Você
sai de casa e se dirige ao supermercado. A decisão de ir ao supermercado
"A" em vez de ir a qualquer outro supermercado, quitanda ou mercearia
está relacionada à comodidade oferecida pelo estabelecimento, aos preços ali
praticados, à qualidade dos produtos e à variedade que você consegue encontrar.
No
caminho, dois indivíduos o assaltam. Agarram seus braços à força e lhe mandam
ficar quieto e não reagir. Garantem que nada de ruim irá acontecer caso você
faça exatamente o que ordenarem.
Entre
empurrões e ameaças, você é forçosamente conduzido a outro lugar, o qual se
parece bastante com o supermercado a que você se dirigia; porém, você imediatamente
percebe que não é o mesmo.
Ali
também há alimentos e bebidas, produtos de limpeza e decoração, e até mesmo a
área de comida pronta para levar. No entanto, você não vê a mesma
qualidade, a mesma variedade, e nem os mesmos preços baixos.
Os
assaltantes que arrastaram você até ali lhe explicam que aquela é a melhor
qualidade que se pode conseguir com os insumos e mão-de-obra disponíveis
localmente, que os preços estão os mais baixos possíveis, e que, ademais, ao
comprar neste supermercado, você está prestando um grande serviço a todos que
ali trabalham e a todo o bairro ao redor.
Pergunta
óbvia: se este supermercado é tão fabuloso quanto garantem os
assaltantes, por que tiveram de obrigar você a entrar nele? Se ele realmente fosse superior e vantajoso,
você iria voluntariamente optar por comprar nele.
Por
mais exagerado que o exemplo acima possa parecer, é exatamente isso o que
ocorre sob o protecionismo. Mediante vários empecilhos às importações —
os quais podem ocorrer na forma de tarifas de importação, taxas de câmbio
artificialmente elevadas, ou variadas formas de restrições burocráticas —, o
governo tenta frear a entrada de produtos estrangeiros, desta maneira
favorecendo deliberadamente os produtos nacionais, à custa dos consumidores.
Com
efeito, é isso o que ocorre no Brasil. Mas, felizmente, alguém de peso apontou
essa excrescência, e em nível mundial.
O Brasil "é uma beleza"
O
presidente americano Donald Trump, durante uma coletiva na Casa branca, criticou
as relações comerciais dos EUA com o Brasil.
Segundo
ele, empresas e produtores americanos têm grandes dificuldades de exportar
produtos para o Brasil, tamanhas são as tarifas de importação brasileiras, bem
como enormes são as exigências burocráticas e regulatórias.
Disse
ele, respondendo a uma pergunta sobre as relações comerciais com a Índia:
A Índia cobra tarifas tremendas, e os
presidentes anteriores nunca falaram com a Índia. [...] O Brasil é outro exemplo.
É uma beleza. Eles cobram de nós o que querem. Se você perguntar a algumas
empresas, elas dizem que o Brasil está entre os mais difíceis do mundo, talvez
o mais difícil. E nós não os chamamos e dizemos 'ei, vocês estão tratando
nossas empresas injustamente, tratando nosso país injustamente'.
Dizer
o quê? Trump está certo. Nós brasileiros somos proibidos pelo governo de
importar produtos baratos. E isso é um fato mundialmente reconhecido.
Segundo
a Câmara Internacional de Comércio, o Brasil é a economia mais fechada
do G-20 e uma das mais protecionistas do mundo. Em um
ranking das 75 maiores economias do mundo, que representam quase a
integralidade do comércio internacional, o Brasil aparece apenas na 68.ª
posição entre os mais abertos. Apenas oito países seriam mais fechados que o
Brasil, entre eles potências como Quênia, Paquistão e Venezuela.
Ao
passo que a média de importações dos países do G-20 é de 27,5% do PIB, o Brasil
importa apenas 14% do PIB. A coisa é tão bizarra que, em relação ao PIB, importamos
e exportamos menos do que Cuba, país que vive um bloqueio econômico.
Bizarrices tropicais
Aquilo
que sempre foi ruim piorou ainda mais durante o governo Dilma. Com a
justificativa de estar "estimulando" a indústria, o governo
praticamente fechou os portos e aumentou
as alíquotas de importação de praticamente todos os produtos estrangeiros:
automóveis, pneus, produtos têxteis, calçados, brinquedos, lâmpadas, sapatos
chineses, tijolos, vidros, vários tipos de máquinas e até mesmo de produtos
lácteos.
Um
recente exemplo deste nosso disparate aconteceu com o aço: as chapas grossas de
aço carbono não são fabricadas no Brasil
e têm alíquota de importação de 12%, uma completa insanidade. Durante um período
de 2014, a alíquota foi reduzida de 12% para 2%. Mas isso durou
apenas 180 dias. Expirado o período, as alíquotas voltaram a subir para 12%.
E, em janeiro de 2016, quiseram elevar
para 24%, o que seria fatal para empreendedores que necessitam de bens de
capital tão cruciais quanto tratores. Felizmente, a sandice não foi adiante, e
as tarifas continuam em "apenas" 12%.
Para
você, consumidor, este excelente site tem
uma calculadora que permite você calcular, por estado, quanto irá pagar de
tributos ao importar um bem. Por exemplo, se você mora no estado de São
Paulo e decidir importar, via Courier, um produto que custa US$ 1.000 (R$ 4.000)
mais US$ 50 de frete, você pagará R$ 4.263 só de tributos,
o que dá mais de 100% do preço do produto.
O
preço final total será de R$ 8.463. Ou seja, as indústrias
nacionais estão sem nenhuma concorrência estrangeira.
Clique no site, faça pesquisas por
estados, e teste a resistência do seu estômago. E veja também este
site, que dá mais detalhes sobre a tributação.
O objetivo e as consequências
Ao
elevar as tarifas de importação, o intuito do governo é um só: proteger as
empresas nacionais (tanto os grandes empresários quanto os sindicatos destas
empresas) e blindá-las contra os reais desejos dos consumidores, que sempre
querem produtos baratos e de qualidade.
Tal
medida, além de afetar os mais pobres — que ficam sem poder aquisitivo para
comprar produtos bons e baratos feitos no exterior —, afeta também os pequenos
e médios empreendedores, que não conseguem adquirir insumos baratos (e
cruciais) para seus negócios.
E
isso tem de ser enfatizado: tarifas protecionistas não afetam apenas os
consumidores; elas também afetam as empresas domésticas que precisam importar
bens de capital e maquinários modernos para incrementar sua produtividade e,
com isso, fabricar produtos melhores e mais baratos (vide a questão do aço
acima). Tarifas as obrigam a pagar mais caro por seus insumos ou então a
comprar insumos nacionais mais caros e de pior qualidade.
Isso
reduz sua produtividade e aumenta seus custos. Sendo menos produtivas e
operando com custos maiores, essas empresas se tornam menos competitivas
internacionalmente.
Consequentemente
— e essa é uma das consequências não previstas do protecionismo —, as
exportações tendem a ser menores do que seriam sem as tarifas.
Com
o protecionismo, o governo cria uma reserva de mercado para grandes empresários
e grandes sindicatos, os quais agora, sem a concorrência externa, se sentem
mais livres para, do lado empresarial, cobrar preços mais altos, e do lado
sindical, exigir salários maiores, e em troca oferecerem produtos de pior
qualidade para os consumidores.
Consequentemente,
não sobra alternativa para os consumidores e empreendedores senão consumir os
produtos destas duas corporações protegidas pelo governo. Nós nos tornamos
reféns.
Tendo
de pagar mais caro por produtos nacionais de qualidade mais baixa, os
consumidores nacionais ficam incapacitados de consumir mais e de investir
mais. A capacidade de consumo e de investimento da população fica
artificialmente reduzida.
E
sempre que a capacidade de consumo e de investimento da população é
artificialmente reduzida, lucros e empregos diminuem por toda a economia.
Assim,
empregos de baixa produtividade nas indústrias protegidas são mantidos à custa
de empregos de alta produtividade em empresas que tiveram suas vendas reduzidas
por causa da queda da capacidade de consumo e de investimento das
pessoas.
Logo,
toda a economia se torna mais ineficiente, a produção fica aquém do potencial,
os preços médios são maiores do que seriam caso houvesse liberdade, e, como consequência
de tudo, os salários reais ficam abaixo do potencial.
Como seria com liberdade
Se
pudéssemos comercializar livremente com o resto do mundo, a renda real dos
consumidores nacionais aumentaria sobremaneira, pois agora eles gastariam bem
menos em cada produto consumido. Com mais renda disponível, as pessoas
podem ou investir mais ou gastar mais em outros produtos e serviços que a
economia nacional de fato seja eficiente em produzir.
E,
felizmente, tudo isso não é apenas teoria, mas também empiria. Os fatos comprovam que
os países mais abertos ao comércio internacional não apenas não têm problemas
de emprego, como também são, em média, 5 vezes mais ricos do que aqueles que
decidem impor todos os tipos de travas e barreiras à liberdade de seus cidadãos
de importarem bens do exterior.
Um
recente exemplo disso, aqui mesmo na América do Sul, é o Peru: o país está cada
vez mais aberto ao comércio exterior (suas
importações dispararam) e a taxa de desemprego só
faz cair. Ou, colocando de outra maneira, o
número de pessoas trabalhando não pára de subir.
Óbvio:
quanto mais aberta é uma economia ao comércio exterior, maior é a renda da
população (quem compra mais barato tem mais dinheiro sobrando) e menor o
desemprego (população com renda maior investe mais, demanda mais, e cria mais
emprego).
No
final, essa é apenas uma manifestação da lei das vantagens
comparativas de David Ricardo: se cada um se concentrar em produzir aquilo
que realmente faz bem, e comercializar livremente esses produtos, a riqueza
real de todos será maior.
O que fazer?
Em
tempos em que muito se debate sobre a queda na renda real das pessoas, que
melhor política para aumentá-la do que reduzir as tarifas de importação e
realmente baratear todos os produtos à disposição dos trabalhadores?
Perante
tal proposta, a reação mais comedida dos protecionistas é a de que a liberação do
comércio exterior prejudicaria "nossas empresas", pois elas não têm como
concorrer de igual para igual com os estrangeiros por causa de nossa carga
tributária, de nossa legislação trabalhista e de nossa burocracia.
Porém,
como bem respondeu
o editor do Instituto Mises Brasil, Leandro Roque, se estes são os problemas de
fundo que afetam a competitividade de alguns setores nacionais em relação aos
estrangeiros, então eles têm de ser atacados por meio de reformas estruturais.
Se os custos de produção são altos e estão inviabilizando até mesmo as
indústrias eficientes, então isso é problema do Ministério da Fazenda, do
Ministério do Planejamento, da Receita Federal e do Ministério do Trabalho. São
eles que impõem tributos, regulamentações, burocracias e protegem sindicatos.
Recorrer
ao protecionismo para proteger essas indústrias em detrimento do resto da
população é simplesmente criar mais problemas sobre os problemas já existentes.
Tolher os consumidores, prejudicar os pequenos empreendedores e impor tarifas
de importação para compensar a existência de impostos, de burocracia e de
regulamentações sobre as indústrias é jogar gasolina no fogo.
Conclusão
As
consequências deste fechamento da nossa economia são diariamente vivenciadas
por todos nós consumidores e produtores: além de ficarmos praticamente
proibidos de ter acesso a produtos bons e baratos feitos no exterior, também não
conseguimos insumos de qualidade para aumentar nossa produtividade.
Os
custos do protecionismo recaem especialmente sobre os mais pobres. Quem
está mais acima na pirâmide de renda pode fazer o esforço para pagar mais ou
até mesmo ir para Miami fazer suas compras por lá. Já com uma renda baixa,
este é um luxo ao qual não podem se dar os mais pobres.
Se
Trump conseguir algum avanço em fazer o governo brasileiro reduzir as tarifas
de importação, permitindo que nós consigamos comprar produtos americanos (de
roupas a notebooks e tablets) mais baratos, aí então ele sim será o verdadeiro "mito".
_____________________________________________
Leia também:
Nove perguntas frequentes
sobre importação, livre comércio e tarifas protecionistas
A cabeça confusa de um
protecionista
O livre comércio, mesmo quando adotado
unilateralmente, só traz ganhos