Você é o sobrevivente de um naufrágio e está sozinho
em uma ilha. Não há nada pronto à sua disposição. Tudo o que você quiser
consumir você terá antes de produzir ou, no mínimo, coletar.
Subitamente jogado nesta situação, você terá de se
virar para encontrar alimentos e outros elementos da natureza que lhe permitam
construir um teto para se abrigar do frio da noite e da insolação do dia. Nada
surgirá pronto para você. Tudo terá de ser trabalhado e produzido.
Este cenário, embora com aspectos cartunescos, ilustra
uma realidade irrevogável: para você consumir algo, este algo tem antes de ser
produzido. Na ilha deserta, você tem de comer. Para comer, você tem antes de
pescar. Para pescar, você tem de aprender a pescar. Se não pescar, não terá
produzido nada. Como resultado, não terá nada para consumir.
Caso você estivesse com uma valise cheia de dólares
ou de ouro, nenhuma diferença faria. Caso você estivesse em companhia de outras
pessoas, e todas elas estivessem apenas pensando em como gastar esse dinheiro,
não haveria nenhuma melhora em termos de bem-estar. Aquela valise com dinheiro,
por si só, não teria absolutamente nenhuma serventia em fazer surgir bens e
serviços. Estes continuariam tendo de ser trabalhados e produzidos.
Eis uma realidade óbvia, mas que insiste em ser
ignorada por vários economistas: só conseguimos satisfazer nossas necessidades
se antes produzirmos algo.
Passemos agora ao outro lado.
No
mundo real
Eis um exemplo cotidiano.
Você vai ao supermercado e compra provisões e
insumos que irá utilizar para cozinhar. Só que, para poder fazer essas compras
no supermercado, você tem de pagar a conta. E, para poder pagar a conta, você tem
de ter uma renda. E, para ter essa renda, você teve de oferecer um produto ou
serviço no mercado.
Não há como escapar desta realidade. A menos que você
viva de doações caritativas (as quais, por sua vez, só foram possíveis porque os
doadores tinham renda), você tem de ter produzido algo para ter uma renda que então
será utilizada para bancar seu consumo.
Não há consumo sem renda. E não há renda se antes
não tiver havido produção.
Consequentemente, e agora expandindo o exemplo acima
para toda a economia, é impossível criar uma política de "estímulos a compras
nos supermercados", de maneira contínua, se os consumidores não houverem antes produzido algo.
Igualmente, é impossível estimular compras no
supermercado se os produtores de alimentos não houverem antes produzido esses
alimentos que estão sendo vendidos no supermercado.
O que, finalmente, nos leva ao ponto principal:
mesmo se o governo simplesmente criasse dinheiro e repassasse para esses
consumidores, o problema da produção de alimentos continuaria inatacado. Afinal, quem irá produzir alimentos se o
governo está dando dinheiro para as pessoas e essas pessoas nada têm de
produzir em troca?
O eventual produtor de alimentos passaria a ser um escravo:
ele produziria alimentos e, em troca, nada teria para consumir, pois as outras
pessoas não estão produzindo nada. Elas estão apenas consumindo seus alimentos
e não estão oferecendo em troca nenhum bem ou serviço.
Desnecessário também enfatizar que esta política de
estímulo ao consumo irá inevitavelmente impulsionar a carestia: muitas pessoas
querendo consumir, poucas pessoas efetivamente produzindo. No final, termos
apenas preços mais altos e redução da produção total na economia.
Por isso, chega a ser espantoso que políticos,
analistas e até mesmo economistas ainda insistam, com tanta ênfase, na necessidade
de "estimular o consumo" para reativar uma economia estagnada.
A única maneira sensata de estimular o consumo é
aumentando a renda das pessoas. Mas a renda das pessoas só é aumentada se elas
aumentarem sua produção. Ou, no mínimo, se aumentarem o valor agregado desta
produção.
Estimular
o crédito é autoabortivo
Há vários economistas que defendem que o governo
deve estimular o consumo da população facilitando o crédito para as pessoas
(leia-se: aumentando o endividamento das pessoas).
Tal medida é claramente autoabortiva. Afinal, como
essas pessoas — que não estão aumentando sua produção — irão
quitar essa dívida?
Se um indivíduo aumenta seu endividamento, mas não
aumenta sua renda (ou seja, sua produção), ele não tem como quitar essa dívida.
(Até porque, caso as pessoas estivessem aumentando sua produção, então elas,
por definição, não precisariam de crédito artificial para aumentar seu
consumo).
No cômputo final, estimular o endividamento visando
ao consumo não gera aumento da produção.
Redistribuição
de renda é, na melhor das hipóteses, inócua
Há também economistas que defendem a ideia de que o
governo deve fazer uma redistribuição de renda para permitir o consumo dos mais
pobres.
Neste caso, além de o problema da produção seguir
irrevogável, o próprio consumo, por definição, não será estimulado.
Afinal, se o dinheiro é extraído de uma fatia da
população e repassado a outra fatia, isso não gera um aumento líquido do
consumo. João poderá consumir mais graças aos $ 100 que recebeu do governo, mas
Pedro consumirá menos porque agora tem $ 100 a menos por causa do aumento dos
impostos.
O mais irônico de tudo é que mesmo estes economistas
que querem estimular o consumo por meio da redistribuição de renda partem do
princípio de que já houve uma produção prévia (do contrário, nada haveria a ser
consumido). Portanto, eles até entendem a teoria; apenas não conseguem levá-la
adiante até suas conclusões inevitáveis.
Lógica básica
Essa idéia de "demanda insuficiente" é um
conceito que, em si mesmo, não faz sentido.
Por definição, nunca há um "problema de
demanda". Demandar é algo que ocorre naturalmente; demandar é intrínseco
ao ser humano. A partir do momento em que você sai da cama até o momento em que
você vai dormir você está demandando coisas. Demandar coisas é o impulso mais
natural do ser humano. É impossível viver sem demandar.
Por isso, a ideia de que é necessário
"estimular a demanda" é completamente ilógica. A demanda é algo que
ocorre naturalmente pelo simples fato de sermos humanos.
O problema não é e nem nunca foi "estimular a
demanda". O real problema é que a demanda de um indivíduo é restringida
por sua capacidade de produzir bens e serviços.
Para demandar (bens e serviços), um indivíduo tem
antes de produzir (bens ou serviços) para auferir uma renda. Somente após ter
produzido, ele terá a renda necessária para demandar. Quanto mais bens ou
serviços um indivíduo for capaz de produzir, mais bens e serviços ele poderá
demandar, e consequentemente adquirir.
Logo, é a
produção de um indivíduo o que o capacita a pagar pela produção de outro
indivíduo. Quanto mais bens ou serviços um indivíduo produzir, mais bens e
serviços ele pode adquirir para si próprio. Assim, a demanda de um indivíduo é
restringida por sua capacidade de produzir bens ou serviços.
A demanda, portanto, não é algo
independente e autônomo. Não é algo que depende apenas de si próprio, podendo
ser livremente manipulado. A demanda é limitada pela produção.
Sendo limitada pela produção, é logicamente impossível querer "estimular a
demanda".
Por conseguinte, o que impulsiona a economia não é a
demanda por si só, mas sim a produção de bens e serviços.
Se uma população de cinco indivíduos produz dez
batatas e cinco tomates, isso é tudo o que eles podem demandar e consumir. Não
há nenhum truque do governo ou do banco central que possa aumentar a demanda
efetiva. A única maneira de aumentar a capacidade de consumir é aumentando
a capacidade de produzir.
O fato de que a demanda depende da produção é uma
realidade que não pode ser abolida por meio de gastos governamentais ou de aumento
da quantidade de dinheiro na economia.
Aumentar os gastos do governo ou a quantidade de
dinheiro na economia não só não tem como alterar esta realidade, como ainda,
pelo contrário, irá desviar para o governo boa parte do que foi produzido e
elevar os preços dos produtos remanescentes no mercado. O produtor de batatas,
que precisa se alimentar de tomates para continuar produzindo, terá agora menos
tomates à sua disposição, e os preços serão maiores. O mesmo vale para o
produtor de tomates que se alimenta de batatas.
Consequentemente, com menos bens à venda e preços
maiores, o bem-estar dos produtores/consumidores será menor e eles terão de
arcar com preços de produção maiores, o que irá afetar sua capacidade de
produzir mais bens e serviços. Tudo isso irá enfraquecer a demanda efetiva.
Conclusão
O problema não é e nem nunca foi "estimular a
demanda". O grande problema sempre foi criar renda. E, para se
criar renda, é necessário antes haver produção.
É exatamente a produção (oferta) o que permite a
demanda.
Para entender este básico nem sequer é necessário
ler tratados de economia. Apenas volte ao exemplo em que você é um náufrago em
uma ilha: há ali um problema de demanda ou de oferta? Como você pode aumentar
seu consumo? Se você tivesse uma valise cheia de dinheiro, haveria aumento de
seu consumo?
Trata-se de uma realidade incontornável: não é
possível aumentar o consumo sem antes haver um aumento da renda. E para haver
renda é necessário haver produção. E para que haja um aumento da produção é
necessário um ambiente que seja propício à produção.
Por isso, o que é necessário para reativar uma
economia estagnada não é estimular a demanda, mas sim dar liberdade para a
produção (criação de oferta). Isso inclui desburocratizar, desregulamentar e
reduzir impostos (o que implica a necessidade de reduzir gastos do governo),
pois apenas isso irá permitir que os verdadeiros criadores de riqueza reativem
a economia em decorrência de terem mais liberdade para empreender, produzir e
gerar riqueza.
Acima de tudo, inclui não fazer uma política
monetária expansionista e não aumentar os gastos do governo — com efeito,
inclui fazer uma política monetária austera e cortar os gastos do governo
(vide, novamente, o exemplo dos produtores de batatas).
Quem defende "estimular a demanda" deve, por definição,
defender que seja facilitada a capacidade da economia de produzir bens e
serviços. Isso, sim, é promover o verdadeiro crescimento econômico.