quinta-feira, 31 out 2019
Somos diariamente bombardeados por incessantes lamúrias
sobre a "crescente desigualdade", além de clamores por aumentos draconianos de
impostos para resolver este "problema".
As reclamações ocorrem, religiosamente, há anos, não
obstante as altamente
suspeitas técnicas de mensuração dos dados.
Para começar, não faz sentido dizer que uma
desigualdade crescente — ainda que esta de fato ocorresse — seja um problema,
simplesmente porque, em uma economia de mercado, em nada me subtrai o
fato de o cara do outro lado da rua ser um bilionário e eu não. As chances são
de que ele está criando empregos, doando para instituições de caridade, e
fazendo investimentos na estrutura produtiva da economia, o que beneficia a
todos nós. (Entenda todos
os detalhes aqui).
Uma sociedade igualitária afundada na pobreza é
fácil de ser criada: basta
dar força suficiente ao governo.
Entretanto, examinemos esta alegação por um ângulo
diferente. O que exatamente está sendo mensurado? O coeficiente de Gini,
por exemplo, que é o indicador mais utilizado, mensura a renda de vários
segmentos da população, o que é bastante diferente de mensurar o consumo. Isso, por si só, já é uma falha grave, pois, em
uma economia em crescimento, uma mesma quantidade de renda compra cada vez mais bens e
serviços.
Em termos práticos, os pobres de hoje vivem
melhor do que os reis de antigamente. Se o objetivo é melhorar a situação
de todos, mensurações de igualdade de renda e de posses materiais apenas
desviam a atenção daquele que deveria ser o verdadeiro objetivo: a
universalização de vidas dignas.
O
material e o conhecimento
Analisemos agora mais profundamente a ideia de que a
riqueza material é o que deveria ser a mensuração da igualdade. Faz sentido?
Uma forma de riqueza intangível, porém extremamente
crucial, é a informação. Mais
especificamente, o acesso à informação, ao conhecimento.
De certa maneira, a informação — a oportunidade de
acessá-la e a capacidade de contribuir para o estoque utilizado pela humanidade
— é muito mais importante para nossas vidas do que posses materiais.
A informação é o pilar de uma cultura. Ela fornece o
caminho para o sucesso. Ela nos ajuda a viver vidas melhores. Ela, no mínimo,
facilita a multiplicação de riquezas: informação bem utilizada ajuda as pessoas
a investirem melhor e a fazerem bom uso do dinheiro que possuem.
E onde estamos no que diz respeito ao
compartilhamento de informações, ou seja, a distribuição da mercadoria mais
valiosa? Nunca o acesso foi tão simples e fácil. Acesso ao quê, exatamente? A
absolutamente tudo o que a humanidade já aprendeu e conhece.
Neste exato momento, estou sentado em uma cadeira em
um aeroporto. Várias pessoas estão esperando o momento de embarcar. Cada uma
delas está portando uma ferramenta que é um portal para toda a informação
conhecida pelo mundo. E várias destas pessoas provavelmente estão acrescentando
informações ao mundo neste exato momento. E isso está acontecendo apesar de disparidades de renda, de
gravidezes indesejadas e até mesmo do próprio nível de renda. Os pontos de
acesso e os custos deste acesso ao redor do mundo — gratuito na esmagadora
maioria dos estabelecimentos comerciais — caíram a um nível em que
praticamente ninguém mais é excluído. E irão continuar caindo, graças ao progresso tecnológico.
[N. do E.: no Brasil, 152 milhões de pessoas já têm acesso à internet, e há 109 milhões de usuários de smartphone. Por outro lado, a quantidade de
casas com esgoto, um monopólio estatal, chega apenas a 66%
das famílias...].
Não se trata apenas de uma maravilha da tecnologia. Não
é apenas algo esplêndido de se observar e constatar. Trata-se também de algo
que trouxe mais igualdade à sociedade.
Considere o contraste com 30 anos atrás. Tudo o que
sabíamos era controlado por apenas um punhado de pessoas que tinham acesso
privilegiado. Eles eram os escritores de livros, os jornalistas que escreviam
para revistas, e as pessoas que trabalhavam nas poucas redes de televisão. E a
comunicação deles conosco era uma via de mão única. Nós não tínhamos como responder
ou mesmo rebater esta elite. Eles falavam e nós escutávamos. Nossa capacidade
de contribuir com informações para o debate era praticamente nula, e tudo o que
podíamos fazer era compartilhar as notícias com as pessoas fisicamente próximas
de nós. No máximo, podíamos enviar cartas às pessoas mais distantes, as quais
seriam entregues com semanas de atraso por algum funcionário do governo.
Esta realidade ainda está fresca na memória da
maioria das pessoas vivas hoje.
Isidoro de Sevilha,
no século VI, se auto-incumbiu da tarefa de reunir todo o conhecimento do mundo
em um único livro. O resultado foi a enciclopédia Etymologiae. Foi o projeto de uma vida. A obra se tornou
o livro essencial para ser utilizado como aprendizado durante toda a Idade
Média. Mas apenas alguns pouquíssimos privilegiados tinham acesso. O uso
massificado de livros só começou a virar uma realidade no século XIX.
A era do conhecimento
Hoje, todos nós carregamos inúmeras versões
expandidas da Etymologiae em nossos bolsos. Esta mesma ferramenta
nos oferece o poder da televisão, não apenas como consumidores, mas como
transmissores, para todo o mundo. Podemos acessar absolutamente todos os cursos
do MIT. Os portais de informações são infindáveis e impressionantes. Podemos
jogar jogos e nos comunicar gratuitamente com qualquer outra pessoa que tenha
acesso à internet. Mesmo o simples ato de ligar a televisão nos fornece acesso
imediato a várias centenas de estações. A explosão da informação em nossas
vidas é tão vasta e profunda que é impossível de ser acuradamente descrita.
Mas eis o crucial: hoje, não mais é só para uma
elite; é para todos. E isso foi tornado possível por um mercado que está
incessantemente em busca de sua próxima base de consumidores.
Em termos de acesso à informação e de oportunidade
de aprender e compartilhar conhecimento, nunca fomos tão ricos e iguais.
Compartilhamos o que sabemos, aprendemos com terceiros, e somos inundados por
uma infindável corrente de dados cruciais para viver uma boa vida. Cabe
exclusivamente a cada um de nós saber tirar proveito de tudo isso.
Estamos constantemente bebendo daquela fonte que
F.A. Hayek rotulou de "fundo da experiência": trata-se do meio pelo qual todo o
planeta e toda a história pode se beneficiar do sucesso de uma única empresa ou
de um único inovador, desde que haja
meios através dos quais esse conhecimento possa ser compartilhado.
"A dádiva do conhecimento," — escreveu ele em 1966
— "que tanto custou para ser conseguida por aqueles que estão na vanguarda,
permite aos seguidores alcançar o mesmo nível de conhecimento a um custo muito
menor".
Hayek então fornece esta extremamente perspicaz
observação sobre o valor da informação:
A
expansão do conhecimento é de crucial importância porque, embora os recursos
materiais irão para sempre permanecer escassos e terão de ser reservados para propósitos
limitados, o uso de novos conhecimentos (em que não os tornamos artificialmente
escassos por meio de patentes que concedem monopólios) é irrestrito.
O
conhecimento, uma vez alcançado, se torna gratuitamente disponível para o
benefício de todos. É por meio desta dádiva gratuita do conhecimento adquirido
pelos experimentos de alguns membros da sociedade que o progresso generalizado
se torna possível; que as conquistas daqueles que estiveram na vanguarda
facilitam o avanço daqueles que vêm depois.
A difusão da tecnologia e
dos aplicativos de
celular que transformam a todos em empreendedores, em conjunto com
a Lei de Moore (que
diz que o poder de processamento da informática em geral dobra a cada 18 meses,
e com custos decrescentes), está acelerando a divisão do trabalho ao aumentar o
número de empreendedores, ao reduzir o custo da informação e, principalmente,
ao difundir o conhecimento a custo praticamente zero.
Estamos de volta àquela outra observação feita por
Hayek, ainda em 1945, em seu artigo O uso do conhecimento na
sociedade. O conhecimento é descentralizado. O livre mercado cria
incentivos para que aquelas pessoas que possuem informação especializada possam
colocar esse conhecimento para usos lucrativos. E, ao fazerem isso, todo o
resto do mundo é gratuitamente beneficiado. A riqueza se espalha e se torna
mais igual.
Infelizmente,
nunca há como ganhar
Mas, por acaso vemos os defensores da igualdade
celebrando esta notável conquista? De minha parte, nunca vi nenhum. Ao
contrário: o fiel da balança foi brutalmente deslocado, e os termos do debate
foram inteiramente direcionados para um enfoque exclusivo, obsessivo e maníaco
na renda como a única fonte possível de riqueza.
Só que tudo é ainda pior. Nunca tivemos tanto acesso
a outras formas de pensamento e de vida, e a novas culturas, idiomas e
experiências humanos. A oportunidade de descobrir e adotar nunca foi tão
volumosa. E, em meio a este extraordinário fluxo de informações que vêm de fora
da nossa estreita experiência, a esquerda progressista afirma que é errado — e
até mesmo profundamente imoral — se "apropriar" das experiências de outras
pessoas e aprender com elas de uma forma que seja proveitosa para nós. Afinal,
fazer isso é considerado uma "apropriação cultural",
como se fosse uma forma de roubo.
Trata-se de uma acusação inacreditável, além de ser
profundamente anti-intelectual. Você não tem como roubar uma cultura. Cultura
não é um bem escasso. Está ali disponível para todos se "apropriarem" dela.
Atacar nossa liberdade de aprender e de ser influenciado, e rotular de
"antiético" descobrir algo diferente e vivenciar aquela experiência significa
aniquilar todas as chances de progresso. Trata-se de um ataque fundamental à
maior fonte de riqueza que hoje usufruímos como sociedade.
Com isso, é possível entender que, da maneira como a
esquerda manipulou o jogo, simplesmente não há como a liberdade vencer o debate
a respeito da igualdade. Se você mostra que a informação é o bem mais valioso
que existe e que nunca houve uma oferta tão grande, a esquerda diz que isso não
importa. Se você mostra que a cultura geral nunca esteve tão acessível, a
esquerda diz que é errado consumir e ser influenciado pela cultura alheia, pois
isso configura roubo.
Os críticos da economia de mercado que invocam a
igualdade como um ideal não irão sossegar enquanto não conseguirem aniquilar
toda e qualquer oportunidade de as pessoas viverem uma boa vida.
Aqui estamos nós, em um era de inaudita abundância
do bem mais valioso que existe, o qual está disponível para todos,
independentemente da classe social, e, em vez de celebração e apreciação, vemos
o exato oposto: reclamações infindáveis sobre mesquinhas preocupações
materialistas, as quais têm uma relevância totalmente efêmera para a qualidade
de vida que todas as pessoas esperam usufruir.
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