Eis o primeiro fato crucial a ser entendido: o trabalho assalariado é uma via de mão
dupla.
Em uma economia de mercado, o contrato de trabalho
ocorre quando há a expectativa de que ocorrerá uma cooperação mútua, a qual irá
melhorar a situação tanto do empregador quanto do empregado.
Caso não houvesse escassez no mundo, o empregador
iria preferir não contratar ninguém e fazer tudo sozinho. Isso não apenas lhe
pouparia recursos, como também, em todo caso, a maioria dos empregadores
imagina poder fazer um trabalho melhor do que qualquer pessoa que venham a
contratar. Eles apenas contratam porque sabem que não podem fazer tudo
sozinhos.
A própria existência de empresas que empregam mais
pessoas do que o número de proprietários é um fenômeno oriundo da necessidade
de se dividir o trabalho. A teoria da divisão do trabalho e das vantagens
comparativas mostra que, mesmo que o patrão seja o melhor contador, faxineiro,
comerciante, desenvolvedor de página de website e especialista em marketing em
todo o mundo, ele estará em melhor situação caso se especialize em apenas uma
área, e entregue as outras tarefas para outras pessoas, mesmo que estas pessoas
não sejam tão boas quanto ele nestas tarefas.
Cada patrão, portanto, considera cada decisão de
contratação uma combinação entre temor ("não quero desperdiçar
dinheiro!") e alívio ("finalmente poderei me concentrar em algo
aqui!").
O empregado não está fazendo nenhum favor ao seu
patrão ao meramente trabalhar ali. Já o patrão não deve ser visto como um
generoso distribuidor de fundos, muito menos alguém sob uma obrigação moral de
fazer redistribuição de renda. O empregado está ali porque a natureza do mundo
e a escassez de tempo e recursos o tornam necessário.
Para que todo este arranjo funcione bem e
pacificamente, é necessário haver benefícios mútuos. Sempre.
Quando este benefício mútuo deixa de existir, passa
a ser do interesse de ambos os lados desfazer a relação. O empregado, que
deixou de ser útil para aquele patrão, estará livre para ir à procura de
melhores e mais agradáveis oportunidades. Já o patrão poderá parar de pagar a
esse empregado, que estava lhe oferecendo serviços que ele não mais acredita
serem benéficos para a empresa.
Por isso, vale repetir, o contrato de trabalho
deveria ser baseado no benefício mútuo. A liberdade de demitir e a liberdade de
se demitir são os mecanismos que
mantêm funcionando essa relação de trocas mútuas.
O que nos leva ao fenômeno da demissão.
Nem
sempre é uma tragédia
Ser demitido nem sempre é uma tragédia. No ciclo
ideal da vida, você vive, aprende e segue em frente.
Adicionalmente, a causa da sua demissão nem sempre é
a incompetência. Nunca conheci uma pessoa produtiva, ambiciosa e talentosa que
não tenha sido demitido de pelo menos um emprego. Todas as pessoas, por
melhores que sejam, já foram demitidas ao menos uma vez.
Em algumas ocasiões, grandes empregados são tão
inovadores que passam a ser vistos como disruptivos, o que faz com que a
estrutura já estabelecida da empresa na qual ele trabalha reaja negativamente.
Steve Jobs é o exemplo mais famoso: ele
foi demitido de sua própria empresa em 1985, e retornou anos depois para
liderar a Apple à grandeza.
Dito isso, é fato que as pessoas raramente estão
preparadas para ser demitidas. Por essa razão, pessoas que são demitidas tendem
a cometer os mesmos erros quando recebem a notícia. E é assim porque a
experiência é nova, e nada em nossa educação ou no nosso sistema educacional
nos preparou para o que fazer (com efeito, nosso sistema educacional não nos prepara para
absolutamente nenhuma situação do mundo real).
Sendo assim, as pessoas recebem a notícia ruim,
entram em pânico, e tornam a situação ainda pior.
Ser demitido já aconteceu comigo, e provavelmente
acontecerá com você em algum momento da sua carreira (exceto se você for
funcionário público). Sim, no momento, parece ser um dos grandes traumas da
vida. Entretanto, todos nós temos a tendência de exagerar enormemente as
implicações disso, e perdemos muito tempo pensando no ocorrido em vez de ver esse
acontecimento como um desafio e uma oportunidade.
Primeiro,
entenda que nem todo emprego é o certo para você
A criação de valor tem de ser para ambos os lados:
de você para seu patrão e do seu patrão para você.
E essa relação de troca tem de continuar
diariamente. Se houver uma incompatibilidade, não faz sentido continuar a
relação.
Ao ser demitido, ninguém está necessariamente
querendo prejudicar você, da mesma forma que você não está querendo prejudicar
uma joalheria ao se recusar a comprar seu produto. Seu patrão simplesmente não
mais está querendo continuar essa relação de troca, algo que é um direito
humano dele.
Dica: você não vai querer um emprego no qual você
não é visto como um criador líquido de valor. Se a relação não está
funcionando, você tem de saber disso.
A razão por que você foi demitido importa? Não
muito. O próprio empregador nem sempre sabe o motivo. Ele apenas sabe que, do
ponto de vista dele, a relação não mais está funcionando. E ele está em seu
perfeito direito de terminá-la.
De novo: por que você iria querer continuar
trabalhando para alguém que não mais lhe quer?
Por fim, se seu empregador decide que você não mais
se encaixa no empreendimento, não lhe fará nada bem ficar penando em um estado
de negação, acreditando, por exemplo, que alguém irá ligar para você implorando
para voltar. Isso não irá acontecer, mesmo que devesse. Aquele período da sua
vida acabou, e um novo período está começando. Processe essa realidade o mais
rapidamente possível.
Segundo,
não tenha um surto de raiva
Isso seria um erro enorme e desastroso. Você precisa
criar uma ponte entre seu atual emprego e o próximo. Sua saída tem de ser
elegante, com manifestações de genuína gratidão pela confiança que o empregador
demonstrou ter em você. Expresse isso de todas as maneiras possíveis —
deixando de lado todas as fantasias de vingança —, com o máximo de sinceridade
que você conseguir reunir.
Ainda que você tenha a certeza de que o lugar vai
entrar em colapso na sua ausência, deixe que isso seja um problema deles, não
seu.
Acredite: você ficará feliz por ter optado por se
comportar como uma pessoa decente e madura. Seu empregador ficará positivamente
impressionado com sua atitude, e poderá de muito bom grado escrever uma ótima
carta de recomendação para seu próximo emprego. Jamais se deixe levar pela
ideia de que isso não é importante.
Dentro de semanas ou meses, você será perguntado
como ou por que sua relação anterior de emprego terminou. Você terá de explicar.
É quase certo que seu próximo patrão irá entrar em contato com seu anterior.
Você quer que essa conversa seja boa. Se você deixar seu empregador com a
sensação de que você é uma pessoa decente, ponderada e até mesmo magnânima,
melhor para você.
E tenha em mente também que as relações que você
construiu gerarão bons retornos em termos de reputação pelos próximos anos,
quem sabe décadas. Sua atitude não se resume apenas ao contracheque do momento.
O objetivo é construir uma rede de respeito e admiração por sua inteligência,
seu caráter e sua disciplina.
Não há momento melhor para mostrar isso do que
quando as más notícias são recebidas.
Terceiro,
há um problema sério e imediato: fluxo de caixa
Por algum motivo, enquanto estão empregadas, as
pessoas tendem a se esquecer das finanças, se comportando como se sua atual
receita fosse um direito garantido. E então vem a demissão inesperada e a
pessoa entra em choque depois de um mês ao descobrir que o dinheiro parou de
entrar. Esse comportamento é fatal. Ao ser demitido, você tem de imediatamente
se ocupar em encontrar uma maneira de estancar o vazamento em suas finanças
pessoais. Cortar gastos é essencial.
Você pode até conseguir alguns meses de oxigênio com
o seguro-desemprego, mas isso será temporário (e, na esmagadora maioria das
vezes, sua receita será bem menor do que seu salário anterior).
Tudo fica pior ao se deparar com a realidade do
mercado de trabalho: você pode demorar meses até encontrar seu próximo emprego.
E, se encontrar, terá de esperar mais 30 dias até receber o próximo salário.
Essa é a realidade cruel, e ela se deve majoritariamente aos custos artificiais
impostos pelo governo na relação de trabalho. Os encargos sociais e
trabalhistas, bem como toda a carga tributária, aumentam enormemente os
riscos de se contratar alguém. Não deveria ser assim, e não seria assim em um
livre mercado. Mas não vivemos nesse mundo e essa é a realidade.
Portanto, entre o fim do seguro-desemprego e o início
do próximo emprego, pode haver um espaço de meses. Se, durante esse tempo, você
estourar seu cartão de crédito e estiver sem renda, você estará seriamente
encrencado, entrando em uma situação da qual poderá levar mais de um ano para
se recuperar.
Tenho uma amiga que tinha um ótimo emprego em uma
cidade grande. O salário era alto, e ela era "gastadeira" e não tinha o hábito
de poupar. Sempre agiu como se fosse estar naquele emprego para sempre. E então
veio o imprevisto, e ela se tornou vítima dos maus humores do novo
administrador da empresa. Repentinamente, ficou desempregada. Como não tinha
feito poupança, ela rapidamente percebeu que agora tinha duas ocupações:
procurar outro emprego e conseguir renda imediatamente, de qualquer fonte.
O que ela fez? Tornou-se lavadora de pratos no
pequeno restaurante na rua de sua casa. Ao mesmo tempo, não descuidou de sua
página no LinkedIn. Foi realmente incrível e inspirador. Rapidamente, ela
encontrou outro emprego ainda melhor que o anterior, e está hoje ascendendo na
carreira corporativa. É
assim que se faz.
Entretanto, nada substitui a importância da poupança
e da educação
financeira. Crie esse hábito para não passar aperto ao
eventualmente ficar desempregado.
Quarto,
abra seu leque ao procurar o próximo emprego
Pode ser que você já esteja de olho em uma
determinada empresa porque, por exemplo, um amigo trabalha lá. Você se
apresenta e se esforça para conseguir uma vaga. É ali que você se imagina. No
entanto, a dolorosa realidade é que você não está no controle da situação. Com
efeito, você não possui o controle exclusivo de nenhuma situação. Por isso, em
vez de se prender a uma única oportunidade, você tem de se imaginar em uma
variedade de novas posições e instituições, e se inscrever em todas elas, o
mais rapidamente possível.
Há um elemento prático aqui. Seu próximo empregador
tem de acreditar que você está sendo bastante demandado por todos os lados, de
modo que ele terá de começar a fazer ofertas salariais pelos seus serviços o
mais rapidamente possível. Do seu ponto de vista, você tem de estar um tanto
desprendido. Você tem de estar na posição de poder recusar, e talvez até mesmo
(embora isso seja capcioso) jogar uma instituição contra outra, colocando as
duas para disputar sua mão-de-obra. Para ser um agente independente no processo
de contratação, você precisa de opções. Mas somente você pode criá-las.
Quinto, aprenda com seus erros
Todos cometemos
erros. A
primeira vez que fui demitido foi por insubordinação. Eu trabalhava em uma loja
que vendia ternos feitos sob medida. Cheguei a ser considerado pela gerência o
melhor vendedor da loja. Durante uma temporada de natal, o patrão disse a todos
os vendedores que, dali em diante, todos os pedidos de alteração nas medidas
das roupas só poderiam ser prometidos para três semanas após a data da venda
(quem fazia o trabalho de alfaiate era o próprio patrão).
Considerei aquele alongamento vergonhoso. Não era
necessário tanto tempo.
Como era de se esperar, menos de uma hora depois, um
cliente adentrou a loja e disse que compraria sete ternos caríssimos, mas com
uma condição: todas as alterações teriam de estar prontas em, no máximo, uma
semana.
Desconsiderei as ordens do patrão e prometi ao
cliente que as roupas estariam prontas em uma semana. Ao fim do expediente
daquele dia, meu patrão descobriu os recibos, ficou enfurecido, jogou todos os
sete ternos em cima de mim e exigiu saber "quem irá fazer as alterações
neles?"
E então eu disse: "Eu irei". E
imediatamente fui para a máquina de costura e comecei a trabalhar. Quando eram
9 da noite, eu já havia terminado todos os ternos. Imediatamente, levei todo o
trabalho completo para o patrão e disse que eu mesmo entregaria os ternos
pessoalmente ao cliente na manhã do dia seguinte.
Meu patrão, então, disse: "Ótimo." E
completou: "Quando você terminar da fazer isso, não mais precisarei dos
seus serviços."
Não, isso não foi uma injustiça. Nenhum patrão toleraria
tamanha insubordinação. Aprendi com isso, cresci, e simplesmente arrebentei no
meu emprego seguinte. (Virei gerente em outra loja de roupas, diretamente concorrente
à do meu antigo patrão; minha loja superou a dele em todas as temporadas
seguintes).
De novo: todos cometemos erros. Descubra quais foram
os seus, aprenda com eles, e utilize essas lições em seu próximo emprego. Deixe
o rancor de lado e pense em si mesmo como um ativo cujo valor aumenta com o
tempo e, principalmente, com os erros cometidos e reconhecidos.
Para
finalizar
Talvez a demissão nem foi porque cometemos erros. A relação
de troca funcionou por algum tempo, e então parou de funcionar. Isso acontece e
é normal. Já lidei com essa situação várias vezes ao longo de minha vida
profissional. Não há nada de errado com isso. Pode acontecer a qualquer pessoa
em qualquer situação de emprego.
Por esse motivo, o empregado esperto tem de estar
sempre se imaginando em outras posições no mercado, talvez não ativamente
procurando novos empregos, mas sempre mantendo o olho aberto para possíveis opções.
Isso não é deslealdade. Ao contrário, tal atitude ajuda você a encontrar mais
rapidamente qual é a ocupação que gera seu maior valor no mercado de trabalho,
algo que beneficia seu atual empregador tanto quanto você.
Todos seremos demitidos em algum ponto da carreira. Saber
transformar isso em algo positivo na sua vida vai depender de você.