sexta-feira, 24 0aio 2019
As notícias
estão por todos os lados: o governo está sendo obrigado a fazer um
"contingenciamento" em seus gastos. Na prática, ele deixará de gastar um
montante que havia sido inicialmente projetado.
No momento, o bloqueio chega a R$
30 bilhões, mas ainda irá aumentar.
O Ministério da Educação está literalmente sem
dinheiro e, como consequência, os repasses para a educação estão sob
"contingenciamento". R$
5,8 bilhões foram bloqueados. Mais de 13
mil cargos em universidades e institutos federais foram cortados. Programas
de iniciação científica, bolsas de mestrado e doutorado da CAPES — tudo
entrou na tesoura.
As Forças Armadas, por sua vez, vivenciarão um
inédito corte
de 44% em seu orçamento. A Marinha será a mais
atingida.
O Ministro da Economia também anunciou
que irá "travar" a realização de concursos públicos no ano de 2020. Com efeito,
um decreto presidencial dificultando a criação de concursos públicos já
foi assinado.
Até mesmo o IBGE entrou na navalha. Inicialmente
de 87%, o bloqueio caiu
para 22%, pois, exatamente no ano que vem, haverá o censo que ocorre a cada
10 anos.
Tudo isso não só era totalmente previsível, como de
fato foi previsto.
Social-democracia,
em um país ainda pobre em termos per capita, não dura
A lógica é direta: se
você tem um governo que quer prover de tudo, a tendência é que, com o passar do
tempo, não irá sobrar recursos para nada.
Se você tem um estado cuidando
de escolas, universidades, saúde, aposentadorias, pensões, esportes, cultura,
lazer, filmes nacionais, teatro, subsídios tanto para pequenos agricultores quanto
para megaempresários, benefícios assistencialistas de todos os tipos
(Bolsa-Família, BPC
(ou LOAS)
etc.), estradas, portos, aeroportos, Correios, eletricidade e petróleo, e
criando uma crescente oferta de empregos públicos pagando altos salários, esse arranjo só irá durar enquanto o número de pessoas produtivas — isto é,
aptas a serem tributadas — for crescente.
Se a quantidade de
pessoas produtivas — aptas a serem tributadas — começar a diminuir (ou
simplesmente parar de crescer), o arranjo acima irá começar a se esfacelar.
De novo: um governo que
quer prover vários bens e serviços tem de recorrer a altos e crescentes gastos.
Estes gastos serão crescentes porque a quantidade de pessoas recorrendo a eles é
cada vez maior (uma inevitabilidade quando se tem uma população envelhecendo). Para
manter esses gastos crescentes, o governo tem de arrecadar cada vez mais
impostos. E ele só irá conseguir aumentar sua arrecadação se a quantidade de
pessoas sendo tributadas também for cada vez maior — ou então se a
produtividade delas for alta e também crescente.
Trata-se do irrevogável
fato de que vivemos em um mundo de escassez: o
dinheiro para bancar todos os gastos estatais advém da tributação de bens e
serviços produzidos pela economia privada. E estes, por definição, são
escassos. Consequentemente, dado que a tributação incide sobre bens e serviços
escassos, sua capacidade de arrecadação é, por definição, limitada. Se os
gastos crescerem mais do que essa capacidade de arrecadação, o dinheiro irá
literalmente acabar.
Sim, isso parece ser um
"truísmo óbvio" (pleonasmo intencional), mas é necessário sempre repeti-lo,
pois ainda há quem
negue a incontestável realidade da escassez.
No Brasil atual, o
dinheiro para bancar os crescentes gastos do governo literalmente acabou. E por
dois motivos:
1) a quantidade de
pessoas aptas a serem continuamente tributadas parou de crescer;
2) as que ainda estão
aptas a ser tributadas são pouco produtivas. A produtividade de um brasileiro
equivale a 25% da produtividade de um americano, o que significa que um
brasileiro leva uma hora para produzir o mesmo bem ou serviço que um americano
produz em 15 minutos. Quem produz menos por hora tem renda menor. Quem tem
renda menor tem menos capacidade de ser crescentemente tributado.
Agora, vamos aos
dados.
A
situação é, no mínimo, assombrosa
O Brasil está em recessão desde 2014. A
consequência direta? O número de pessoas trabalhando e produzindo formalmente
— ou seja, aptas a pagarem impostos — caiu.
O gráfico a seguir, que começa em março de 2012,
mostra a evolução do número de pessoas trabalhando no setor privado com
carteira assinada:

Gráfico
1: evolução do número de pessoas trabalhando no setor privado com carteira
assinada. (Fonte e gráfico: Banco
Central)
Observe que, a partir de 2014 (início da recessão),
o número de trabalhadores com carteira assinada começa a cair. Hoje, há menos
pessoas trabalhando com carteira assinada do que havia no início de 2012.
Para onde foram essas pessoas? Parte se tornou
desocupada (ou seja, passou a receber benefícios assistenciais do governo),
parte foi para a informalidade (que não paga impostos) e parte se tornou
autônoma (normalmente, vendendo quentinhas, marmitas, frutas etc.).
Eis o gráfico que mostra a evolução do número de
pessoas desocupadas, as quais recebem algum tipo de auxílio do governo. Quanto
mais pessoas desocupadas, maiores os gastos do governo com assistência.

Gráfico
2: a evolução do número de pessoas desocupadas. (Fonte e gráfico: Banco Central)
Já o próximo gráfico mostra a evolução do número de
pessoas que foram para a informalidade. São pessoas que não pagam impostos
federais e, muito provavelmente, também não pagam o INSS.

Gráfico
3: evolução do número de pessoas na informalidade. (Fonte e gráfico: Banco Central)
Por fim, a evolução do número de pessoas trabalhando
por conta própria (autônomos). Não há como saber se elas pagam ou não impostos,
e se pagam ou não o INSS.

Gráfico
4: evolução do número de pessoas trabalhando por conta própria (autônomos). (Fonte e gráfico: Banco Central)
E qual foi a consequência direta desta diminuição do
número de pessoas pagando impostos e deste aumento no número de pessoas
dependentes do estado? Óbvio: as receitas tributárias reduziram seu ritmo de
crescimento e os gastos totais aumentaram seu ritmo de crescimento.
O gráfico a seguir mostra, na linha azul, a
evolução das receitas tributárias líquidas do governo (deduzida das
restituições e incentivos fiscais) e, na linha vermelha, a evolução das despesas.
Detalhe: as despesas não incluem o pagamento do
serviço da dívida (juros e amortizações).
Atenção:
como se trata de uma média móvel de 12 meses, o valor na coluna da esquerda se
refere a valores mensais. Na prática, um valor de R$ 100 bilhões
significa que, em um período de 12 meses, este foi o valor médio arrecadado (ou
despendido) pelo governo a cada mês. Para se ter uma ideia do valor
anual, basta multiplicar o valor por 12 (meses).

Gráfico
5: na linha azul, a evolução das receitas tributárias líquidas do governo;
na linha vermelha, a evolução das despesas primárias (que exclui gastos com a dívida). Média móvel 12 meses. (Fonte e gráfico: Banco Central)
Perceba que, até 2014, havia um superávit primário. Ou seja, quando se desconsidera os gastos com o
serviço da dívida, o governo arrecadava mais do que gastava. A partir do final
de 2014, a realidade se inverte, e o governo passa a ter um até então inédito déficit primário, isto é, o governo
passa a gastar mais do que arrecada, mesmo sem considerar os gastos com a
dívida.
E qual foi outra — e agora onipresente —
consequência de tudo isso? A explosão do déficit
da previdência.
O gráfico a seguir, também em forma de média móvel,
mostra a evolução das receitas e das despesas da previdência social (no caso, apenas
o INSS; este gráfico não abrange o RPPS,
que é a previdência do setor público, ainda mais deficitária; e também não
abrange os militares; e nem o Fundo Constitucional do DF. Não é minha culpa. É
o único gráfico disponibilizado pelo Banco Central).

Gráfico
6: na linha vermelha, as receitas da Previdência Social; na linha azul, os
gastos com benefícios previdenciários. Média móvel 12 meses. (Fonte
e gráfico: Banco Central)
Observe que sempre houve déficit, mas, a partir de
2015, com o aprofundamento da recessão (aumento do desemprego, redução no ritmo da arrecadação e aumento dos gastos previdenciários do governo), o déficit se
acelera. A arrecadação desacelera (aumento do desemprego e da informalidade) e os gastos
aumentam (mais auxílios para um número cada vez maior de pessoas).
Atualmente, o déficit do INSS é de aproximadamente
R$ 18 bilhões por mês, o que equivale a aproximadamente R$ 210 bilhões por ano.
E, de novo, isso apenas
para o INSS. Quando se junta tudo (funcionários públicos, militares, e
fundo constitucional do DF), o rombo é de R$
290 bilhões por ano.
E isso apenas em nível federal. Se você acrescentar estados e
municípios, a coisa chega facilmente a R$
380 bilhões.
A Reforma da Previdência, portanto, deixou de ser
opcional há muito tempo. Enquanto a "boca do jacaré" (extremidade direita do gráfico)
continuar se abrindo, as contas do governo continuarão em descontrole. E, como
será mostrado abaixo, isso gera consequências sobre toda a economia.
Sem impostos, dívida
Como não há mais de onde arrecadar, e dado que os
gastos governamentais são constitucionalmente rígidos (ou seja, é legalmente
proibido cortar), a única alternativa para o governo é se endividar: ele tem de
recorrer ao mercado e pedir dinheiro emprestado, pois só assim ele pode cobrir
seus déficits orçamentários.
Primeira consequência: a trajetória do endividamento
do governo se tornou assombrosa.
O gráfico abaixo mostra a evolução da dívida bruta
do governo federal desde julho de 1994. A dívida nada mais é do que um
acumulado de déficits. Assim, o gráfico abaixo mostra o volume de dinheiro que
foi absorvido pelo governo federal para financiar seus déficits — dinheiro
este que, caso não houvesse déficits, poderia ter sido direcionado para o
financiamento de investimentos produtivos:

Gráfico 7: evolução da dívida total do
governo federal (Fonte e gráfico: Banco Central)
Quem se endivida muito
acaba tendo de gastar muito com juros. Eis a evolução dos gastos do governo com
juros em um período de 12 meses:

Gráfico 8:
evolução dos gastos do governo federal com juros da dívida (Fonte e gráfico:
Banco Central)
As pessoas (à direita e à
esquerda) reclamam que o governo gasta muito com juros, o que é verdade. Mas
eis o fato: o governo só gasta muito com juros porque se endividou para poder manter
seus gastos. A dívida não surgiu do nada. Ela é a simples e inevitável
consequência dos gastos. Foi exatamente para gastar mais que o governo se
endividou.
E qual a consequência de
o estado ter de se endividar continuamente para manter seus gastos? Sobra menos
crédito disponível para empresas investirem e contratarem mão-de-obra. O governo
se apropria de um dinheiro que poderia ser emprestado para empresas investirem
ou para as famílias consumirem.
Não há mágica ou
truques capazes de alterar essa realidade dominada pela escassez: quando o
governo se endivida, isso significa que ele está tomando mais crédito junto ao
setor privado. E dado que o governo está tomando mais crédito, sobrará menos
crédito disponível para financiar empreendimentos produtivos. O governo, assim,
está dificultando e encarecendo o acesso das famílias e das empresas ao
crédito.
E isso é fatal,
sobretudo, para as micro, pequenas e médias empresas.
A mídia costuma fazer
estardalhaço dizendo, corretamente, que o fato de a SELIC estar hoje nas mínimas
históricas (caiu
de 14,25% em 2016 para os 6,50% atuais) não se traduziu em grandes reduções
nos juros
cobrados pelos bancos às empresas e pessoas. Ora, e nem poderia. Como o
governo segue se apropriando de grande parte do crédito disponível, é claro que
não há como sobrar muito para o resto da economia. De novo: a realidade da escassez.
Eis o gráfico que
mostra a evolução dos juros dos empréstimos bancários, excluindo o rotativo (que,
por ser muito alto, distorce a média), para pessoas físicas e jurídicas:

Gráfico 9: evolução dos juros cobrados pelos
bancos para pessoas físicas (linha azul) e pessoas jurídicas (linha vermelha). (Fonte
e gráfico: Banco Central)
Os juros atuais, mesmo
com a SELIC nas mínimas históricas, são mais altos do que em 2012 e 2013.
Com isso, fica mais
difícil para empresas investirem, se expandirem e contratarem trabalhadores. Consequentemente,
a economia não cria riqueza e o desemprego não cai. Assim, não há criação de
renda adicional.
Veja, por exemplo, a evolução
da renda real dos trabalhadores do setor privado com carteira assinada.

Gráfico 10: a evolução da renda real dos
trabalhadores do setor privado com carteira assinada. (Fonte
e gráfico: Banco Central)
Observe que ela está no
mesmo nível do início de 2014, começo da recessão.
Sem aumento da renda, não
há como haver aumento da tributação para bancar a social-democracia.
Assim, está
estabelecido o ciclo vicioso:
a) a social-democracia,
que se caracteriza por um estado que quer prover de tudo, gera aumentos
constantes de gastos, os quais exigem arrecadações crescentes de impostos;
b) a arrecadação crescente
de impostos, por sua vez, necessita de um número crescente de trabalhadores
produtivos sendo tributados;
c) como o número de
trabalhadores não cresce no ritmo adequado, e como eles são estatisticamente pouco
produtivos (não adianta espernear; são
dados), apenas impostos não bastam. Logo, o governo tem de recorrer ao endividamento crescente;
d) endividamento
crescente leva a despesas crescentes com juros, o que requer mais endividamento
para pagar essas despesas;
e) tudo isso faz com
que os juros para o setor produtivo se tornem demasiadamente altos, o que afeta renda e
emprego;
f) com renda e emprego
estagnados, os gastos do governo com a seguridade social aumentam muito mais do que arrecadação tributária, o que faz crescer os déficits orçamentários, que exigem impostos e endividamento;
g) isso reinicia todo o
ciclo vicioso.
Conclusão
A nossa
social-democracia não mais consegue arrecadar o volume necessário para bancar
seus gastos crescentes. Este é o dado empírico, o qual não permite tergiversações
ideológicas.
O problema é econômico,
demográfico e matemático. E, se insistirmos no atual arranjo, toda a economia irá
entrar em colapso. Na melhor das hipóteses,
tudo fica como está: ou seja, uma piora gradual e contínua dos indicadores.
Não se trata, portanto,
de insensibilidade ou de "maldade neoliberal" clamar pela redução profunda do
estado. É apenas uma questão de se reconhecer a realidade: sem reformas
previdenciárias e tributárias e, acima de tudo, sem um profundo corte de
despesas do estado — que no mínimo corrija seu tamanho para níveis condizentes
com a renda per capita do brasileiro (que o sustenta) —, a implosão econômica é
inevitável. E aí as consequências sociais são totalmente imprevisíveis.
Nosso experimento
social-democrata chegou ao fim. Quanto mais rapidamente aceitarmos isso, quanto
mais rapidamente agirmos como adultos — e não como adolescentes fazendo
vitimismo —, menos dolorosa será a transição.
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