Na foto acima, Bolsonaro é presenteado com livros do Instituto Mises Brasil. A questão é: será que ele vai ler?
Há quatro anos, logo após a reeleição de
Dilma Rousseff (alguém ainda se lembra da dona?), este Instituto publicou um artigo
relatando o que nos aguardava pelos próximos quatro anos. Eis alguns trechos:
Aparentemente,
o ano de 2015 já está perdido. O estrago feito nos últimos anos foi
enorme e o conserto não será nem rápido e nem indolor.
O
trio Guido Mantega (Fazenda), Arno Augustin (Tesouro) e Márcio Holland
(Secretária de Política Econômica) deixou um legado desastroso. [...]
A
situação real das contas públicas do Brasil está entre as piores do mundo. O
superávit primário (receitas menos despesas, sem incluir o pagamento de juros
da dívida) deixou de existir, e agora os déficits primários, que não
ocorriam desde 1997, passaram a ser a norma. [...]
Dilma
terá de limpar a bagunça que ela própria criou. E terá de fazer isso
tomando medidas impopulares. Mais ainda: terá de tomar medidas impopulares
ao mesmo tempo em que 1) passa por uma crescente insatisfação popular, 2) vê o
acirramento de ânimos e a difusão de movimentos secessionistas, e 3) está sob a
iminência de um processo de impeachment.
Caso
ela seja bem sucedida em todos os desafios listados neste artigo, o máximo que
ela irá conseguir é retornar o país ao ponto em que ele se encontrava no início
de 2011.
Que
avanço.
Olhando em retrospecto, a previsão foi até um tanto
otimista. O ano de 2015 não foi apenas "perdido"; foi de forte
retrocesso. Assim como também o foi o
ano de 2016.
E o Brasil não retornou "ao ponto em que ele se
encontrava no início de 2011". Foi pior. Voltamos
ao ponto em que estávamos em 2010.
Embora sejam números trágicos, a realidade é que
eles eram inevitáveis. Como este Instituto nunca se cansou de repetir, é
inevitável que a economia — qualquer economia — passe por um período de
profunda correção após vários anos seguidos de manipulações e intervenções
estatais. É impossível sair de um período de crescimento econômico
artificialmente turbinado por políticas heterodoxas (como ocorreu de 2010 em
diante) sem que haja uma forte correção de todos os fundamentos econômicos que
foram distorcidos por esse artificialismo.
E a recessão nada mais é do que essa correção.
Desde o final de 2008, o governo federal brasileiro, de maneira cada vez mais intensa, praticou uma política que envolvia medidas
simultaneamente contraditórias: uma grande expansão do crédito
dos bancos estatais e controle
de preços; gastos
públicos crescentes e desonerações
pontuais; redução
das taxas de juros e aumento
das tarifas de importação e da exigência
de conteúdo nacional (ambas criam reserva de mercado e permitem a prática
de preços mais altos).
A esse conjunto de medidas esdrúxulas foi dado o
nome de Nova Matriz
Econômica, e seu legado foi o que vivenciamos desde 2015.
A principal lição que fica disso tudo é que nenhuma
intervenção do estado na economia passa impune. No final, a economia sempre se
ajusta. E a intensidade desse ajuste (a recessão) vai depender da intensidade
das intervenções que foram praticadas. Considerando que o governo brasileiro
"microgerenciou" a economia desde 2009, e de maneira cada vez mais intensa, o
período de correção (cujos efeitos sentimos até hoje) não tinha como ser
indolor.
O
"trabalho sujo"
No entanto, há um consolo: desde a queda
de Dilma em abril de 2016, algumas alterações de rumo foram feitas pelo
governo Temer. Todas elas de extrema importância, mas cujos efeitos benéficos
só serão sentidos daqui a vários anos (levando-se em conta, é claro, que elas
sejam mantidas e respeitadas).
Dentre as principais podemos citar:
* a aprovação do teto de gastos;
* a reforma trabalhista;
* a queda da inflação de preços de quase 11% para 4,50%,
tendo ficado um bom tempo em torno de 3% (o
que, para o Brasil, é uma façanha);
* a reforma
do ensino médio;
* a lei da terceirização;
* o fim
da obrigatoriedade de a Petrobras participar do pré-sal (além da própria recuperação
da Petrobras, que foi destruída pelo controle de preços
praticado pelo governo);
* a reestruturação
do setor elétrico (que também foi destruído pelo controle de preços
praticado pelo governo);
* a Lei
da Governança nas estatais;
* a liberação de 100% de capital estrangeiro em companhias aéreas brasileiras;
* e, principalmente, uma maior restrição à atuação
dos bancos estatais, principalmente do BNDES. Com suas políticas de empréstimos
subsidiados pelo Tesouro (ou seja, por nós), os bancos estatais foram os principais responsáveis
pela desarrumação da
economia.
Os bancos estatais eram obrigados, pelo governo, a
direcionar empréstimos a juros bem abaixo da SELIC para alguns setores
escolhidos pelo governo — como o setor imobiliário, o setor rural, o setor
exportador, as empreiteiras e os barões do setor industrial. Quem bancava tudo
isso éramos nós, os pagadores de impostos. O governo arrecadava nosso dinheiro
via impostos e empréstimos (vendas de títulos do Tesouro), repassava para os bancos estatais, e estes então emprestavam esse
dinheiro — a juros abaixo da SELIC — para empreiteiras, para compradores de
imóveis, para o setor industrial etc.
Observe no gráfico abaixo que, em decorrência desta
política, o crédito no Brasil foi efetivamente estatizado a partir de 2013,
quando o volume de crédito dos bancos estatais ultrapassou o dos bancos
privados.

Gráfico
1: evolução dos empréstimos concedidos
apenas pelo BNDES (linha verde), por todos os bancos privados (linha azul), e
por todos os bancos estatais, inclusive BNDES (linha vermelha). Fonte: Banco
Central
Esta acentuada expansão do crédito estatal foi o cerne de toda a desarrumação da economia
desde 2008, e o fato de este crédito estar agora em retração, principalmente o
do BNDES, é digno de nota. E de comemoração. Uma
das causas do atual bom comportamento da inflação de preços é exatamente a contração deste crédito.
Mas ainda há muito a ser feito.
O
Brasil que Bolsonaro herda
Eleito em 28 de outubro de 2018 com mais de 55% dos
votos válidos (quase 11
milhões a mais que seu oponente, Fernando Haddad, do PT), Jair Bolsonaro
(PSL) herda uma economia que, embora esteja longe de estar plenamente operante
e ainda possua vários problemas estruturais, ao menos está razoavelmente
estabilizada.
Eis alguns pontos que jogarão a favor de Bolsonaro.
Juros e inflação de preços, que eram o principal
problema em 2015, estão hoje em cifras historicamente baixas (em nível de
Brasil).
A taxa de câmbio, após disparar a partir de
maio e alcançar seu maior valor em setembro (quando o dólar esbarrou
em R$ 4,20), voltou a cair e se estabilizar em torno de R$ 3,85.
O setor
elétrico, como dito, foi reorganizado e, ao menos por ora, não apresenta risco
de colapso.
A redução no
endividamento total das famílias (fenômeno conhecido como 'desalavancagem') em conjunto com a redução do comprometimento da renda delas com o pagamento do serviço desta
dívida são outros dois fenômenos dignos de nota.

Gráfico
2: endividamento das famílias (linha azul) e gastos com serviço da dívida (linha
vermelha); Fonte: Banco Central
Com a queda destes dois indicadores, que voltaram
aos níveis de 2011, abre-se espaço para uma nova rodada de endividamento
(expansão do crédito) e consumo. Basta que haja um aumento no emprego que para
que ambos os itens voltem a subir. Isso tenderá a impulsionar os números do PIB
no curto prazo, o que sempre ajuda na popularidade de um governante (embora
gere novos desequilíbrios que inevitavelmente terão de ser corrigidos
no longo prazo).
Bolsonaro, se fizer tudo certo, pode se beneficiar disso.
Mas não será fácil. Eis os principais problemas da economia, que
terão de ser rapidamente corrigidos caso Bolsonaro queira que os pontos
positivos acima se consolidem.
1)
O primeiro nó górdio, o qual é inadiável, é a questão previdenciária. Mais
especificamente, a evolução
dos gastos da Previdência.
A beleza de você recorrer a gráficos é que eles
não permitem tergiversações. Por isso, irei apenas recorrer ao magnífico gráfico montado
por um colaborador deste Instituto, o qual descreve a situação sem meias
palavras.

Gráfico
3: Evolução das despesas correntes do governo federal: quatro rubricas
A coluna da esquerda mostra o valor dos gastos,
em bilhões de reais.
Observe que as despesas com juros, por ora, parecem
estabilizadas. O mesmo pode ser dito da rubrica "demais despesas correntes"
(contas de água, energia, telefone etc. das instalações do governo federal;
automóveis para autoridades políticas; o cafezinho do Congresso; canetas,
computadores, papeis, clipes, grampeadores, telefones para as repartições
públicas; combustível para a locomoção das excelências etc). Tudo indica ser esse
um efeito da lei do
teto de gastos.
Por outro lado, o crescimento dos gastos
previdenciários já adquiriu um formato exponencial. De 1995 a 2017, eles
cresceram a uma média de 13,7% ao ano, muito acima da inflação de preços (cuja meta é de 4,25% para 2019).
Desnecessário dizer que tal ritmo é completamente insustentável.
2) O segundo nó górdio são os gastos com
funcionalismo público, que, embora cresçam em ritmo menos explosivo que a
Previdência, também aparentam algum descontrole. De 1995 a 2017, cresceram 9,5%
ao
ano.
Assim, como disse nosso colaborador em seu artigo, a conclusão
é inevitável: caso estes gastos mantenham esta trajetória de crescimento — e,
no caso da Previdência, manterão se não houver nenhuma reforma, pois seu principal problema é
demográfico, e a população está envelhecendo —, a lei do teto de gastos só poderá ser cumprida se houver um forte
corte nas demais despesas do governo.
Mais ainda: não haverá carga tributária que baste
para bancar esse descontrole.
Portanto, no curto prazo, os privilégios do
funcionalismo público terão de ser drasticamente cortados. E vários benefícios
previdenciários terão de ser abolidos, principalmente os de funcionários públicos
aposentados, bem como as pensões que recebem seus familiares.
A proposta de Paulo Guedes de "privatizar
tudo o que for possível" e usar as receitas para abater a dívida pública é ótima
e merece todo o apoio, mas não resolve o problema estrutural do aumento dos
gastos com funcionalismo e previdência. É a velha questão da diferença entre
estoque e fluxo: usar receitas de privatizações para abater dívida ajuda apenas em um problema de estoque (a dívida), mas não ataca o problema do fluxo, que é a
necessidade de receitas crescentes para bancar gastos crescentes. O aumento dos
gastos é um problema de fluxo, e necessita de receitas cada vez maiores para bancar esse aumento de gastos. Apenas privatizar estatais não irá resolver, no
longo prazo, o problema do descontrole dos gastos.
3)
O terceiro nó górdio, que decorre destes dois acima, está exatamente nas contas
públicas do governo, que apresentam elevados déficits orçamentários (por enquanto,
sem tendência de queda). Sua consequência imediata é o assustador crescimento da
dívida pública.
O gráfico abaixo mostra a evolução do déficit
nominal do governo (tudo o que o governo gasta, inclusive com juros,
além do que arrecada).

Gráfico
4: evolução do déficit nominal do governo federal. Fonte e gráfico: Banco
Central
O descalabro começou ao final de 2011 e se
intensificou a partir de meados de 2014. Atualmente, em um período de 12 meses,
o governo gasta R$ 500
bilhões a mais do que arrecada via impostos. Ou seja, em 12 meses, o
governo federal se endivida em um montante de R$ 500 bilhões. São R$ 500
bilhões que ele absorve do setor privado a cada 12 meses. São R$ 500 bilhões
que deixam de financiar investimentos produtivos apenas para fechar as contas
do governo.
Como consequência destes déficits, a dívida pública
só faz aumentar. E em modo turbo. Está hoje em módicos R$ 5,4 trilhões. O gráfico abaixo mostra a evolução da dívida
bruta do governo federal desde julho de 1994.

Gráfico
5: evolução da dívida total do governo federal. Fonte e gráfico: Banco Central
As consequências deste descontrole fiscal são diretas:
um aumento dos déficits e do endividamento faz com que empreendedores e
investidores acreditem que o governo terá de aumentar impostos no futuro (o que
inclui o fim das desonerações). E essa mera possibilidade de aumento de
impostos já basta para cancelar investimentos voltados para o longo prazo.
Afinal, empresas planejam a longo prazo. Investimentos
produtivos são investimentos de longo prazo. E futuros aumentos de impostos geram
custos adicionais no longo prazo e alteram totalmente o cenário no qual as
empresas inicialmente basearam seus planos de investimentos. Como investir
quando não se sabe nem como serão os impostos no futuro?
Elementos como previsibilidade e custo tributário
são cruciais nas decisões de investimento (além, é claro, da burocracia). Mudanças
abruptas que aumentam o custo da tributação (e que, portanto, afetam os
retornos futuros) geram mais incertezas e, como consequência, alteram todo o
planejamento das empresas e inibem seus investimentos.
O que nos leva ao quarto nó.
4)
O
investimento produtivo passou por uma queda profunda e não apresenta sinais de reação.
O gráfico a seguir mostra o que houve com os
investimentos em máquinas, equipamentos, instalações industriais e comerciais,
e infraestrutura no Brasil (a Formação Bruta de Capital Fixo - FBCF).

Gráfico
6:
evolução da formação bruta de capital fixo. Fonte e gráfico: Banco Central
Observe que os investimentos pararam de crescer no
segundo trimestre de 2013. De lá para cá, com a intensificação de todos os
problemas estruturais da economia (causados pela Nova Matriz Econômica), os
investimentos já encolheram nada menos que 29%.
Não há crescimento econômico sem investimentos. Não
há empregos sem investimentos. Investimentos — nacionais e estrangeiros — só
ocorrem quando o ambiente econômico e político do país é propício.
Acima de tudo, sem investimentos — principalmente
investimentos de longo prazo, que são mais vultosos e envolvem mais recursos —
não há geração de renda. E sem renda, não há receitas tributárias. Sem receitas,
não há como o governo fazer frente a seus gastos. E aí ele tem de recorrer a empréstimos,
o que aumenta os juros e a dívida. E então recomeça todo o círculo vicioso.
Déficits e endividamento crescentes, portanto, geram
incertezas e imprevisibilidades quanto ao ambiente empreendedorial futuro. Nesse
cenário, é quase impossível empreender, investir e gerar empregos de
qualidade.
Se não restituir a confiança dos empreendedores e
investidores, enviando um inequívoco sinal de que haverá responsabilidade fiscal (com corte de gastos, e jamais com aumento de impostos), Bolsonaro enfrentará
graves problemas e os investimentos produtivos dificilmente ocorrerão em grandes volumes (sendo que é disso que a economia brasileira urgentemente precisa).
Conclusão
Bolsonaro recebe uma economia melhor do que aquela
que Temer herdou de Dilma. Várias questões estruturais e macroeconômicas já estiveram
muito piores do que estão hoje. Mas ainda há pelo menos quatro nós a serem
resolvidos.
Em um contexto global cada vez mais incerto, é
absolutamente crucial restituir um mínimo de confiança e credibilidade na
economia brasileira, tornando-a atraente para empreendedores de todos os cantos
do mundo.
Por isso, é essencial indicar que as contas
públicas voltarão a ter ordem e que o teto de gastos será mantido. Isso implica
reforma da previdência e ajuste do setor público. Feito o ajuste fiscal, é necessária
uma redução generalizada de impostos (impostos altos não estimulam o
investimento produtivo), inclusive das tarifas de importação.
Igualmente importante é acabar com a participação do
estado na economia, desestatizando
estatais, ampliado a atuação do setor privado em todas as áreas (em infraestrutura é crucial) e abolindo os conluios corporativistas entre estado e grandes empresas,
que tantas desgraças trouxeram ao país.
Acima de tudo, é crucial liberalizar amplamente
nossos setores produtivos, facilitando o empreendedorismo (sem o qual
não há empregos nem salários).
Para a economia voltar a crescer, os políticos e o
estado brasileiro terão de encolher.
Ao menos Paulo Guedes parece saber disso.