sexta-feira, 10 0aio 2019
Que as finanças públicas
estejam em descalabro é um fato que a mídia vive relembrando
diariamente. Este Instituto possui um artigo detalhado sobre a explosiva situação fiscal
do governo federal, mostrando o crescimento exponencial da dívida pública e o
total descontrole do déficit orçamentário.
No entanto, algo que é
pouco ilustrado — embora seja muito comentado — é a evolução dos gastos correntes do governo federal.
Os gastos correntes são,
em termos gerais, as despesas do governo destinadas ao seu próprio custeio e a
programas de bem-estar social. São as despesas efetuadas com o objetivo de pagar
salários de funcionários públicos, de contratar serviços, de pagar toda a rede
de seguridade social, e de adquirir produtos necessários para a realização de
funções administrativas.
Eis alguns exemplos
práticos de despesas correntes:
* Salários e encargos
sociais do funcionalismo público.
*Gastos com as contas de água,
energia, telefone etc. das instalações do governo federal (os prédios dos
ministérios, das agências reguladoras, das secretarias, do Congresso e de todas
as repartições federais).
* Gastos com a aquisição
de bens de consumo pelo governo. Exemplos: automóveis para autoridades
políticas; armas e veículos para a Polícia Federal; o cafezinho do Congresso;
canetas, computadores, papeis, clipes, grampeadores, telefones para as repartições
públicas; combustível para a locomoção das excelências (inclusive policiais
federais).
* Gastos com a contratação
de serviços terceirizados. Exemplos: faxinas nos prédios da União; consertos de
veículos, de computadores, de aparelhos de ar condicionado etc.; manutenção de prédios,
instalações e equipamentos do governo.
* Gastos com os juros e encargos da
dívida (os quais não devem ser confundidos nem com amortização e nem com
refinanciamento, como
faz Ciro Gomes).
* Gastos com a Previdência
Social.
Em suma: os gastos
correntes são as despesas com pessoal e encargos sociais; com juros e encargos
da dívida; com a seguridade social; e todas as demais atividades voltadas para
manter a atividade do serviço público.
A evolução descontrolada
Felizmente, essas rubricas
são fáceis de ser coletadas na internet, estando totalmente à disposição dos
interessados.
O site do Tesouro,
utilizando dados do SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do
Governo Federal) (link
aqui), disponibiliza todas as despesas correntes do governo federal desde
1980.
Dei-me ao trabalho de coletar
os dados a partir de 1995, que foi o primeiro ano completo do real. Os números vão
até o final de 2018.
As rubricas analisadas são:
* Pessoal e encargos
sociais (linha azul);
* Juros e encargos da
dívida (linha vermelha);
* Demais despesas
correntes (linha roxa);
* Previdência Social
(linha verde).
A coluna da esquerda
mostra o valor dos gastos, em bilhões
de reais.

Evolução das despesas correntes do governo federal:
quatro rubricas
Comecemos pela notícia boa. É apenas uma.
* O item "Demais despesas
correntes", que abrange todos aqueles gastos citados acima (aquisição de bens e
serviço pelo governo), começou — pela primeira vez na história do real — a
apresentar uma tendência de estabilização (tendo havido até mesmo uma pequena queda). Após chegar ao ápice em 2015, se estabilizou
em 2016 e recuou em 2017. Seria esse um efeito da lei do teto de gastos?
É bem provável.
Agora as notícias ruins.
* As despesas com juros, que haviam se estabilizado em 2016 e 2017, voltaram a subir em 2018. Trata-se de uma inevitabilidade quando se tem um estoque crescente de dívida, a qual cresce por causa dos seguidos déficits orçamentários do governo federal. Quanto maior o estoque da dívida, maiores serão as despesas com os juros desta dívida.
* Não apenas não há nenhuma
tendência de estabilização nos gastos com funcionalismo público, como, ao
contrário, aparenta ter havido uma aceleração em 2016 e 2018. Os números, por
si sós, sugerem que está havendo ou mais contratação de funcionários públicos,
ou mais aumentos salariais, ou uma combinação de ambos.
* Em 1995, primeiro ano de
FHC, os gastos com funcionários públicos terminaram o ano em R$ 38 bilhões. Em
2002, seu último ano, foram de R$ 75 bilhões. Aumento de 97% em sete anos (estamos
partindo do final de 1995, e não do final de 1994). Isso dá uma média de 10,2%
de aumento ao ano.
* Lula entra em 2003 e sai
em 2010 com esta rubrica já em R$ 169 bilhões. Aumento de 125% em oito anos. Uma
média de 10,7% de aumento ao ano.
* Dilma entra em 2011 e
sai em 2015 (ok, ela saiu em abril de 2016, mas para efeitos práticos
consideremos final de 2015) com esta rubrica em R$ 236 bilhões. Aumento de 40%
em cinco anos. Uma média de 7% de aumento ao ano.
* Temer entra em 2016. Ao final
de 2018, esta rubrica estava em R$ 294 bilhões. Aumento de 24,5%. Uma média de 7,6%
de aumento ao ano.
* Vale notar que Temer foi
ligeiramente mais generoso com os funcionários públicos do que Dilma.
* Não há nenhuma indicação de que os privilégios deste estrato da sociedade — que vive à custa dos impostos pagos por trabalhadores e empreendedores — estão sendo efetivamente atacados.
* Vale ressaltar que, do final 1995 a 2018, estes gastos cresceram a uma média de 9,3% ao ano. Isso é muito acima da inflação de preços, que, de 1996 a 2018, apresentou uma média de 6,32% ao ano.
Por fim, as notícias péssimas.
* Não há o mais mínimo sinal
de controle nos gastos previdenciários. Seu crescimento já adquiriu formato
exponencial.
* Em 1995, os gastos
previdenciários foram de R$ 32,5 bilhões. Em 2018, foram de R$ 587,70 bilhões. Aumento
de 1.580% em 23 anos. Uma média 13,4% de aumento ao ano — contra uma inflação de preços média de 6,32% ao ano.
* Os gastos com a previdência, portanto, cresceram, anualmente, mais que o dobro da inflação de preços.
* Os gastos com
previdência são maiores do que a soma dos gastos com salários e encargos de funcionários
públicos (linha azul) mais todas as demais despesas correntes (linha roxa). E sua
taxa de crescimento anual é muito superior à de todas as demais rubricas.
* Caso os gastos
previdenciários mantenham esta exponencial tendência de crescimento — e
manterão caso não haja nenhuma reforma, pois seu principal problema é demográfico,
e a população está envelhecendo —, a lei do teto de gastos só poderá ser
cumprida se houver um forte corte nas demais despesas do governo. Mas nenhum
governante terá a coragem de mexer com os interesses da poderosa e privilegiada
casta do funcionalismo público. Ou seja, o teto será furado e, muito provavelmente,
a lei será revogada, o que poderá gerar grandes turbulências no mercado de títulos
públicos, de juros futuros e de câmbio.
* Não haverá carga tributária que baste para bancar esse escabroso crescimento dos gastos previdenciários.
Conclusão
Não é nenhum exagero dizer
que a questão previdenciária é, de fato, o grande nó górdio da atual situação das
finanças públicas. Funcionalismo
público vem em segundo lugar — muito embora boa parte dos gastos
previdenciários seja com funcionários
públicos aposentados e com pensões para seus familiares.
Insistir na necessidade da
reforma da previdência não é, portanto, um fetiche "neoliberal reacionário
anti-povo". Uma despesa que já é, de longe, a maior entre as despesas correntes,
e que, para piorar, ainda cresce a uma taxa de quase 14% ao ano (sendo que essa taxa
de crescimento também é a maior entre as despesas correntes) não é sustentável.
Ou ela é corrigida
voluntariamente via
reformas ou ela é corrigida forçosamente pela realidade econômica e pelas
leis da contabilidade. Essas duas não admitem nem mágicas e nem desaforos.
Você, que ainda é jovem,
ou que está na faixa dos 30-35 anos de idade, é bom — aliás, é urgente — começar a poupar e a
investir, pois dificilmente haverá um INSS para bancar sua aposentadoria
daqui a 50 anos. Questão de contabilidade. E de realidade econômica.
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