Estaria a Venezuela pagando o preço do desarmamento?
A natureza horrenda do colapso econômico da
Venezuela já foi coberta ad nauseam
por todos os veículos de comunicação. Entretanto, um aspecto da crise
venezuelana que não recebe muita cobertura da mídia é o desarmamento da
população imposto pelo governo.
A rede Fox News recentemente publicou um excelente
artigo ressaltando o arrependimento dos venezuelanos em relação às
políticas de desarmamento que o governo da Venezuela implantou em 2012. Eis
alguns trechos.
Venezuelanos
se arrependem de terem entregado suas armas ao governo
Cúcuta, fronteira da Colômbia com a Venezuela — À
medida que a Venezuela sucumbe à ditadura socialista de Nicolás Maduro,
cidadãos expressam seu lamento pelo dia em que foram forçados a entregar suas
armas em razão da dura legislação implantada no país.
"Armas teriam
servido como um pilar vital para manter o povo livre, ou pelo menos capaz de
lutar", disse Javier Vanegas, professor de inglês venezuelano exilado no
Equador. "As forças de segurança
do governo, no início deste desastre, sabiam que não teriam uma real
resistência à sua força. Quando as coisas ficaram realmente ruins, tornou-se
evidente que a medida foi uma clara declaração de guerra contra uma população
desarmada."
Sob o comando do então presidente Hugo Chávez, o
Congresso venezuelano aprovou, em 2012, a "Lei do Controle de Armas, Munições e Desarmamento", cujo objetivo explícito era "desarmar
todos os cidadãos". A posse de armas no país foi totalmente proibida. A lei
entrou em vigor em 2013, proibindo por completo as vendas de armas e munição —
exceto para entidades do governo.
Inicialmente, Chávez promoveu um programa de
anistia, com meses de duração, estimulando os venezuelanos a trocarem suas
armas por eletrodomésticos. Naquele ano, houve apenas 37 registros de entregas
voluntárias de armas, sendo que a maioria das armas obtidas pelo governo —
mais de 12.500 — foi na base da força.
Em 2014, já com Nicolás Maduro no poder, o governo
investiu mais de US$ 47 milhões para impingir o desarmamento — o que inclui
espetáculos públicos grandiosos de tratores destruindo armas em praças
públicas.
Apenas podem ser proprietários de armas na Venezuela
membros do governo. A restrição é tão abrangente que até mesmo estilingues e
armas de pressão (airsoft) só podem transitar nas mãos dos agentes
estatais, segundo informou um ex-vendedor de armas venezuelano, que hoje vende
apenas produtos de pesca após a política desarmamentista do governo ganhar
corpo.
A pena por vender ou possuir armas é de 20 anos de
cadeia. [...]
Desde abril de 2017, quase 200 manifestantes
pró-democracia na Venezuela — armados principalmente com pedras — foram
mortos a tiros pelas forças do governo. [...]
"A Venezuela
mostra como pode ser fatal os cidadãos serem privados dos meios de resistir às
depredações de um governo criminoso", disse David Kopel, analista político e diretor de
pesquisa do Independence
Institute e professor adjunto de Direito Constitucional Avançado
da Universidade de Denver. "Os governantes venezuelanos — assim como
seus semelhantes cubanos — aparentemente veem a posse de armas pelos cidadãos
como um grande risco para a perpetuação do monopólio comunista do poder".
Obviamente, o pretexto da
legislação do desarmamento foi a "segurança da população", "a redução da
criminalidade" etc. A realidade, no entanto, é que cidadãos desarmados são
presas fáceis e oferecem uma resistência menor àquele que detém o monopólio das
armas: o estado.
O governo venezuelano é
hoje um dos mais tirânicos
do mundo, com um comprovado histórico de violação das mais básicas
liberdades civis, o que inclui proibir
a liberdade de expressão e a imprensa livre, destruir a moeda nacional,
confiscar a propriedade
privada, e criar todos os tipos de controles econômicos
que destroem a
produtividade do país.
As eleições se mostraram
totalmente inúteis, pois sempre foram repletas de denúncias
de fraude, corrupção e manipulações do governo. Para muitos, pegar em armas
era a única opção que restava para que o país se livrasse de seu governo
tirânico. Entretanto, o governo venezuelano foi muito bem-sucedido em impedir
essa insurreição popular ao aprovar e impingir o draconiano desarmamento da
população, o qual será detalhado abaixo.
Nunca houve uma tradição pró-armas na
Venezuela
Historicamente falando, a
Venezuela nunca teve um robusto histórico de posse de armas, ao contrário da
população americana. A ausência dessa tradição, e até mesmo a ausência de uma
vigilância do povo sobre o monopólio governamental das armas, é um vestígio de
seu legado colonial.
Seus conquistadores
espanhóis não possuíam a cultura política da propriedade civil de armas de
fogo. Durante a era colonial, eram majoritariamente os militares e a nobreza
proprietária de terras que possuíam armas de fogo. Essa tradição se manteve
mesmo após os países latino-americanos se tornarem independentes da Espanha nos
anos 1820.
No século XX, a situação
piorou, e a Venezuela iniciou suas primeiras tentativas de "modernizar" sua
política desarmamentista. Em 1939, o governo venezuelano implantou a Ley
de Armas y Explosivos, a qual
estabelecia o monopólio estatal sobre o uso de armas de fogo. O estado passava
a ser a única entidade que poderia possuir "armas de guerra", as quais incluíam
desde canhões, rifles, morteiros, metralhadoras e sub-metralhadoras até
carabinas, pistolas e revólveres. Os civis podiam possuir rifles
calibre .22 e espingardas. Em certas circunstâncias específicas, eles podiam
ter revólveres, desde que obtivessem uma licença para isso.
O papel das idéias progressistas na
consolidação do estatismo venezuelano
Idéias importam. Idéias têm poder.
Não é surpresa nenhuma que
a Venezuela tenha embarcado nesta aventura desarmamentista no final da década
de 1930. [N. do E.: "coincidentemente", foi quando Getúlio Vargas também
iniciou o desarmamento no Brasil]. Este foi um período em que o estatismo
estava em voga em todo mundo, como pode ser comprovado pela ascensão do
fascismo e do comunismo na Europa, e do New Deal nos EUA.
Com efeito, foi exatamente
durante o New Deal que o governo americano fez sua primeira investida na seara
do controle de armas com a aprovação do National Firearms Act (que aumentava impostos sobre a manufatura e transferência de
determinadas armas, e exigia seu registro junto ao governo), em 1934.
Não obstante suas
políticas desarmamentistas, a Venezuela ao menos ainda mantinha uma certa
restrição ao envolvimento do governo na economia. Isso durou até o início da
década de 1970.
A estatização de toda a
indústria petrolífera na década de 1970 e as subsequentes recessões das
décadas de 1980 e 1990 abalaram as bases institucionais da Venezuela.
Consequentemente, o país se tornou propício para ser tomado por demagogos.
A agenda anti-armas de Hugo Chávez
Quando o socialista Hugo
Chávez assumiu o poder,
em 1999, as anteriores leis desarmamentistas da Venezuela não apenas foram
mantidas intactas, como ainda foram expandidas. O artigo
234 da atual Constituição venezuelana (a 26ª da sua
história) manteve o monopólio das armas de fogo com o estado e colocou as
Forças Armadas como a entidade responsável por regular todas as armas de fogo
no país.
Em 2002, o governo
venezuelano aprovou a primeira
versão da Lei do Controle de Armas,
Munições e Desarmamento, reforçando o férreo controle estatal sobre as
armas no país. Uma década depois, a lei foi modificada
para aprofundar e expandir o escopo do desarmamento, entregando às Forças
Armadas o poder exclusivo de controlar, registrar e confiscar as armas.
Sob a justificativa de
estar combatendo a criminalidade, o governo venezuelano finalmente implantou a proibição total
de toda a venda de armas e munições em 2012 [N. do E.: com
o entusiasmado apoio da Viva Rio, vale ressaltar].
Como outros episódios de
desarmamento, tal medida se comprovou completamente fútil na redução da
criminalidade. De acordo com as estatísticas
do Observatório da Violência venezuelano, a taxa de homicídios do país disparou
de 73
assassinatos por 100.000 pessoas em 2012 para 91,8
assassinatos por 100.000 pessoas em 2016.
Desarmamento: transformando os cidadãos
em reféns desarmados
Os venezuelanos estão hoje
completamente indefesos contra um governo que diariamente destroça suas
liberdades civis e econômicas. Um governo que impede sua liberdade de
expressão, que confisca sua propriedade privada, que expropria sua riqueza, que
destrói sua moeda e seu poder de compra, que empurra suas mulheres para a
prostituição e que literalmente mata a população de fome.
Como se não bastasse, os
venezuelanos também têm de lidar com a criminalidade desenfreada e com a
constante ameaça dos colectivos,
que são as infames unidades paramilitares pró-governo que assassinam pessoas
consideradas inimigas do regime.
Embora uma política
desarmamentista, por si só, não leve automaticamente para tirania, eventos históricos nos lembram
que mesmo intervenções bem-intencionadas feitas por governos anteriores podem
ser utilizadas por governos subsequentes para propósitos nefastos. A proibição,
o confisco e mesmo a exigência de registro de armas dão ao estado o monopólio
prático da violência, desta maneira transformando os cidadãos em meros reféns
passivos e indefesos.
Quando a realidade se
impõe, uma população desarmada simplesmente não tem nenhuma chance de oferecer
resistência a um Leviatã muito bem armado e detentor do monopólio das armas.
Por fim, vale a lição: turbulências
políticas e tentações autoritárias podem surgir a qualquer momento e em qualquer país, e os cidadãos têm de ter um
meio final de se protegerem caso todas as opções institucionais estejam
exauridas. Cidadãos armados impõem um limite natural à tirania do estado.