É um clichê dizer que, se não estudarmos o passado, estamos condenados a
repeti-lo. Algo praticamente infalível,
também, é o fato de que, se há lições a serem aprendidas de um episódio
histórico, a classe política irá sempre se ater às erradas - e deliberadamente.
Longe de verem o passado como uma potencial fonte de sabedoria e
discernimento, os regimes políticos têm o hábito de utilizar a história como
uma arma ideológica, que deve ser distorcida e manipulada sempre a serviço das
ambições do presente. Foi isso o que
Winston Churchill tinha em mente quando descreveu a história da União Soviética
como "imprevisível".
Por essa razão, não é nenhuma surpresa que os líderes políticos tenham feito
um uso tão transparentemente ideológico do passado na esteira da crise
financeira que atingiu o mundo em 2008.
De acordo com a sabedoria convencional, que é incessantemente repetida,
a temida Grande Depressão americana da década de 1930 foi o resultado de um
excesso de capitalismo, e somente as sábias intervenções políticos
progressistas da época foram capazes de restaurar a prosperidade.
Muitos daqueles que reconhecem que os programas do New Deal não tiveram êxito
em retirar os EUA da depressão não hesitam, todavia, em sugerir que o que
realmente acabou com a depressão foram os maciços gastos governamentais
ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial.[1] (Mesmo alguns autoproclamados livre-mercadistas
incorrem nessa última alegação, atitude essa que equivale a apoiar todo o
argumento teórico feito pelos defensores dos pacotes de estímulos fiscais).
A conexão entre essa versão da história e os eventos atuais é óbvia: mais
uma vez alega-se que o capitalismo desregulado criou uma apavorante bagunça, e
mais uma vez alega-se que somente uma combinação de estímulos fiscais e
monetários pode salvar o mundo.
A fim de fazer com que essa versão dos eventos se sustente, pouca ou quase
nenhuma menção é feita à depressão de 1920-1921. E não é à toa - aquela experiência histórica
esvazia completamente as ambições daqueles que prometem soluções políticas aos
desequilíbrios reais que existem no âmago de todas as recessões econômicas.
A sabedoria convencional afirma que, na ausência de uma política anticíclica
do governo, seja ela fiscal ou monetária (ou ambas), é impossível haver uma
recuperação econômica - pelo menos não sem uma longa e intolerável demora. Entretanto, políticas exatamente opostas
foram seguidas durante a depressão de 1920-1921 nos EUA, e a recuperação não
tardou a vir.
A situação econômica nos EUA em 1920 era sinistra. Naquele ano o desemprego havia pulado de 4%
para quase 12%, o PNB havia declinado 17%.
Não é de se estranhar, portanto, que o então Secretário de Comércio [equivalente ao nosso Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior] Herbert Hoover - até hoje
falsamente descrito como um entusiasta do laissez-faire - tenha instado
veementemente o então presidente Warren G. Harding a fazer uma série de
intervenções para reativar a economia.
Mas Hoover foi ignorado.
Ao invés de um "estímulo fiscal", Harding reduziu o orçamento do governo
praticamente à metade entre 1920 e 1922: os gastos federais declinaram de $6,3
bilhões em 1920 para $5 bilhões em 1921 e $3,3 bilhões em 1922. E o restante da abordagem de Harding foi
igualmente laissez-faire: o imposto de renda foi diminuído para todos os grupos
de renda e a dívida nacional foi reduzida em 33%.
A atividade do Federal Reserve, o banco central americano, foi praticamente
imperceptível. Como um historiador
econômico escreveu, "Apesar da severidade da contração econômica, o Fed não
utilizou seus poderes para aumentar a oferta monetária e combater a recessão".[2] No terceiro
trimestre de 1921, os sinais da recuperação já eram visíveis. No ano seguinte, o desemprego caiu para 6,7%,
e em 1923 já estava em 2,4%.
É bastante instrutivo comparar a resposta americana nesse período à
japonesa. Em 1920, o governo japonês
introduziu os fundamentos de uma econômica planificada, cujo objetivo era
manter os preços artificialmente altos.
De acordo com o economista Benjamin Anderson,
Os grandes bancos, as indústrias concentradas e o governo entraram em
conluio, destruíram a liberdade dos mercados, interromperam o declínio nos
preços das commodities, e mantiveram o nível de preços do Japão acima do
declinante nível de preços mundial por sete anos. Durante esses anos, o Japão sofreu uma
crônica estagnação industrial e, ao final, em 1927, enfrentou uma crise
bancária de tamanha severidade que muitas filiais de grandes bancos foram à
falência, assim como várias indústrias.
Foi uma política estúpida. No
esforço de se impedir que ocorressem prejuízos com os estoques de um ano de
produção, o Japão perdeu sete anos.[3]
Os Estados Unidos, em contraste, permitiram que sua economia se
reajustasse. "Em 1920-21", escreveu
Anderson,
encaramos nossos prejuízos, reajustamos nossa estrutura financeira,
suportamos nossa depressão e, em agosto de 1921, recomeçamos nosso
crescimento.. A reação ocorrida na produção e no emprego, que começou em agosto
de 1921, foi solidamente baseada em uma limpeza drástica do crédito malfeito,
em uma drástica redução nos custos de produção, e na livre concorrência da
iniciativa privada. A reação não se baseou em nenhuma política
governamental criada para subsidiar os negócios.
O governo americano não fez aquilo
que os economistas keynesianos desde então vêm insistindo para que os países
façam: praticar déficits orçamentários e estimular vários setores da economia
via aumento de gastos. Ao contrário,
prevaleceu a antiquada ideia de que o governo deveria manter a tributação e os
gastos em níveis baixos e reduzir a dívida pública.[4]
Esses foram os temas econômicos da gestão presidencial de Warren
Harding. Poucos presidentes americanos
são mais impopulares entre historiadores do que Harding, que é rotineiramente
retratado como um bobo desajeitado que caiu de pára-quedas na
presidência. Entretanto, quaisquer que tenham sido suas deficiências
intelectuais - e elas foram grotescamente exageradas, como recentes estudiosos
vêm admitindo - e quaisquer que tenham sido seus defeitos morais (seu gabinete
sofreu acusações de corrupção), ele compreendeu os fundamentos da expansão
econômica, da recessão e da recuperação melhor do que qualquer outro presidente
do século XX.
Em seu discurso de aceitação após ser confirmado como o candidato
Republicano à presidência dos EUA, Harding declarou,
Tentaremos uma deflação inteligente e corajosa, e atacaremos a prática
do endividamento governamental, algo que só aumenta o infortúnio e a
nocividade, e atacaremos o alto custo do governo com todos os meios e energia
inerentes à capacidade republicana. Prometemos o alívio que advirá da
interrupção do gasto e da extravagância, e a renovação da prática da economia
do setor público, não apenas porque isso irá aliviar o fardo tributário, mas
também porque será um exemplo para se estimular a poupança e a economia na
esfera privada.
Estimulemos todas as pessoas a poupar e a economizar, a recorrerem ao
sacrifício e à renúncia se preciso for, a uma iniciativa nacional contra a
extravagância e a magnificência, a um recomprometimento à simplicidade de vida,
àquele plano de vida prudente e normal que caracterizam a saúde da
república. Desde que a história da
humanidade foi escrita pela primeira vez, os efeitos devastadores trazidos
pelos gastos e anormalidades de uma guerra só são superados por meio do trabalho
e da poupança, da produção e da abnegação - ao passo que a gastança
desnecessária e a extravagância insensata foram as responsáveis por todos os
declínios na história das nações.
É desnecessário chamar a atenção para o fato de que esse conselho de Harding
- que por incrível que pareça foi dito em um discurso em uma convenção política
- é o oposto daquele que os supostos especialistas nos recomendam veementemente
hoje. Inflação, aumento dos gastos
públicos e agressões às poupanças privadas, tudo isso combinado a clamores por
mais consumismo pródigo: esse é o programa para uma "recuperação" no século
XXI.
Não surpreendentemente, muitos dos atuais economistas que estudaram a
depressão de 1920-1921 se mostraram incapazes de explicar como a recuperação foi
tão rápida e integral mesmo com o governo federal e o banco central tendo se
recusado a aplicar qualquer uma das ferramentas macroeconômicas - gastos em
obras públicas, déficits orçamentários e políticas monetárias inflacionistas -
que a sabedoria convencional hoje preconiza como sendo a solução para as
contrações econômicas. O economista
keynesiano Robert A. Gordon admitiu que "as políticas governamentais para
moderar a depressão e acelerar a recuperação foram mínimas. As autoridades do Federal Reserve foram
amplamente passivas... Apesar da ausência de uma política governamental de
estímulo, a recuperação não demorou."[5]
Outro historiador econômico admitiu que "a economia recuperou-se rapidamente
da depressão de 1920-1921 e adentrou um período de crescimento bastante
vigoroso", porém, como a maioria dos historiadores, ele preferiu não tecer mais
comentários sobre esse fenômeno e nem extrair dele qualquer aprendizado.[6] "Isso foi em
1921", escreveu com ares de superioridade Kenneth Weiher, "muito antes do
conceito de política anticíclica ter sido aceito ou mesmo compreendido"[7] Pode ser que as pessoas daquela época ainda não tinham
"entendido" o conceito de política anticíclica, mas a recuperação veio de todo
jeito - e rapidamente.
Um dos mais pervertidos tratamentos do assunto em questão pode ser
encontrado nos escritos de dois historiadores do governo Harding, os quais
insistem que, caso os governos se recusem a confiscar a maior parte da renda
dos cidadãos mais ricos, a economia jamais será estável:
Os cortes de impostos, junto com a ênfase dada ao abatimento da dívida
nacional e à redução dos gastos federais, serviram apenas para favorecer os
ricos. Muitos economistas concordam que
uma das principais causas da Grande Depressão de 1929 foi a desigual
distribuição de renda, a qual pareceu ter se acelerado durante a década de
1920, e que foi resultado desse retorno à normalidade. Cinco por cento da população americana
detinha mais de 33% da riqueza nacional em 1929. Esse grupo não foi capaz de utilizar sua
riqueza responsavelmente... Ao contrário, eles estimularam a perniciosa
especulação na bolsa de valores, bem como o crescimento econômico desigual.[8]
Se essa teoria - ou pelo menos essa tentativa absurda de se criar uma -
fosse correta, o mundo viveria em um constante estado de depressão. Não havia absolutamente nada de atípico no
padrão de riqueza dos EUA nos anos 1920.
Disparidades muito maiores já existiram (e existem) em inúmeros lugares
e em épocas diferentes, sem que gerassem qualquer distúrbio semelhante.
Com efeito, a Grande Depressão na realidade veio exatamente quando ocorria
um dramático aumento na fatia da renda nacional ocupada pelos salários - e uma
queda na fatia ocupada por juros, dividendos e renda empresarial.[9] O que prova que,
para se obter a prosperidade, não é necessária nenhuma expropriação violenta da
renda dos indivíduos.
Entretanto, não basta demonstrar que a prosperidade surge da ausência de
estímulos fiscais ou monetários. É
preciso entender por que esse resultado é o esperado - em outras palavras, por
que a restauração da prosperidade na ausência dos remédios amplamente
receitados pelos economistas modernos não foi um fato raro e irrelevante ou um
resultado do mero acaso.
Primeiro, é preciso antes de tudo examinar por que a economia de mercado é
atormentada pelos ciclos de expansão e recessão. O economista britânico Lionel Robbins fez a
seguinte pergunta em seu livro The Great
Depression, de 1934: Por que todos empreendedores repentinamente cometem
um "conjunto de erros" ao mesmo tempo?
Dado que o mercado, por meio do sistema de lucros e prejuízos, está
constantemente eliminando os empreendedores menos competentes, por que é que
aqueles relativamente mais capacitados, os quais foram recompensados pelo
mercado com lucros e com o controle sobre recursos adicionais, repentinamente
cometem erros graves - e todos na mesma direção? Será que algo fora da economia de mercado -
ao invés de algo inerente a ela - pode ser o responsável por esse fenômeno?
Ludwig von Mises e F.A. Hayek apontaram a expansão artificial do crédito,
normalmente sob os auspícios de um banco central criado pelo governo, como sendo o
culpado extramercado. (Hayek ganhou o
Prêmio Nobel em 1974 pelo seu trabalho sobre o que é hoje conhecida como a
teoria austríaca dos ciclos econômicos.)
Quando o banco central expande a oferta monetária - por exemplo, quando
ele compra títulos do governo em posse dos bancos -, ele faz isso criando
dinheiro essencialmente do nada.
Esse dinheiro vai diretamente para os bancos comerciais (caso os títulos
estejam em posse de outra entidade qualquer, o dinheiro vai para essa entidade,
que acabará depositando-o em sua conta bancária, fazendo com que o destino
final do dinheiro também seja os bancos comerciais). Da mesma forma que o preço de um bem qualquer
tende a diminuir quando sua oferta aumenta, o influxo de dinheiro recém-criado
causa uma diminuição nas taxas de juros, uma vez que os bancos tiveram um
aumento nos seus fundos disponíveis para empréstimos.
As taxas de juros mais baixas estimulam o investimento em projetos de longo
prazo, os quais são mais sensíveis aos juros do que os projetos de curto prazo. (Compare os juros que são pagos mensalmente
para quitar empréstimos de 30 anos com os juros que são pagos mensalmente para
quitar um empréstimo de 2 anos - uma pequena redução nos juros terá um impacto
substancial no primeiro caso, mas um impacto desprezível no segundo). Investimentos adicionais em, por exemplo,
pesquisa e desenvolvimento (P&D), os quais podem levar anos para produzir
resultados, irão repentinamente parecer lucrativos, ao passo que não teria sido
lucrativo fazê-los sem esses menores custos de financiamento trazidos pelas taxas
de juros mais baixas.
Na estrutura de produção de uma economia (estrutura do capital), dizemos que
P&D é um estágio de produção de "ordem mais alta" do que uma loja de varejo
que vende chapeus, por exemplo, já que chapeus estão imediatamente disponíveis
para os consumidores, ao passo que os resultados comerciais da P&D só
estarão disponíveis daqui a um tempo relativamente longo. Quanto mais perto um estágio da produção
estiver do produto final a ser comercializado, mais baixo é o estágio que ele
ocupa na estrutura de produção.
No livre mercado, as taxas de juros coordenam a produção ao longo do
tempo. Elas garantem que a estrutura de
produção seja configurada sempre de maneira a estar de acordo com as
preferências dos consumidores. Se os
consumidores querem que haja mais bens de consumo disponíveis agora, os
estágios de ordem mais baixa da estrutura de produção vão se expandir. Se, por outro lado, eles estão dispostos a
adiar o consumo atual (consumindo menos, poupando mais), as taxas de juros irão
estimular os empreendedores a aproveitar essa oportunidade para empregar seus
fatores de produção em projetos que não estão voltados para a satisfação dos
desejos imediatos dos consumidores, mas que, tão logo se tornem uma realidade,
irão gerar uma maior oferta de bens de consumo no futuro.
Se as taxas de juros mais baixas no nosso exemplo tivessem sido o resultado
de uma poupança voluntária da parte do público, e não de uma intervenção do
banco central, a diminuição relativa nos gastos em consumo - que é o equivalente a um aumento da poupança - teria liberado recursos para serem utilizados nos
estágios de ordem mais alta da estrutura de produção. Em outras palavras, caso haja uma genuína
poupança, a demanda por bens de consumo sofre um declínio relativo; as pessoas
estão poupando mais e gastando menos do que antes.
As indústrias de bens de consumo, por sua vez, sofrem uma relativa contração
em resposta a essa diminuição na demanda por bens de consumo. Os fatores de produção que essas indústrias
utilizavam - serviços de transporte de carga, por exemplo - são agora liberados
para serem utilizados em estágios mais remotos da estrutura de produção. O mesmo ocorre com a mão-de-obra, aço e
outros insumos não específicos.
Quando há alguma interferência na estrutura da taxa de juros - que até então
vinha sendo determinada livremente pelo mercado -, essa função coordenadora é
perturbada. Um aumento dos investimentos
nos estágios de ordem mais alta da estrutura de produção ocorre em um momento
em que a demanda por bens de consumo não foi reduzida. A estrutura da produção é distorcida de tal
modo que ela não mais corresponde ao padrão temporal determinado pelas demandas
dos consumidores. Os consumidores estão
demandando bens no presente justamente em um momento em que está havendo um
desproporcional aumento nos investimentos para a produção de bens futuros.
Portanto, quando taxas de juros mais baixas são resultado de uma política do
banco central, e não de um aumento genuíno na poupança, não houve nenhum recuo
na demanda do consumidor. (Na verdade,
as taxas mais baixas deixam as pessoas ainda mais propensas a se endividar e
gastar). Nesse caso, não houve uma
liberação de recursos para que estes sejam usados nos estágios de ordem mais
alta. A economia encontra-se, portanto,
em um cabo-de-guerra, com recursos sendo disputados entre os estágios de ordem
mais alta e os estágios de ordem mais baixa da estrutura de produção.
Com o passar do tempo, os recursos vão se revelando inesperadamente escassos,
o que gera um aumento dos custos. Esse
aumento dos custos ameaça a lucratividade dos projetos de ordem mais alta. O banco central pode expandir artificialmente
o crédito ainda mais, com o intuito de reforçar a posição dos estágios de ordem
mais alta nesse cabo-de-guerra. Mas isso
irá meramente adiar o inevitável.
Se o padrão de poupança e consumo que foi livremente escolhido pelos
indivíduos não estiver dando respaldo a esse desvio de recursos para os
estágios de ordem mais alta - mais ainda, se ele estiver na realidade forçando
os recursos a voltarem para aquelas empresas que lidam diretamente com bens de
consumo finais -, então o banco central está numa guerra contra a
realidade. Ele terá que, em algum
momento futuro, decidir se - a fim de validar toda a expansão havida nos
estágios de ordem mais alta - ele está preparado para expandir o crédito a uma
taxa galopante e arriscar a destruição total da moeda, ou se, ao contrário, ele
deve diminuir ou mesmo interromper sua expansão monetária e deixar que a
economia se ajuste sozinha às condições reais.
É importante observar que o problema não está relacionado a uma insuficiência nos gastos em consumo,
como a popular noção keynesiana nos faria crer.
No mínimo, o problema advém de um excesso
de gastos em consumo, o que impede que haja um suficiente direcionamento de
fundos para outros tipos de gasto - a saber, a expansão de estágios de produção
de ordem mais alta, os quais não podem ser lucrativamente concluídos porque os
recursos necessários para tal estão sendo absorvidos exatamente pela inesperada
e relativamente mais robusta demanda por bens de consumo. Estimular os gastos em consumo irá apenas
piorar as coisas, pois irá estrangular ainda mais os fundos disponíveis para
investimento, deteriorando a já declinante lucratividade dos investimentos nos
estágios de ordem mais alta.
Observe também que o fator gerador dos ciclos econômicos não é um fenômeno
inerente ao livre mercado. É a intervenção no mercado que gera o ciclo
do crescimento insustentável seguido da inevitável recessão.[10] Como o estudioso dos ciclos econômicos Roger
Garrison sucintamente coloca, "A poupança nos dá um crescimento genuíno; a
expansão do crédito nos dá a expansão seguida da recessão."[11]
Esse fenômeno antecede todos os grandes ciclos econômicos, incluindo-se aí a
crise de 2008 e a
depressão de 1920-1921. Os anos
anteriores a 1920 foram caracterizados por um aumento maciço na oferta
monetária por meio do sistema bancário, com o compulsório dos bancos sendo
reduzidos à metade após a criação do Federal Reserve em 1913 e, depois, com a
considerável expansão do crédito feita pelos próprios bancos.
O total de depósitos bancários mais que dobrou entre janeiro de 1914, quando
o Fed foi inaugurado, e janeiro de 1920.
Esse tipo de criação artificial de crédito é que gera os ciclos
econômicos. O Fed também manteve sua
taxa de redesconto (a taxa que ele cobra por empréstimos feitos diretamente aos
bancos) em um nível baixo durante toda a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e
por um breve período depois dela. O Fed só
começou a adotar uma postura mais contracionista no final de 1919.
O economista Gene Smiley, autor de The
American Economy in the Twentieth Century, observa que "A visão mais
comum é a de que a política monetária do Fed foi o principal determinante do
fim da expansão econômica e da inflação, e do início da subsequente contração
econômica e da severa deflação de preços."[12] Tão logo
o crédito começou a se contrair, os agentes de mercado repentinamente começaram
a perceber que a estrutura de produção tinha de ser rearranjada, e que as
linhas de produção que dependiam do crédito fácil representavam um investimento
errôneo que sequer deveria ter sido iniciado - e que agora precisava ser
liquidado.
Agora podemos fazer uma avaliação daquelas propostas perenemente em voga,
como "estímulos fiscais" e seus vários similares. Pense na situação da economia logo após a
expansão econômica artificial. Ela está
repleta de desequilíbrios. Recursos em
excesso foram empregados nos estágios de produção de ordem mais alta e recursos
insuficientes foram empregados nos estágios de produção de ordem mais baixa.
Esses desequilíbrios precisam ser corrigidos por empreendedores que,
atraídos por taxas de lucro mais altas nos estágios de ordem mais baixa,
retiram recursos daqueles estágios que se expandiram excessivamente e os
direcionam para os estágios de ordem mais baixa, onde estão sendo mais
demandados. É essencial que haja
absoluta liberdade de preços e salários para que essa tarefa possa ser
cumprida, uma vez que preços e salários são ingredientes indispensáveis para a
avaliação empreendedorial.
À luz dessa descrição da economia do pós-boom, podemos ver o quão inúteis, até
mesmo irrelevantes, são os esforços de um estímulo fiscal. O mero ato governamental de se gastar
dinheiro em projetos arbitrariamente escolhidos em nada ajuda a corrigir os
desequilíbrios que levaram à crise.
Não foi um declínio nos "gastos" per
se que causou todo o problema. Foi o
descompasso entre, de um lado, o tipo de produção que a estrutura do capital
foi erroneamente levada a empreender, e, de outro, o padrão da demanda do
consumidor, que é incapaz de sustentar a estrutura da produção como ela está.
E não é incorreto se referir aos recebedores do estímulo fiscal como
projetos arbitrários. Dado que o governo
não funciona sob o mesmo mecanismo de lucros e prejuízos que guia uma empresa
privada, e dado que ele pode adquirir recursos adicionais por meio da
expropriação direta do público, ele não tem como saber se está de fato
satisfazendo as demandas do consumidor (considerando-se que ele realmente
esteja preocupado com isso) ou se o uso que ele está fazendo dos recursos é
grotescamente descuidoso e desperdiçador.
Não obstante a retórica popular, o governo não pode ser gerido como uma
empresa.[13]
Estímulos monetários também não são de nenhuma valia. Ao contrário, eles apenas intensificam o
problema. Em Ação Humana, Mises compara uma economia sob a influência de uma
expansão artificial do crédito a um mestre-de-obras encarregado de construir
uma casa, sendo que (sem que ele saiba) não há tijolos suficientes disponíveis
para completá-la. Quanto mais cedo ele
descobrir esse erro, melhor. Quanto mais
tempo ele insistir nesse projeto insustentável, mais recursos e mais tempo de
trabalho serão irremediavelmente desperdiçados.
Com isso, no final todos estarão mais pobres, pois capital foi consumido
a troco de nada.
Estímulos monetários meramente encorajam os empreendedores a continuarem
empreendendo seus projetos insustentáveis.
É como se, ao invés de alertarem o mestre-de-obras de que está faltando
tijolo, seus subordinados simplesmente escondessem dele esse fato,
ludibriando-o a fim de adiar a inevitável descoberta da verdade. Tais medidas não fazem com que a derradeira
recessão possa ser evitada - apenas tornam-na mais dolorosa.
Se a visão austríaca estiver correta - e creio que as evidências teóricas e
empíricas fortemente indicam que está -, então a melhor abordagem para se
estimular a recuperação econômica seria oposta a essas estratégias
keynesianas. O orçamento do governo deve
ser reduzido, e não aumentado, permitindo assim a liberação de recursos para
que agentes privados possam utilizá-los para realinhar a estrutura do capital.
A oferta monetária não deve ser aumentada.
Pacotes de socorro a empresas no limiar da falência servem apenas para
congelar os erros empreendedoriais, ao invés de permitir que esses recursos
sejam transferidos para empreendedores mais aptos a suprir as demandas do
consumidor, empreendedores que de fato entendam as condições reais da
economia.
Empréstimos de emergência para empresas em dificuldades perpetuam a má
alocação de recursos e estendem um favoritismo político para empresas que estão
incorrendo em práticas insustentáveis.
Da mesma forma que a mencionada acima, esse favoritismo político se dá
em detrimento de empresas sólidas que estão preparadas e capacitadas para
adquirir esses recursos e direcioná-los para usos mais apropriados.
A experiência de 1920-1921 reforça a argumentação dos genuínos economistas
pró-livre mercado de que a intervenção governamental é um obstáculo à
recuperação econômica. Os keynesianos costumam
dizer que economia americana se recuperou rapidamente da depressão de 1920-1921
apesar da ausência de estímulos
fiscais e monetários. Errado. É exatamente porque tais medidas foram
evitadas, que ela se recuperou rapidamente.
Leituras recomendadas:
O melhor presidente do
século XX
Juros, preferência
temporal e ciclos econômicos
"Estimula que
cresce!"
____________________________________________________
Notas
[1] Sobre a falácia da "prosperidade dos tempos de
guerra" trazida pela Segunda Guerra Mundial, ver Robert Higgs, Depression,
War, and Cold War (New York: Oxford University Press, 2006).
[2]
Kenneth E. Weiher, America's Search for Economic Stability:
Monetary and Fiscal Policy Since 1913 (New York: Twayne, 1992), p. 35.
[3]
Sobre o Japão, ver Benjamin M. Anderson, Economics and the Public Welfare: A
Financial and Economic History of the United States, 1914-1946 (Indianapolis: Liberty Press, 1979
[1949]), pp. 88-89, 90.
[4] Ibid.,
p. 92.
[5] Robert
Aaron Gordon, Economic Instability and Growth: The
American Record
(New York: Harper and Row, 1974), pp. 21-22, citado em Joseph T. Salerno,
"An Austrian Taxonomy of Deflation - With Applications to the
U.S.," Quarterly Journal of Austrian Economics 6 (Winter
2003): 89.
[6] Robert
A. Degen, The American Monetary System: A
Concise Survey of Its Evolution Since 1896 (Lexington, MA: D. C. Heath, 1987), p. 41.
[7] Weiher, America's Search for Economic Stability,
p. 36.
[8] Eugene
P. Trani and David L. Wilson, The Presidency of Warren G. Harding (Lawrence, KS: University Press of
Kansas, 1977), p. 72.
[9] C.
A. Phillips, T. F. McManus, and R. W. Nelson, Banking and the Business Cycle: A
Study of the Great Depression in the United States (New York: Macmillan, 1937), p. 76.
[10] A teoria austríaca também se aplica aos casos em
que não havia nenhum banco central e a expansão artificial do crédito ocorreu
por outros meios. A intervenção governamental também é a culpada.
Ver Jesús Huerta de
Soto, Money, Bank Credit, and Economic
Cycles, trans.
Melinda A. Stroup (Auburn, AL: Ludwig von Mises Institute, 2006).
[11]
Roger W. Garrison, "The Austrian Theory: A Summary," in The Austrian Theory of the Trade
Cycle and Other Essays, comp. Richard M. Ebeling (Auburn, AL: Ludwig von Mises Institute,
1996), p. 99.
[12]
Gene Smiley, "The U.S. Economy in the 1920s," EH.Net Encyclopedia, ed.
Robert Whaples, March 26, 2008.
[13]
Ludwig von Mises, Bureaucracy (New Haven, CT: Yale University Press, 1944).