas e desiguais classes: pagadores
de impostos versus recebedores de
impostos. Propriedade e títulos de
propriedade são entidades distintas, e um aumento da última sem um
correspondente aumento da primeira não eleva a riqueza social, mas leva a uma
redistribuição da riqueza existente.[9]
O Dualismo Metodológico de Mises
Em seu livro Theory and
History, Mises, logo no início, aborda a questão do dualismo metodológico: a constatação de que as ações dos seres
humanos não podem ser analisadas de acordo com os métodos aplicados às ciências
naturais, nas quais o positivismo-empiricismo tornou-se a abordagem dominante.
Murray Rothbard observou que os objetos das
ciências naturais diferem radicalmente dos seres humanos, pois "é da essência
dos seres humanos que eles tenham objetivos e propósitos, e que eles tentem
atingir esses objetivos. Pedras, átomos
e planetas não têm objetivos e propósitos; logo, eles não têm de escolher entre
distintos modos de ação."[10]
E mais,
átomos e pedras podem ser investigados, seus movimentos e caminhos
representados num gráfico e previstos, ao menos em princípio, no mais exato
detalhe quantitativo. Já as pessoas, não
podem; a cada dia, as pessoas aprendem, adotam novos valores e objetivos, e
mudam suas mentes; as pessoas não podem ser segmentadas e previstas como podem
os objetos sem mentes ou sem a capacidade de aprender e escolher.[11]
A abordagem metodológica feita pela economia tradicional - que segue aquela
mesma aplicada no campo das ciências naturais - é o empiricismo. Mises rejeitou essa abordagem devida à
incompatibilidade da matéria estudada pelas duas disciplinas.[12]
As ciências naturais baseiam-se em experimentos de laboratório: o efeito das
mudanças de um elemento individual sobre outros elementos podem ser observados
em separado. O pesquisador constroi uma
hipótese e faz as necessárias observações para descobrir se tal hipótese é
certa ou errada.
A abordagem empírica se resume a um procedimento interminável de tentativa e
erro. Tal abordagem rejeitaria a noção
de uma verdade definitivamente estabelecida para as proposições, a qual hoje
talvez seja melhor ilustrada pelo raciocínio (quase niilista) de Sir Karl Raimund Popper
(1902-1994).
Popper sugeriu que uma hipótese não pode ser verificada de uma vez por
todas, dado que nenhuma quantidade finita de observações poderia jamais
demonstrar sua exatidão. Uma teoria pode
ser provisoriamente mantida até que ela seja finalmente falsificada; nesse
sentido, o verdadeiro conhecimento é
provisório.
Entretanto, essa abordagem é incompatível com a ciência econômica, pois "no
que diz respeito à ação humana, nenhum experimento de laboratório pode ser
realizado. Nunca temos condição de
observar a mudança em um elemento isolado, mantendo-se todos os demais
inalterados."[13]
Primeiro, testes empíricos são baseados em dados históricos, os quais devem
formar a base de toda a abordagem empírica das ciências sociais. Esses dados são eventuais, pois eles sempre são o resultado de fenômenos complexos.
Segundo - e isso é categoricamente diferente das leis naturais - as pessoas
podem aprender e de fato aprendem com a experiência, e tendem a mudar sua
escala de valores e suas preferências.
Como resultado, não se pode assumir relações temporalmente invariáveis
entre causa e efeito, como pode ser feito nas ciências naturais.
Se a economia é uma ciência apriorística logicamente dedutiva, como Mises
expôs, qual então é o papel dos testes empíricos, um procedimento que atingiu
uma importância central na atual ciência econômica? Qualquer esforço de se testar empiricamente
verdades logicamente deduzidas seria um exemplo de confusão intelectual.
Peguemos uma proposição sintética apriorística como o teorema de Pitágoras: a²
+ b² = c². Será que um teste empírico
desse teorema que foi deduzido logicamente iria trazer qualquer conhecimento
adicional? Não. Qualquer esforço desse tipo seria em vão e
sinalizaria um estado de desorientação intelectual. O mesmo vale para os esforços voltados para
se testar proposições econômicas que foram deduzidas logicamente.
Outro exemplo: a lei da utilidade
marginal decrescente. Ela afirma que
se a oferta de um bem aumentar em uma unidade, a valor atribuído a essa unidade
adicional necessariamente tem que ser
menor - pois essa unidade adicional pode ser utilizada somente como um meio
para se atingir um objetivo que é menos
valioso do que o objetivo que já fora anteriormente atingido com uma
unidade de tal bem, quando a oferta deste era menor.
[Por exemplo, imagine que você queira
ter um carro. Aí você ganha um
Fusca. Seu objetivo foi realizado. Se você ganhar outro Fusca idêntico, o valor
que você dará a ele será menor]
A Doutrina Empiricista-Positivista
Leva ao Relativismo Social
Basear a economia na doutrina do empiricismo é, com efeito, uma realização
errônea que leva a resultados falaciosos, uma vez que o empiricismo sofre de
sérias deficiências lógicas. O
empiricismo afirma que nada pode ser conhecido antes de um teste empírico. Porém, como podemos chegar a tal conclusão?
Não posso ser privado de fazer observações da realidade - alegadamente, a
única fonte de conhecimento do empiricismo.
Se assumirmos que a premissa do empiricismo é categoricamente verdadeira
- ou seja, que podemos dizer algo que a priori é uma verdade sobre como certos
eventos estão relacionados -, então estaremos desmentindo a própria tese do
empiricismo, qual seja, a de que todo conhecimento é hipotético por
natureza. O empiricismo não pode
fornecer um conhecimento apriorista, como ele (implicitamente) declara fazer.
Mais ainda: o empiricismo alega ser capaz de observar e mensurar a ação
humana. Entretanto, esses conceitos não
podem ser derivados da observação em si, como o empiricismo alega. Com efeito, eles requerem uma compreensão do
que significa observar e mensurar as pessoas.
De novo, o empiricismo tem de admitir que recorre ao conhecimento que se
baseia na compreensão e não na observação.
Na realidade, o empiricismo carrega consigo uma semente destrutiva: ao
rejeitar a possibilidade de qualquer verdade apriorística, o empiricismo
estimula a prática de todos os tipos de hipóteses, não importa quão equivocadas
elas possam ser. Para o positivista, não
há motivos para rejeitar qualquer hipótese desde sua formulação; ele segue o
lema do "vale tudo", e ele quer deixar que apenas a experimentação decida a
questão. Nesse sentido, a doutrina
empiricista-positivista leva ao nocivo relativismo
social.
Embora a abordagem empiricista possa ser relativamente inofensiva no campo
das ciências naturais, suas consequências nas ciências sociais são uma questão
completamente distinta. Por exemplo, se
uma hipótese previr efeitos que são amplamente tido como desejáveis, os
defensores do empiricismo no campo da economia terão uma justificativa para
tentar implementá-la e ver o que acontece.
Se, entretanto, o resultado não for aquele previsto pela hipótese, o
empiricismo não permite que se rejeite a hipótese como estando errada. Com efeito, o empiricismo imuniza a hipótese
ao dizer que o experimento que acaba de ser falsificado foi acidental, sugerindo
que experimentos ulteriores provariam a verdade da hipótese. Ou, alternativamente, o positivista iria
afirmar que o fracasso da hipótese se deveu a fatores não controlados
(omitidos), com isso agregando apoio para que o experimento social continue, ao invés de ser interrompido.
É esperado que os defensores da doutrina empiricista-positivista venham
majoritariamente do campo dos engenheiros sociais: o grupo de pessoas - isto é,
o governo e todos os seus defensores intelectuais - que quer
aumentar seu poder sobre os outros membros da sociedade.
A Engenharia Social da Oferta
Monetária - Um Exemplo Característico
Peguemos, por exemplo, a verdade apriorística de que qualquer aumento na
oferta monetária reduz o valor de troca do dinheiro, como explicado pelo axioma
da ação, e que uma política do governo voltada para a estabilização do valor do
dinheiro é uma tarefa impossível e com consequências desastrosas.
Em primeiro lugar, o dinheiro é um bem e, como qualquer outro bem, está
sujeito à lei da utilidade marginal
decrescente. Isso significa que a
utilidade marginal de uma unidade de dinheiro nas mãos de um agente de mercado
diminui se e quando a quantidade de dinheiro em suas mãos aumenta (tudo o mais
constante).[14]
Como resultado, sob um regime monetário que permita que a oferta monetária
aumente ao longo do tempo - seja o dinheiro controlado pelo governo ou gerado
pelo livre mercado -, o valor de troca do dinheiro não tem como permanecer
estável.
Os seres humanos agem. Ação implica
mudanças nas preferências das pessoas e na maneira como elas valoram bens e
serviços. O dinheiro não é uma exceção a
essa regra. Com efeito, mesmo que o
estoque de dinheiro permaneça inalterado, é de se esperar que seu valor em
relação a outros bens e serviços se altere ao longo do tempo, devido ao
inegável fato de que os humanos agem.
Mises, trabalhando em cima da obra de Carl Menger (1840-1921),
demonstrou de maneira lógica, com o seu teorema
da regressão, que o dinheiro pode se originar somente das trocas ocorridas
no livre mercado, e que o dinheiro tem em si um componente histórico. Por conseguinte, a origem do dinheiro pode
ser rastreada e encontrada na ação humana.
O dinheiro não pode ser estabelecido
pela ação coerciva do governo.[15]
Esse vislumbre de Mises traz consequências importantes para a ordem
monetária.
Mises estava ciente de que tudo o que é necessário para o cálculo econômico - para o qual o
dinheiro é uma ferramenta indispensável - é evitar grandes e abruptas
flutuações na oferta monetária. Ele forneceu
a fundação lógica que explica por que o mercado pode fornecer tal meio de
troca, sem qualquer necessidade de intervencionismo governamental.
A doutrina positivista-empiricista, entretanto, apóia a ideia de substituir
o dinheiro de livre mercado pelo monopólio governamental da oferta
monetária. Essa doutrina tornou popular
a ilusória noção de que dinheiro estável
seria um requisito desejável e indispensável para o cálculo econômico, e que
somente o governo, e não o livre mercado, poderia fornecer tal dinheiro.
Entretanto, dinheiro estável é, sem qualquer dúvida lógica, incompatível com
o axioma da ação humana:
A ideia de tornar estável o poder de compra não teve sua origem na
tentativa de tornar o cálculo econômico mais preciso. Ela decorreu do desejo de criar algo que
ficasse imune ao incessante fluir da atividade humana, um campo que não pudesse
ser afetado pelo processo histórico.[16]
Como indicado pelo axioma da ação humana, não há como existir dinheiro
estável. O controle governamental sobre
o estoque monetário não apenas fracassa em cumprir sua promessa; ele também se
torna a própria fonte das crises econômicas, pavimentando o caminho rumo a
doses cada vez maiores de interferência governamental sobre a ordem de livre
mercado - como descrito pela Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos.
Se o dinheiro tem necessariamente de surgir de uma commodity, o controle
governamental sobre a oferta monetária não pode ser logicamente estabelecido
sem violar direitos de propriedade.
Ademais, tal medida sempre se daria em detrimento da eficiência
econômica:
Os planos de um governo com vistas a determinar a quantidade de
dinheiro não podem jamais ser imparciais nem equitativos em relação a todos os
membros da sociedade. Quaisquer que sejam as medidas que um governo adote com a
intenção de influir no nível do poder aquisitivo, elas dependerão sempre dos
julgamentos de valor dos governantes. Favorecem sempre os interesses de alguns
grupos de pessoas em detrimento de outros grupos; jamais atendem o que é
chamado de bem comum ou de bem-estar público. As políticas monetárias não podem
estar baseadas em considerações de natureza científica.[17]
Mises estava bem ciente das consequências das crises e desigualdades
econômicas criadas pelo governo (ambas resultado direto de teorias que ignoram
o apriorismo nas ciências econômicas): as pessoas tornar-se-iam desiludidas com
o capitalismo. Elas passariam a ver o
intervencionismo governamental - enormemente auxiliado pelo sentimento
anti-livre mercado, que seria dominante - como a solução para as crises, e não
como a própria causa delas, estimulando doses cada vez maiores de controle
estatal sobre o indivíduo.
A Necessidade de Retornarmos ao
Apriorismo de Mises
A doutrina positivista-empiricista, a qual forma hoje o núcleo da ciência
econômica tradicional, não é apenas um fracasso intelectual; ela também estimula
- na verdade, gera - o relativismo social, abrindo as portas para políticas
anti-livre mercado, as quais, uma vez implementadas, dificilmente serão
contidas, muito menos revertidas. Nesse
sentido, o positivismo, se colocado em prática, é uma doutrina anticapitalista.
Um retorno ao grande vislumbre intelectual de Mises - a saber, que a ciência
econômica possui uma rigorosa fundação lógica, como exemplificada por sua
praxeologia - é urgentemente necessário para que possamos impedir danos
adicionais ao ideal da sociedade livre.
____________________________________________________
Notas
[1] Hoppe, H.-H.
(2007), A Ciência Econômica e o
Método Austríaco.
[2] O termo economia positiva
pode ser atribuído a Friedman, M (1953), Essays in Positive Economics, University
of Chicago Press, Chicago, em que ele de fato determina o processo
epistemológico adotado pela economia tradicional de hoje.
[3] Hayek, F. A. v.
(1980), "Individualism: True and False," Individualism and
Economic Order, University
of Chicago, p. 1.
[4] Ver, por
exemplo, Hoppe, H.-H. (2006), "A praxeologia e os fundamentos
praxeológicos da epistemologia". Também Leeson, P., e P. Boettke (2006),
"Was Mises Right?" Review of Social Economy, Taylor
and Francis Journals, Vol. 64, June, pp. 247-265.
[5]
Ver nesse contexto Rothbard, M. N. (1997),"Praxeology: The Methodology of
Austrian Economics," The Logic of Action One: Method, Money, and
the Austrian School,
by Murray N. Rothbard, Cheltenham,
UK: Edward
Elgar, pp. 58-77.
[6] Mises,
L. v. (1996), Ação Humana, 4th edition, Fox & Wilkes, San
Francisco, p. 32.
[7] Hoppe,
H.-H. (2007), p. 25.
[8] Para uma explicacação, ver Rothbard, M. N. (2004), Man,
Economy, and State, with Power and Market, Ludwig von Mises
Institute, Capítulo 1.
[9] Hoppe,
H.-H. (2001), Democracy: The God That Failed, New Brunswick, N. J., Transaction
Publishers, pp. xvii.
[10]
Murray N. Rothbard, prefácio para Mises, L. v. (2007), Theory and History,
Ludwig von Mises Institute, Auburn,
p. xiii.
[11]
Ibid.
[12] Ver
Mises, L. v. (1978), The Ultimate Foundation of Economic Science,
Sheed, Andrews & McMeel, Kansas City, pp. 6-7.
[13] Mises,
L. v. (1996), p. 31.
[14] Frequentemente se diz que o valor de troca do
dinheiro permaneceria inalterado se o aumento na oferta monetária se der em
conjunto com uma inalterada demanda por
dinheiro (isto é, o agente manteria em seus encaixes a mesma quantidade de
moeda de antes). Embora tal conclusão
seja indiscutível, ela não se baseia em uma análise
parcial. Afinal, o analista estaria
variando um fator ao mesmo tempo em que mantém constante todos os outros
fatores. Ao fazer isso, pode-se dizer
que um aumento na oferta monetária tem necessariamente de, ceteris paribus, levar a um declínio no valor de troca do dinheiro.
[15] Rothbard
demonstrou que um monopólio governamental sobre a oferta monetária pode ser
estabelecido apenas por meio de um ato de expropriação. Ver Rothbard, M. N. (1990), What Has Government Done to Our Money?,
Ludwig von Mises Institute, Auburn,
Alabama, capítulo III,
"Government Meddling with Money."
[16] Mises, L. v. (1996),
p. 224.
[17] Ibid, p. 422.