quarta-feira, 15 jan 2020
O trabalho é inegavelmente um fator determinante
para o sucesso pessoal e para o desenvolvimento social. Entretanto, há um
mantra socialmente aceito em relação ao trabalho que o trata com uma aura de
misticismo.
É dito que o "trabalho duro" é o que conduz uma
pessoa, bem como todo um país, ao sucesso e ao enriquecimento. A ideia é que
você (bem como todo o país) só irá enriquecer e prosperar se "trabalhar duro",
se "acordar cedo e trabalhar pesado o dia inteiro, sem preguiça" — ou qualquer
coisa neste sentido.
Mas isso é conceitualmente incorreto. A ideia de
trabalho duro como o único determinante para o desenvolvimento é incompleta.
Trabalhar intensamente, por si só, não leva ao desenvolvimento econômico
desejado por todos.
A
relação é inversa
Para começar, quando se fala sobre "trabalho duro",
é difícil encontrar a melhor maneira de explicá-lo: você toma por base a força
ou a inteligência? Uma maneira fácil de tentar mensurar o trabalho é
baseando-se nas horas de trabalho de cada trabalhador individual. O gráfico 1
abaixo mostra a média das horas trabalhadas por ano.

Gráfico
1: média das horas anuais de trabalho por trabalhador - Fonte: OCDE. Dados de2017
Já o gráfico 2 mostra a
média das horas de trabalho por semana em diferentes países da OCDE

Gráfico
2: média das horas de trabalho semanais,
por trabalhador, em diferentes países da OCDE
Já de imediato é possível constatar um padrão
simples: países mais ricos trabalham menos
horas. Trabalha-se muito menos na Alemanha, na Dinamarca do que na Costa Rica e
no México.
Ou, para ser ainda mais direto, veja esta tabela (fonte)
que mostra a quantidade anual de horas trabalhadas por país (com dados agora de 2014):

Faria sentido, portanto, ainda acreditar que pessoas
que trabalham mais horas são aquelas que vivem melhor? Os dados primários
parecem indicar o contrário.
Ainda assim, essa ideia vai contra o senso comum. Em
praticamente todas as sociedades e religiões, trabalho duro e esforço exaustivo
são bem vistos. Mas se eles não determinam o desenvolvimento de um país, então
o que determina? Por que os países mais ricos trabalham "menos duro" do que os
mais pobres? Por que o esforço daqueles que trabalham mais não são
recompensados com maior qualidade de vida?
Para começar a entender essas questões, é necessário
adicionar variáveis à análise. E uma variável importante a ser analisada é como
o número de horas trabalhadas mudou ao longo dos anos. O gráfico 3, abaixo,
mostra o valor anual da média de horas trabalhadas para três diferentes
gerações, com um espaço de aproximadamente 20 anos por observação.

Gráfico
3: horas trabalhadas em diferentes períodos de tempo - Fonte: OCDE
Observe que, após a década de 1970, houve um
pronunciado declínio no número de horas dedicadas ao trabalho nos países da
OCDE. No caso do Japão, a redução foi de quase 30% em 40 anos.
Mas o passar do tempo, por si só, não explica tudo,
obviamente. Portanto, é importante lembrar que todos os países da OCDE
cresceram economicamente ao longo destes 40 anos. Logo, a relação resultante é
entre desenvolvimento econômico ao longo do tempo e redução nas horas anuais de
trabalho. Os países mais pobres continuam trabalhando mais horas.
Isso pode ser visto mais claramente no gráfico 4, o
qual mostra a evolução das horas anuais de trabalho ao longo de 40 anos para
três potências econômicas (EUA, Reino Unido e Japão). A tendência é claramente
declinante ao longo dos anos.

Gráfico
4: evolução das horas anuais de trabalho entre 1970 e 2017 para Japão (linha
azul), Reino Unido (linha laranja) e Estados Unidos (linha cinza) - Fonte: OCDE
Analisando os dados para as horas anuais de
trabalho, e comparando-os em relação ao PIB per capita, vemos que a relação
anteriormente pressuposta é verdadeira: quanto maior o PIB per capita, menores
as horas trabalhadas por ano.
Ou seja, a riqueza gera menos necessidade de trabalho.

Gráfico
5: PIB per capita na eixo horizontal; horas anuais de trabalho no eixo
vertical. Quanto maior o PIB per capita, menor as horas de trabalho por ano -
Fonte: OCDE
Portanto, temos uma observação empírica: países mais
ricos trabalham menos que países mais pobres. Quanto mais rico é um país,
menores as suas horas de trabalho.
Isso leva à inevitável pergunta: por quê?
Trabalhar
duro é diferente de trabalhar produtivamente
Em certo sentido, trabalhar mais horas pode produzir
mais riqueza. Teoricamente, se tudo o que você tem é um machado e troncos
de árvore, então trabalhar oito horas cortando madeira irá lhe render mais
madeira do que em apenas quatro horas. Assim, neste caso hipotético,
trabalhar mais significa mais produção.
O problema é que dificilmente você conseguirá manter
essa rotina exaustiva por muito tempo e durante vários meses. Com efeito,
tentar manter essa rotina não será muito inteligente. Haverá um momento em
que suas condições físicas estarão debilitadas e sua produtividade
inevitavelmente cairá.
Sendo assim, se você conseguir obter uma máquina que
lhe permita cortar madeira de uma maneira mais rápida, você terá a mesma
quantidade de madeira em apenas uma fração do tempo original.
Uma serra elétrica, por exemplo, tornará o seu
trabalho muito mais produtivo do que um machado. Uma serra elétrica
permite que, com menos horas de trabalho, você consiga a mesma quantidade de
madeira que conseguiria com um machado e várias horas a mais de trabalho.
A serra elétrica é um bem de capital que aumenta sua
produtividade, permitindo que você trabalhe menos e produza mais. Ao
aumentar a quantidade de energia disponível, a serra elétrica permite que você,
simultaneamente, reduza sua carga de trabalho muscular e obtenha mais cortes de
madeira. A introdução da serra elétrica aumentou seu padrão de vida e
ainda reduziu o seu "trabalho pesado".
E aí você começa a entender a diferença entre os
trabalhadores em países ricos e os trabalhadores em países pobres.
A resposta rápida para a pergunta de por que
trabalhadores em economias desenvolvidos trabalham menos que trabalhadores de
economias ainda em desenvolvimento é porque a produtividade média dos
trabalhadores das economias ricas é maior.
Ter mais acesso à tecnologia e a técnicas que tornam
o trabalho mais eficiente gera menos horas de trabalho necessárias para
alcançar o mesmo resultado — ou, talvez, um resultado até melhor.
O gráfico 6, abaixo, mostra a relação entre
produtividade e média anual de horas de trabalho. A produtividade é mensurada
dividindo-se o PIB por horas de trabalho.

Gráfico
6: no eixo horizontal, a produtividade (PIB por hora de trabalho); no eixo
vertical, horas de trabalho por trabalhadores - Fonte: University of Groningen,
Our World in Data, Banco Mundial
Como se observa, há uma relação inversa entre
produtividade e horas anuais de trabalho por trabalhador. Não é necessário
trabalhar mais para produzir mais. Tudo o que é necessário para se produzir
mais é, como explicado acima, capital.
A produtividade do trabalhador é aumentada quando se utiliza mais tecnologia e
melhores técnicas de produção.
Como
se faz?
Os países desenvolvidos passaram séculos trabalhando
e poupando com o objetivo de acumular o capital que eles atualmente possuem. O
trabalho, por si só, não traz automaticamente o desenvolvimento econômico;
entretanto, o trabalho torna possível a formação de capital por meio da poupança.
O capital advém da poupança, e poupar significa se
abster do consumo. Uma sociedade que trabalha, produz e se abstém do
consumo permite que os recursos criados e não consumidos sejam utilizados na
construção de bens de capital que irão tornar o trabalho humano mais produtivo.
Os recursos não-consumidos se tornam insumos para a construção de moradias,
fábricas, infraestruturas, meios de transporte, maquinários, escritórios e
imóveis comerciais, laboratórios, cientistas, arquitetos, universidades etc.
Inversamente, uma sociedade que consome 100% do que
produz não possui um único bem de capital. Nesta sociedade não haveria
moradias, fábricas, infraestruturas, meios de transporte, maquinários,
escritórios e imóveis comerciais, laboratórios, cientistas, arquitetos,
universidades etc. Todos os indivíduos estariam permanentemente ocupados
(trabalhando duro) produzindo bens de consumo básicos — comidas e vestes — e
não dedicariam nem um segundo para a produção de bens de capital, que são
investimentos de longo prazo que geram bens futuros.
É a poupança, é o não desejo de consumir tudo o que
se pode, o que permite direcionar esforços para satisfazer não os desejos mais
imediatos, mas sim as necessidades futuras. Com a poupança, são produzidos bens
de capital que irão, por sua vez, fabricar os bens de consumo que serão
demandados no futuro.
Logo, ao fim e ao cabo, os componentes-chave para se
ter trabalhadores mais produtivos é poupar e, consequentemente, utilizar essa
poupança na construção de máquinas, ferramentas, instalações industriais e bens
de capital em geral que poupem o trabalho físico.
Os países ricos de hoje são aqueles que passaram as
últimas décadas (e séculos) trabalhando, produzindo e poupando. Isso significa
que várias gerações decidiram não consumir toda a sua produção presente,
optando por poupar com o intuito de ter um futuro mais próspero. Essa poupança
foi então investida por empreendedores e inovadores que souberam como criar valor.
Finalmente, esse capital aumentou a produtividade das gerações seguintes,
levando à qualidade de vida que hoje vemos nos países de primeiro mundo.
É por isso que os salários nestes países são maiores
do que os países mais pobres, e é por isso que menos trabalho é exigido nestes
países. Dado que o capital aprimorou a produtividade marginal da mão-de-obra —
isto é, a contribuição adicional de cada trabalhador ao longo da cadeia
produtiva —, seu salário aumenta porque seu desempenho é melhor.
Ludwig von Mises sintetizou perfeitamente
o arranjo:
Com o auxílio de melhores ferramentas e
máquinas, a quantidade dos produtos aumenta e sua qualidade melhora. Assim,
o produtor consequentemente estará em posição de obter dos consumidores um
valor maior do que aquele que seu empregado consumiu em uma hora de
trabalho. Somente assim o produtor poderá — e, devido à concorrência com
outros empregadores, será forçado a — pagar maiores salários pelo trabalho do
seu empregado.
Trabalhar menos e produzir mais é o resultado direto
dessa acumulação de capital. Assim como a serra elétrica aumenta a produção em
relação a um serrote ou a um machado, e um trator multiplica enormemente a
produção agrícola em relação a uma enxada, o uso de máquinas e equipamentos
modernos multiplica enormemente a produtividade dos trabalhadores — e,
consequentemente, seus salários e sua qualidade de vida.
Um operário norte-americano ganha quatro vezes mais
que o espanhol ou cem vezes mais que o indiano não por "trabalhar mais duro" ou
por ser mais inteligente, mas sim por utilizar quatro ou cem vezes mais capital
(máquinas, ferramentas, instalações industriais, meios de transporte etc.) que
seu colega espanhol ou indiano, respectivamente.
Em um país rico, a quantidade e a qualidade das máquinas
e das ferramentas disponíveis são muito maiores do que nos países pobres. A
acumulação de capital, o empreendedorismo e a inventividade tecnológica são os
pilares da economia. Como consequência, a produtividade, a riqueza e o
padrão de vida nestes países são muito mais altos.
O objetivo é trabalhar menos e produzir
mais
A ideia de que é necessário trabalhar duro para
enriquecer seria verdadeira apenas se vivêssemos em um mundo completamente
destituído de melhorias na produtividade. Neste caso, realmente, não
haveria alternativa senão trabalhar mais.
Felizmente, não vivemos nesse mundo. E, no mundo em
que de fato vivemos, o objetivo de alcançar um contínuo aumento no padrão de
vida ao mesmo tempo em que se diminui as horas de trabalho é perfeitamente factível.
Afinal, foi exatamente a Revolução Industrial que
permitiu que grande parte da humanidade se livrasse, pela primeira vez na
história do mundo, do fardo diário de ter de trabalhar longas horas sem nenhuma
perspectiva de alívio, tendo pouquíssimo tempo livre para a educação, o lazer e
atividades caritativas.
Desde então, graças à expansão do
capitalismo, a produtividade do trabalhador só fez aumentar nos séculos
seguintes. Hoje, não é necessário trabalhar mais do que dois dias por
semana para alcançar um padrão de vida maior do que aquele usufruído por nossos
ancestrais que viveram no século XVIII. Não temos de trabalhar mais do que
nossos tataravôs. Certamente trabalhamos menos horas do que eles — e por
livre e espontânea vontade.
Os
obstáculos
Entretanto, de nada adianta falar de tudo isso se
ignorarmos o papel deletério das políticas governamentais, que afetam
enormemente todo o processo de acumulação de capital.
O aparato regulatório
que impede o surgimento de novas empresas e novas criações. A burocracia, a carga
tributária e o complexo código tributário, que penalizam a inovação e a
poupança. Tarifas de
importação e uma moeda em contínua desvalorização,
que impedem que empresas adquiram do exterior bens de capital bons e baratos
que aumentariam sua produtividade.
As políticas fiscais e monetárias do governo,
as quais, ao incentivarem o consumismo, o imediatismo e o endividamento da
população para fins consumistas, fazem de tudo para desestimular a
poupança.
O problema da contínua inflação e da consequente destruição do poder de
compra da moeda. Uma moeda que continuamente perde poder de compra
afeta os investimentos de longo prazo (é impossível fazer investimentos produtivos
se você não tem a mínima ideia do poder de compra futuro da moeda) e reduz os
salários reais. Ao reduzir os salários reais, desestimula a poupança (com
a renda disponível cada vez mais afetada, não há como poupar).
Consequentemente, a pouca poupança disponível não é direcionada para
investimentos produtivos, mas sim para o consumo imediato.
O resultado é uma economia voltada para o consumo e
para o prazer imediato, e não para a poupança e para o investimento de longo
prazo. E isso, por sua vez, afeta toda a estrutura produtiva da economia:
em vez de se ter uma economia voltada para a produção de longo prazo, há uma
economia voltada para o consumismo de curto prazo.
Em todos esses casos, avanços na produtividade são
perdidos.
Por isso, para o desenvolvimento, é crucial haver um
governo que ao menos não atrapalhe.
Conclusão
Se o objetivo é o crescimento econômico e o
enriquecimento, então apenas "trabalhar duro" não terá efeito nenhum. O
trabalho duro é importante, mas de nada adianta sem capital acumulado, que é o
que irá realmente aumentar a produtividade do trabalho e gerar mais retornos
com menos esforço. O capital, tanto físico quanto intelectual, é o que permite
aos trabalhadores terem um maior padrão de vida, seja por meio de maiores
salários, seja ao permitir menos horas para se completar um trabalho.
É por isso que a poupança e o investimento são os
mais importantes fatores nas economias desenvolvidas. Acreditar que o trabalho
duro, por si só, fará com que um país prospere é ignorar as premissas básicas
da economia. O verdadeiro crescimento econômico advém da poupança e do
investimento (em conjunto com uma moeda forte e uma economia genuinamente
empreendedorial).
Por fim, eis a grande tragédia: a ideia de que a
prosperidade está no trabalho duro — quando desacoplada do conhecimento
econômico — pode condenar milhões a viverem eternamente na pobreza. Um bom
exemplo é o Haiti:
um país de pessoas laboriosas, mas que não consegue prosperar.
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