Nota
do IMB: o artigo a seguir faz parte do concurso de artigos promovidos pelo
Instituto Mises Brasil (leia mais aqui). As
opiniões contidas nele não necessariamente representam as visões do Instituto e
são de inteira responsabilidade de seu autor.
Consenso de Washington e
Libertarianismo
O
mainstream acadêmico latino-americano
diz que nos anos 90 uma ideologia que defende o livre mercado, ressurgida no
Consenso de Washington, predominou no continente. Essa ideologia supostamente
defende os capitalistas, acabando com o estado de Bem-Estar Social, que
consequentemente aumenta seus lucros. Nesse artigo derrubaremos o mito que os
conselhos do Consenso de Washington necessariamente resultam no livre mercado,
ou seja, que faça parte das propostas libertárias. Antes iremos ver o que é e
como se formou o Consenso de Washington e as propostas da filosofia libertária.
Consenso de Washington
Para
fazer a comparação entre os pontos do CW e da filosofia libertária utilizaremos
o artigo do Dr. Paulo Roberto de Almeida chamado "O mito do Consenso de
Washington"[1], que prova que as regras do mesmo nunca
foram aplicadas na América Latina, como se pensa. O autor listou os 10 pontos
defendidos pelo CW e usou o exemplo da Argentina para provar que os que alertam
para o "perigo neoliberal" estão na verdade mentindo.
O
CW nasceu por conta de um trabalho de John Williamson, "What Washington Means
by Policy Reform", em que estudando políticas que deram certo na América Latina
(o que desmitifica que foram regras a
priori), resolveu criar um conjunto de regras que os países da região
deveriam seguir para melhorar a economia.
Almeida
fez em seu artigo uma versão resumida das políticas indicadas pelo CW, mas
contendo informação o suficiente para compararmos os pontos em comum ou de
discordância com a filosofia libertária.
Filosofia Libertária
A
base da filosofia libertária é o axioma de não-agressão, que resulta no direito
de propriedade e nas trocas voluntárias. Tal axioma diz que não podemos iniciar
agressão física contra ninguém, somos donos dos nossos próprios corpos e
podemos usá-lo da forma que desejamos. Qualquer agressão é uma violação desse estado
ótimo e só causa transtornos, pois é contra a vontade do indivíduo em questão.
Isso implica que a interação social, dentre elas as trocas, só podem ser feitas
de forma voluntária. Os libertários sabem que seu modelo ideal está longe da
atual realidade, mas possuem material científico suficiente que nos fornece
provas da sua superioridade frente a outros modelos.
No
campo da economia isso implica que o livre mercado é a melhor forma de alocar
os recursos e satisfazer os desejos humanos. Portanto, as agências de regulação
estatais são dispensáveis; o monopólio de emissão de moeda do Banco Central
causa crises por não respeitar as preferências temporais dos agentes; as leis
trabalhistas privilegiam um pequeno grupo de trabalhadores em detrimento do
restante etc; e vários outros pontos são condenáveis pelos libertários (durante
o texto citaremos aqueles que importam com a comparação com o CW).
Um
ponto que divide os libertários é sobre a existência do estado. Para
simplificar a explicação, utilizaremos os termos minarquistas e anarquistas[2]. Os primeiros
nutrem desconfiança do governo, mas acham que o mesmo ainda deve existir pois é
a melhor de prover justiça e segurança. Já os segundos, mais radicais, levantam
a teoria da impossibilidade do governo prover qualquer serviço que seja com
eficiência.
Comparação
Agora
sabendo do que se trata o Consenso de Washington e o livre mercado, podemos ver
se o primeiro implica no segundo ou é mais um mito acadêmico. Vamos ver cada
passo segundo a ordem do artigo do Almeida[3]:
1) Disciplina Fiscal.
Nota-se
que essa regra do Consenso de Washington é preferível a uma crescente dívida
pública. Porém, a regra defende uma racionalização nos gastos a partir de uma
defesa de não endividamento alto, e não da diminuição do poder fiscal do
governo. Para os minarquistas, que defendem a pouca presença estatal, o
endividamento ou seria bastante baixo ou nem existiria, pois só dois setores
seriam contemplados. Já para os anarquistas, que defendem um livre mercado
puro, a própria existência do poder fiscal já é motivo suficiente para
classificar essa primeira regra de inútil.
2) Prioridades nas
despesas públicas.
Diferente
do que é imaginado, o CW não desconsidera os chamados gastos sociais. A
Previdência, a infra-estrutura, a saúde e a educação são consideradas os
principais destinos dos recursos (excluindo os gastos militares). O que o CW
defende é o fim de despesas que podem ser evitadas, cortando-se o excesso, e
não necessariamente um programa de diminuição de gastos sociais. Os libertários
acreditam que só o mercado pode fornecer eficientemente os serviços de
previdência, infra-estrutura, saúde e educação, pois o governo não tem
capacidade de saber o que cada indivíduo necessita, pois o desejo é subjetivo,
e não um dado estatístico que possa ser coletado. Mesmo que pudesse, teria que
ser feito a todo o momento, pois enquanto o tempo passa, as pessoas reformulam
ou mudam completamente seus planos de objetivos (eficiência econômica é tudo
aquilo que cumpra o plano de objetivo do indivíduo). O mercado é a melhor via de resolver tal
problema por conta do elemento empresarial: o indivíduo que fica alerta ante a
possibilidade de lucro.
Isso
significa que um corte de gastos ineficientes não é o bastante, mas sim a sua
redução e posterior eliminação. Trata-se de mais um ponto fraco no que diz
respeito ao livre mercado.
3) Reforma tributária.
Esse
é um ponto bastante complicado para a filosofia libertária. Mesmo os
minarquistas consideram a cobrança dos impostos um mal necessário para manter
os serviços de segurança e justiça. O CW trata a reforma como a via que melhor
arrecade impostos e taxas. Porém, para os libertários trata-se sempre de
violência, não importa o modo. Num modelo libertário minarquista o estado
necessitaria bem menos de recursos do que arrecada atualmente e no modelo
anarquista a tributação obviamente é zero. Ou seja, temos como regra geral que
quanto mais diminuir a carga tributária, melhor acham os libertários.
4 )Taxa de Juros de
Mercado e 5)Taxa de câmbio competitiva.
O
quarto e quinto pontos mostram claramente que o CW passa distante das propostas
libertárias, mesmo defendendo que o mercado defina a taxa de juros e de câmbio.
A diferença está na falta do CW de focar na necessidade de reforma do sistema
financeiro. Mesmo que seja preferível que os agentes determinem os juros e o
câmbio, não adiantará se o modelo de um banco central com monopólio de emissão
de moeda aliado a um sistema de reservas fracionárias irresponsável continuarem
em vigor, pois segundos os libertários tal organização é contra o livre
mercado.
Primeiro,
os bancos privados deveriam competir entre si emitindo moedas, e os agentes
escolheriam as melhores. Dar a um banco central esse monopólio é permitir que
manipule toda a economia. O segundo é mais polêmico, pois alguns libertários
defendem as reservas fracionárias, enquanto outros acusam esse sistema de
fraudador. O problema está quando o banco não possui a capacidade de honrar
todos os seus compromissos de uma só vez, ou seja, ele emprestou dinheiro de
clientes sem sua permissão. Os defensores das reservas fracionárias dizem que
não pode ser fraude se o cliente sabe que isso vai acontecer, e o que importa é
que o banco mantenha prestígio suficiente de que não irá desonrar seus
compromissos.
Num
caso ou no outro, ambos os lados concordam que o banco central deve perder o
fim do monopólio e os bancos privados deveriam emitir moedas para concorrer no
mercado.
6)Política comercial de
integração aos fluxos mundiais e 7)Abertura ao investimento estrangeiro direto.
Aqui
temos uma concordância entre o CW e a filosofia libertária (ainda que a defesa
do primeiro seja tímida): abandono à visão mercantilista de exportação e
abertura às importações e ao investimento estrangeiro direto.
8) Privatização de
estatais ineficientes.
O
CW tenta por um lado afastar o estado defendendo a privatização de "estatais
ineficientes". Por outro, defende um regime de concessão para serviços
coletivos, ou seja, o governo deve regular tal mercado. Esse arranjo é
inadmissível para os libertários, mesmo os mais moderados, pois os serviços
coletivos (com as duas exceções de segurança e justiça dos libertários
minarquistas) devem ser providos pelo mercado. Esses serviços são como
quaisquer outros quando se fala que a busca pelo lucro dá ganhos de eficiência
e barateamento. Só os agentes alertas às oportunidades de ganhos podem vencer o
problema da informação no mercado, pois o governo não tem essa capacidade, e
isso significa que ele não pode fornecer serviço algum (mesmo os minarquistas
não dizem que o governo iria saber a quantidade exata que seria o ponto máximo
de eficiência para os indivíduos provendo segurança e justiça). Mesmo que
pudesse, ainda teríamos o problema da intromissão nas ações voluntárias.
9) Desregulação de
setores controlados ou cartelizados.
Aqui
encontramos uma contradição do CW. Por um lado, acertadamente, defende-se que
seja feita desregulação, pois as economias latino-americanas são conhecidas
pela burocracia pesada, por outro, a existência das agências reguladoras não é
atacada. Como já falamos do problema da informação e do elemento empresarial,
nem precisamos nos estender sobre o assunto, só que aqui encontramos mais um
ponto do CW que não toca na raiz do problema: a completa retirada do estado.
10) Direitos de propriedade.
O
CW está correto ao falar que a instabilidade jurídica é parte dos grandes
problemas da América Latina. Contudo, como já vimos durante todos os pontos, a
filosofia libertária tem uma noção diferente do que seria proteger a
propriedade, que teria que respeitar o axioma de não-agressão e as trocas
voluntárias.
Conclusão
Como
vimos, as regras do Consenso de Washington não passam nem perto da defesa de
uma organização baseada inteiramente no mercado sem restrições. Elas pecam por
acreditar que o estado pode ter ganhos de eficiência e fornecer alguns
serviços. Não entra na nossa discussão se o modelo do CW é melhor ou pior que
outros como o socialista, e sim desmitificar que suas regras implicam no livre
mercado.
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Notas
[1] http://www.ordemlivre.org/node/528
[2] Aqui anarquista é usado como aquele que defende o fim da
tutela governamental, e não o que quer o caos, que é uma definição errada e
estereotipada.
[3] http://www.ordemlivre.org/node/528
Referências:
ALMEIDA,
Paulo Roberto de, O Mito do Consenso de Washington: http://www.ordemlivre.org/node/528