Em
sua última coluna
semanal no The New York Times, o
vencedor do Prêmio Nobel Paul Krugman esgrime argumentos tão inacreditáveis,
que o comitê do Nobel de Economia em Estocolmo deveria pedir a devolução da
medalha.
Antes
de comentar alguns parágrafos, permita-me apenas mencionar a única coisa que
Krugman acerta em sua coluna: ele menciona o fato de que a moeda chinesa, o renminbi,
está artificialmente subvalorizada; e que, como resultado disso, ela está
causando distúrbios na economia global.
Quanto
a isso, ele está certo. Mas a questão é
que ele realmente desconhece quais são os reais problemas e o que ocorrerá tão
logo a moeda chinesa seja valorizada.
Sim, ele de fato ganhou o Prêmio Nobel de Economia; porém, se o comitê
adotasse a política de pedir a devolução de seus prêmios para aqueles laureados
que demonstrassem uma completa falta de noções econômicas, certamente Paul
Krugman seria o primeiro nome da lista de chamada. Com efeito, após essa última coluna ele
realmente deveria devolver espontaneamente sua medalha, pois ficou claro que
não há motivos para ele mantê-la.
Eis
um dos parágrafos de seu artigo:
O que você deve perguntar é: o
que aconteceria se a China tentasse vender uma grande parte de seus títulos
americanos? As taxas de juro iriam
disparar? As taxas de juro de curto
prazo dos Estados Unidos não se alterariam: elas já vêm sendo mantidas próximo
de zero pelo Fed (Federal Reserve, o banco central americano), que não irá
elevá-las enquanto a taxa de desemprego não cair. As taxas de longo prazo poderiam aumentar
levemente, mas elas são determinadas principalmente pelas expectativas de
mercado quanto às taxas de curto prazo futuras.
Não,
elas não são! As taxas de juros de longo
prazo [aquelas vigentes para títulos com
prazo de maturação maiores que dois anos] se formam de acordo com as
expectativas de inflação. E se os credores
perceberem que a política monetária do Fed está muito frouxa, que ele está
mantendo a taxa básica de juros em níveis extremamente baixos, as taxas de
juros de longo prazo irão subir. Krugman
se perdeu e entendeu tudo errado.
E
aí ele finaliza o parágrafo:
Além disso, se os chineses
pararem de comprar títulos americanos, o Fed poderia compensar o impacto que
isso teria sobre as taxas de juros aumentando suas próprias aquisições de
títulos de longo prazo.
É
aqui que ele se revela. O que Paul
Krugman está sugerindo é que, se a China parar de comprar títulos da dívida
americana, não haverá problemas, pois o Fed poderá comprá-los - é só imprimir
dinheiro.
Ora,
uma coisa é haver compradores legítimos para os títulos da dívida; outra,
totalmente diferente, é colocar o Fed para monetizar a dívida, isto é, imprimir
dinheiro para comprar os títulos. Quando
o governo chinês compra os títulos do governo americano, é a oferta monetária
chinesa que cresce [como a taxa de câmbio
entre o dólar e o renminbi é fixa, o banco central chinês tem de imprimir
dinheiro para comprar dólares para poder comprar os títulos]; porém, quando
é o Fed quem compra os títulos americanos, é a oferta monetária dos EUA que
cresce. Há uma enorme diferença entre os
dois métodos.
Se
o que Krugman está falando estivesse certo, se o fato de não haver demanda
(interna e externa) pelos títulos da dívida do governo de um país não fosse
algo importante, e se, consequentemente, cada país pudesse sair imprimindo
dinheiro para comprar esses títulos que ninguém quer, então nunca haveria
hiperinflação. O Zimbábue seria hoje uma
potência.
Outra
coisa que Krugman não entende é que não seria apenas a China quem estaria se
livrando dos títulos americanos. Se o
Fed realmente começasse a fazer o que Krugman está sugerindo - colocar as
impressoras a pleno para comprar todos os títulos americanos que os chineses
quisessem vender -, então todos os outros países que também possuem títulos do
governo americano iriam fazer o mesmo: os japoneses, os sauditas, os europeus,
os latino-americanos, todos eles também começariam a vender os títulos
americanos. Ninguém iria querer ficar
por último, com o risco de não receber nada.
E,
é claro, uma outra coisa que Krugman não entende é que os chineses não precisam
ter o trabalho de vender os títulos americanos que possuem. Eles simplesmente podem não aceitar rolá-los
[trocar um título vincendo por outro com
prazo de maturação maior]. Como o
grosso da dívida dos EUA é de curto prazo, os chineses nem precisam vender os
títulos que possuem; tudo o que precisam fazer é esperar os títulos maturarem e
simplesmente pedir o pagamento do principal.
Agora
leia o parágrafo seguinte, no qual ele vai do sublime ao ridículo:
É verdade que, se a China
liquidasse seus ativos dos Estados Unidos, o valor do dólar cairia frente ao de
outras moedas importantes, como o euro. Mas isso seria bom para os Estados
Unidos,
Ou
seja, o dólar perdendo valor é uma coisa boa para os EUA. Eis o porquê, segundo Krugman:
uma vez que tornaria nossos bens
mais competitivos e reduziria nosso déficit
comercial.
De
quais bens ele está falando? O déficit
comercial americano não vai cair porque as suas exportações ficarão mais
competitivas; ele vai cair porque os EUA não serão mais capazes de importar. O resultado imediato de uma queda do dólar
não será uma explosão das exportações; será um colapso das importações. E o fato de os americanos não mais terem
acesso a esses produtos importados não vai ajudar em nada a economia dos
EUA. No longo prazo, é claro que isso
terá de acontecer, mas Krugman acha que tal medida é uma panacéia. Não é.
É um remédio extremamente amargo que os americanos terão de
engolir. E, no final, quem sairá
perdendo serão os americanos, e não os chineses.
Finalmente,
Por outro lado, seria ruim para
a China, que sofreria grandes perdas em seu patrimônio em dólares. Em resumo,
agora os Estados Unidos colocaram a China em uma sinuca, não o contrário.
Ou
seja, se o dólar entrar em colapso, a China sofrerá um baque por causa de suas
enormes reservas em dólares. Mas, e os
americanos? Qual será o baque? Tudo o que os americanos têm são
dólares. A poupança, os salários, tudo
está em dólar. É verdade que a China tem
um trilhão de dólares em reservas, mas isso é apenas uma parte do seu
portfólio. A moeda dos chineses é o
renminbi, seus salários estão em renminbi, o grosso de sua poupança está em renminbi. Mesmo que o dólar perca seu valor, os
chineses ainda terão sua capacidade produtiva, sua mão-de-obra, suas indústrias
e seu capital. Sim, eles sofrerão um
baque; eles descobrirão que estavam financiando a fundo perdido os americanos,
e, consequentemente, vão parar de fazer isso.
Mas o maior estrago ocorrerá nos EUA.
Com uma moeda sem valor, toda a poupança e poder de compra do país serão
aniquilados.
A
título de comparação, pense no final da década de 1990, no estouro da bolha das
empresas pontocom. Várias empresas
estavam financiando as pontocom, emprestando dinheiro para que elas comprassem
produtos. Quando a bolha estourou, essas
empresas financiadoras sofreram grandes baques em suas receitas; porém elas
sobreviveram e prosperaram. Já as
pontocom sumiram. É isso que vai
acontecer entre China (empresas financiadoras) e EUA (as pontocom); trata-se de
uma relação que não pode persistir. O modo
como Krugman analisa a relação comercial entre os dois países é mais insana do
que o modo como as pessoas pensavam que a bolha imobiliária americana era algo
sólido e que iria durar para sempre.
A
ideia de que uma economia como a chinesa depende de exportações é uma
falácia. Ela depende de produção. O fato de que eles decidiram exportar sua
produção é, na verdade, uma perda. Eles
estariam em melhor situação se estivessem eles próprios consumindo sua produção
- algo que eles poderiam facilmente fazer caso o governo permitisse que o
renminbi se apreciasse, o que geraria um declínio nos preços internos.
As
pessoas creem que os chineses são muito pobres, e que não há demanda suficiente
na China para consumir toda a sua produção.
Tolice. Como ensinou Jean-Baptiste
Say, a oferta cria demanda; o fato de que os chineses podem produzir significa
que eles podem consumir. O que faz uma
pessoa produzir é justamente seu desejo de consumir. Ninguém produz por esporte. E o fato de que os EUA não mais podem produzir
significa que eles não mais deveriam consumir - não no nível atual.
Os
EUA só continuam consumindo no nível atual porque outras nações produtivas
estão permitindo isso. Elas exportam sua
produção para os EUA e ao mesmo tempo emprestam o dinheiro para os americanos
pagar por elas. Isso um dia vai acabar.
Infelizmente,
pessoas como Paul Krugman ainda não entenderam isso, ainda não conseguiram
ligar os pontos. Elas percebem que há um
problema, mas não conseguem entendê-lo.
Acham ridiculamente que os americanos colocaram os chineses numa sinuca,
quando a situação é praticamente oposta.
E essa ideia, então, de que os chineses irão financiar os americanos
eternamente, e que outros países farão o mesmo, apenas porque não querem perder
o dinheiro de seus investimentos? Acham
que os americanos poderão impunemente continuar pegando dinheiro do resto do
mundo? E que, caso esse processo seja
interrompido, os americanos poderão simplesmente imprimir todo o dinheiro que
quiserem sem que isso cause inflação de preços e sem que afete os juros? Que teoria é essa?
De
acordo com Krugman, enquanto os EUA tiverem uma alta taxa de desemprego, o país
poderá imprimir o tanto de dinheiro que quiser, pois os juros não subirão e não
haverá inflação.
Aviso
àqueles que pensam assim, inclusive Krugman: o despertar para a realidade será
mórbido. Tal postura, repito, é ainda
mais irracional do que a daquelas pessoas que acreditavam que a bolha das
pontocom representava uma nova era da economia e que os altos preços
imobiliários eram justificáveis pelos fundamentos, sendo que, por isso, eles
iriam subir eternamente.
No
futuro, quando historiadores estiverem escrevendo sobre esse período, as
pessoas que lerem vão dizer: "É inacreditável que as pessoas daquela época tenham
sido tão idiotas assim".
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Mais
sobre a questão chinesa: O mercantilismo asiático, o calote
americano e suas consequências