quinta-feira, 21 out 2010
No
mundo globalizado, poucos assuntos despertam tanta paixão quanto a
transferência de setores industriais de um país para outros — transferência
essa que é feita com o intuito de se aproveitar os baixos salários vigentes
nesses outros países, particularmente os da Ásia. O termo técnico utilizado para essa realocação
é offshoring ou "terceirização
estrangeira". Além das lamúrias típicas
sobre a perda de postos de trabalho, tal fenômeno provoca também queixas quanto
ao aumento das importações em relação às exportações, isto é, o agravamento da
chamada balança comercial "desfavorável".
Aqui
vai um exemplo que vai ajudar a dar uma perspectiva adequada a ambas as
questões.
Imagine
que uma determinada empresa do país X esteja contemplando um investimento de
capital da ordem de $10 milhões para construir uma fábrica. Desses $10 milhões, $5 milhões serão
utilizados para materiais de construção, equipamentos de construção e, principalmente,
para todo o maquinário a ser instalado na fábrica. Os outros $5 milhões terão de ser utilizados
para cobrir os salários e os benefícios trabalhistas dos 100 operários que
trabalharão nas obras durante um ano, a um custo de $50.000 por homem.
Entretanto,
em um país pobre da Ásia o custo de operários igualmente capazes é de apenas
$1.000 por homem. Em outras palavras, o
custo trabalhista total será de $100 mil ao invés de $5 milhões. Os materiais de construção, os equipamentos
de construção e o maquinário para a fábrica podem todos ser enviados para
lá. Para simplificar as coisas, vamos
ignorar os custos de transporte e quaisquer outros custos associados à
burocracia de se construir no exterior.
Assim, o custo total de se construir essa planta na Ásia seria de apenas
$5,1 milhões, ao invés de $10 milhões.
Trata-se, obviamente, de um poderoso incentivo para se construir a
planta na Ásia. Consequentemente, assim
que essa planta estiver pronta, qualquer que seja o número de trabalhadores
necessário para sua operação, estes poderão ser encontrados localmente a uma
fração comparativamente menor do custo de se empregar trabalhadores do país X.
São
exatamente essas considerações que explicam, por exemplo, por que várias indústrias
americanas deixaram os EUA e foram para outros países, principalmente pra a
Ásia. É simplesmente bem mais barato.
Os
comentaristas econômicos, que quase sempre são críticos, enxergam apenas esse
movimento de capitais para o estrangeiro; eles estranhamente não percebem que
tal processo é muito mais do que apenas um movimento de uma dada quantia de
capital de um lugar para outro. Em
termos monetários, o valor chega a ser desprezível quando comparado à real
riqueza física — no caso, capital físico — em jogo. Quando colocado nesses termos, é possível perceber
que há um aumento substancial na
riqueza de todos. Afinal, o fato de se
poder obter por $5,1 milhões algo que de outra forma requereria $10 milhões, faz
com que seja possível comprar praticamente duas vezes o mesmo tanto pelos
mesmos $10 milhões. Essa empresa em
questão pode construir praticamente duas fábricas na Ásia pelo preço de uma no
país X.
Uma
empresa do país X que investisse dessa forma poderia oferecer aos seus clientes
aproximadamente dois produtos pelo preço de apenas um, pois ela transferiu suas
operações de manufatura para Ásia ao invés de ficar em X. Mesmo sendo verdade — como é frequentemente
alegado — que os trabalhadores dessa fábrica que saiu do país X terão agora de
se contentar com trabalhos mais insatisfatórios — como, por exemplo, no
McDonald's —, o sistema econômico de X ainda assim terá dobrado a sua
produção. Com o benefício adicional de
todos os hambúrgueres extras que esses trabalhadores deslocados agora
produzirão.
Para
mim, parece ter havido um ganho geral para todo o sistema econômico do país X.
Entendendo
mais especificamente, o ganho entra na economia do país X na forma de importações. Basicamente, os cidadãos de X poderão usufruir
os bens produzidos por duas fábricas na Ásia ao invés de apenas uma fábrica em
X, e esses bens duplicados estão entrando na economia de X na forma de
importações. Absurdamente, esse ganho de
riqueza para X é chamado de "desfavorável".
Certamente não é desfavorável para os consumidores de X. A única coisa que eu poderia imaginar como sendo
mais favorável — e que, ao mesmo tempo, seria estupidamente denunciada como
ainda mais desfavorável — seria se essas importações simplesmente surgissem do
nada e de graça no litoral de X, porém sendo computadas pela alfândega como
tendo um valor substancial.
O
offshoring não gera o declínio do
sistema econômico de um país; na realidade, ocorre exatamente o oposto. Ele fornece às pessoas do país que fez essa
terceirização estrangeira acesso a uma capacidade de fabricação amplamente mais
ampla, a qual é capaz de fornecer uma quantia muito maior de bens a preços
muito menores. E caso o país X não
esteja inflando sua moeda, tal benefício será ainda mais perceptível.
Graças
ao offshoring, o país X poderá ser
suprido com sapatos e roupas, aparelhos de televisão, computadores, laptops,
tocadores de CD e DVD, fornos microondas, e vários outros bens em quantidades
sem precedentes e a preços extremamente baixos.
O fato de que essa abundância virá ao país X na forma de importados é
simplesmente uma decorrência da natureza do arranjo. E mais ainda: a mão-de-obra de X poderá ser
liberada para exercer outras atividades mais produtivas, com o benefício de que
agora os preços de seus bens de consumo estarão muito menores, o que faz com
que seus salários reais sejam maiores.
Mas
qual o real problema econômico de
tudo isso?
Eu
digo problema "econômico" porque posso imaginar o surgimento de algo que
poderia causar problemas: a perda dessas fábricas offshore e das importações que elas proporcionam. Isso poderia acontecer em decorrência de
confiscos realizados por governos estrangeiros, de uma burocracia caótica e
inepta imposta pelos governos de ambos os lados, ou simplesmente pela adoção de
medidas protecionistas pelo país que justamente mais se beneficia com tal
arranjo. Isso sim seria uma catástrofe.
Portanto,
nunca é demais enfatizar: o problema não está na terceirização estrangeira ou
nas importações; o problema está em qualquer coisa que venha a ameaçar esse fenômeno e as importações
que ele proporciona.