segunda-feira, 3 set 2018
Um mito altamente destrutivo passou a dominar o
debate sobre o capitalismo: a falsa noção de que o livre mercado prejudica os
"vulneráveis" dentro da sociedade. Mais especificamente, afirma-se
que o capitalismo afeta mulheres
e crianças ao
cruelmente explorar sua mão-de-obra. Mas a verdade é exatamente
oposta.
O capitalismo oferece exatamente aquele elemento de
que os vulneráveis mais necessitam para sobreviver e prosperar: a liberdade de
escolha. A escolha mais libertadora que um indivíduo pode ter é a
capacidade de se sustentar a si próprio, sem ter de depender de ninguém mais
para que a comida chegue à sua boca.
Utilizando este mito como pressuposição inicial, os
historiadores sempre se mostraram extremamente hostis ao analisarem um dos mais
libertadores fenômenos da história ocidental: a Revolução Industrial. Do
século XVIII ao século XIX, o mundo avançou
acentuadamente em termos de tecnologia, indústria, transporte, comércio e
inovações que mudaram o padrão de vida, como roupas de algodão feitas a baixo
custo. Em um período
de dois séculos, estima-se que a renda mundial per capita tenha aumentado
dez vezes, e a população mundial, seis vezes.
O economista prêmio Nobel Robert Lucas declarou que
"Pela primeira vez na história, o padrão de vida das massas formadas por
cidadãos comuns começou a apresentar um crescimento contínuo e constante. [...]
Nada remotamente parecido com este fenômeno econômico havia acontecido até
então."
O acentuado avanço da prosperidade e do conhecimento
havia sido alcançado sem nenhuma engenharia social e sem nenhum controle
centralizado. Tudo foi possível em decorrência de se ter permitido que a criatividade humana e o
interesse próprio se manifestassem livremente.
Certamente ocorreram abusos. Alguns podem ser
imputados às tentativas governamentais de se aproveitar da energia e dos lucros
daquele período. Outros abusos ocorreram simplesmente porque toda
sociedade possui pessoas desumanas e amorais que agem de má fé, especialmente
quando querem lucro fácil; isto, obviamente, não é uma crítica à Revolução
Industrial, mas sim à natureza humana.
Adicionalmente, os avanços econômicos foram
amplamente maiores que as mudanças nas atitudes culturalmente vitorianas. No
século XVIII, mulheres e crianças eram vistas como cidadãos de segunda classe
e, algumas vezes, como bens e posses que podiam ser livremente trocados. A
revolução econômica foi o motor que impeliu a cultura e as leis a sofrerem
mudanças similarmente drásticas. Quando as mulheres deixaram os campos em
busca de emprego e educação, elas se tornaram uma força social que não mais
podia ser negada. Consequentemente, os direitos das mulheres avançaram
extraordinariamente durante o final do século XIX, algo que não teria ocorrido
não fosse a Revolução Industrial.
Até o século XVIII, não havia oportunidades para o
trabalho feminino. Com as máquinas implantadas pela Revolução Industrial, as
habilidades humanas mudaram de valor. O capital deixou o trabalho menos braçal
e mais intelectual, permitindo que as mulheres compensassem com neurônios o que
lhes faltava em musculatura. Por ser mais produtivo que o trabalho rural, a
renda dos trabalhadores industriais superou a renda do campo. Foi a Revolução Industrial
quem dinamizou o processo de emancipação econômica das mulheres.
Infelizmente, esta ligação salutar entre capitalismo
e direitos das mulheres se perdeu ao longo do tempo. Durante a segunda
metade do século XX, as feministas
ortodoxas começaram uma cruzada para reverter esta força que havia
contribuído tão acentuadamente para o progresso nos direitos das mulheres. Em
vez de defenderem a liberdade de mercado, elas passaram a exigir, em nome da
"igualdade", que vários privilégios para as mulheres se tornassem leis.
O livre mercado passou a ser demonizado como uma
ferramenta opressora que tinha de ser combatida por meio de ações afirmativas,
leis contra assédio sexual, ações judiciais contra qualquer tipo de
discriminação, sistemas de cotas e uma miríade de outras regulações sobre o
mercado de trabalho.
Em meio a este processo, a Revolução Industrial
passou a ser retratada como o Grande Satã que destruiu o bem-estar de mulheres
e crianças. Esta descrição da Revolução Industrial, além de ser um simplório
preconceito ideológico, se baseou fortemente na deturpação dos fatos.
Deturpando fatos sobre as crianças
Sempre que os termos "crianças" e
"Revolução Industrial" são citados na mesma frase, imagens horrendas
imediatamente vêm à mente: uma criança de cinco anos sendo baixada, por meio de
uma corda, em uma mina de carvão; crianças esqueléticas trabalhando
precariamente em fábricas têxteis; o Oliver Twist, de Charles
Dickens, oferecendo uma jarra de madeira em troca de uma colher de
mingau.
Estas imagens são normalmente utilizadas para
condenar o capitalismo e a Revolução Industrial. Em algumas ocasiões, elas são
utilizadas para glorificar políticos "humanitários" que criam leis
proibindo qualquer tipo de trabalho infantil. Elas são extremamente
eficazes em incitar um compreensível horror naquelas pessoas decentes que
condenam qualquer exploração de qualquer criança. O problema é que este
procedimento sofre de graves distorções.
Uma das distorções é que tal procedimento ignora uma
distinção essencial. No início do século XIX, a Grã-Bretanha apresentava duas
formas de trabalho infantil: crianças livres e crianças "pobres" ou
dos reformatórios, que eram entregues aos cuidados do governo.
Os historiadores J.L. e Barbara Hammond, cuja obra
sobre a Revolução Industrial Britânica e o trabalho infantil é considerada
definitiva, reconheceram esta distinção. O economista Lawrence Reed, em seu
ensaio "Child Labor and the
British Industrial Revolution", foi ainda mais adiante e enfatizou a importância
desta distinção. Escreveu ele:
Crianças
livres moravam com seus pais ou guardiões e trabalhavam durante o dia em troca
de salários acordados com seus adultos responsáveis. Mas os pais
frequentemente se recusavam a enviar seus filhos para situações de trabalho
excepcionalmente severas ou perigosas. [...] Os proprietários das fábricas
não podiam subjugar violentamente essas crianças livres; eles não podiam
obrigá-las a trabalhar em condições que seus pais julgassem inaceitáveis.
Em contraste, as crianças dos reformatórios estavam
sob a autoridade direta de funcionários do governo. Reformatórios já
existiam há séculos, mas a empatia pelos oprimidos já havia sido arrefecida
pelo fato de que os impostos criados exclusivamente para aliviar a situação dos
pobres já estavam, em 1832, cinco vezes mais altos do em 1760, quando foram
criados. (O livro de Gertrude Himmelfarb, The
Idea of Poverty, faz uma narração cronológica desta mudança de atitude
em relação aos pobres, da compaixão à condenação).
Em 1832, em parte a pedido de industriais ávidos por
mão-de-obra, a Comissão
Real Para a Lei dos Mais Pobres começou uma pesquisa sobre o
"funcionamento prático das leis para o alívio da pobreza". Seu
relatório dividiu os pobres em duas categorias básicas: pobres preguiçosos que
recebiam ajuda do governo e pobres trabalhadores que se sustentavam a si
próprios. O resultado foi a Lei dos Pobres de 1834,
em nome da qual o estadista Benjamin Disraeli fez anúncios dizendo que "a
pobreza é um crime".
A Lei dos Pobres substituiu a ajuda fornecida por
terceiros (subsídios e esmolas) por "abrigos para pobres", nos quais
as crianças pobres ficavam virtualmente aprisionadas. Lá, as condições
eram propositalmente severas, exatamente para desincentivar as pessoas a
mandarem seus filhos para lá (para funcionários públicos, mais trabalho é mais
estorvo).
Praticamente todas as comunidades da Grã-Bretanha apresentavam
um "grande estoque" de crianças abandonadas em reformatórios, as quais passaram
a ser virtualmente compradas e vendidas para as fábricas; estas sim vivenciaram
os maiores horrores do trabalho infantil.
Considere a desprezível função do "carniceiro" nas fábricas
têxteis. Tipicamente, "carniceiros" eram crianças novas — de
aproximadamente 6 anos de idade — que recuperavam, embaixo das máquinas, algodão que havia se desprendido durante os
processos de produção. Como as máquinas estavam em funcionamento, este trabalho
era extremamente perigoso e, como consequência, terríveis ferimentos eram
totalmente comuns. "Felizmente" para aqueles donos de fábricas
dispostos a usar o aparato do estado em benefício próprio, o governo não tinha
problema algum em enviar as crianças dos reformatórios para trabalhar embaixo das
máquinas em funcionamento. A maioria das crianças das comunidades tinha
como alternativa a este trabalho morrer de fome ou viver na criminalidade.
Não é nenhuma coincidência que o primeiro romance
sobre a Revolução Industrial publicado na Grã-Bretanha tenha sido Michael
Armstrong: Factory Boy. Michael era um aprendiz de uma agência para
crianças pobres que foi mandado para as fábricas. Também não é
coincidência que Oliver Twist não era abusado por seus pais ou por agentes
privados, mas sim por brutais funcionários públicos dos reformatórios, em
comparação aos quais o antagonista Fagin era praticamente um humanitário. Vale
lembrar que, aos 12 anos de idades, com sua família na prisão, Dickens havia
sido ele próprio uma criança pobre que trabalhava em uma fábrica. O
economista Lawrence Reed observa que "a primeira lei na Grã-Bretanha voltada
para crianças de fábricas foi criada para proteger exatamente estas crianças de
reformatórios, e não as crianças 'livres'". A lei mencionava isso de
maneira explícita.
Logo, ao defender a regulamentação da mão-de-obra
infantil, os reformistas sociais pediram ao governo para remediar abusos pelos
quais o próprio governo era o responsável. Mais uma vez, o governo era a
doença que se fingia de cura.
Ideologia equivocada em relação às
mulheres
A distorcida apresentação dos fatos no que diz
respeito ao trabalho infantil e à Revolução Industrial só encontra paralelos na
distorcida ideologia pela qual se analisa o status da mulher.
É perfeitamente possível argumentar que as mulheres
foram as principais beneficiárias econômicas da Revolução Industrial. Isto
se deveu majoritariamente à sua baixa condição econômica no período anterior à
Revolução. Elas simplesmente tinham mais a ganhar do que os homens.
Quando as mulheres tiveram a oportunidade de
abandonar a vida rural em busca dos salários das fábricas e de trabalho doméstico,
elas invadiram as cidades em quantias sem precedentes. Para a nossa atual vida
moderna, em que estamos já acostumados com todos os luxos criados pelo
capitalismo, as condições de vida e de trabalho eram obviamente terríveis, com
várias mulheres recorrendo à prostituição como ocupação secundária, tudo para
manter um teto sob suas cabeças. No entanto, por mais terríveis que as
condições possam ter sido, um fato fundamental não pode ser ignorado: as
próprias mulheres acreditavam que ir para as cidades era algo vantajoso — caso
contrário, elas jamais teriam feito a jornada ou simplesmente retornariam à
vida rural desencantadas.
Dizer que o trabalho industrial "prejudicou" as
mulheres dos séculos XVIII e XIX é ignorar a preferência que elas próprias
demonstraram e expressaram; é ignorar a voz de suas escolhas. Claramente,
as mulheres da época acreditavam que tal situação era um aprimoramento de suas
atuais condições.
Uma substantiva fatia do historicismo feminista nada
mais é do que uma tentativa de ignorar as vozes de mulheres que de fato fizeram
suas escolhas à época. Um método comum de se fazer isso é reinterpretar a
realidade que cercava as escolhas e, então, impor esta reinterpretação de modo
a fazer com que as "escolhas" não mais aparentem ter sido
voluntárias, mas sim coagidas.
(É claro que as mulheres dos séculos XVIII e XIX
tinham escolhas severamente limitadas e podiam apenas escolher a melhor opção
entre várias ruins. No entanto, isso é muito diferente de dizer que o
trabalho industrial representava um retrocesso, uma coerção pior do que a vida
rural.)
Uma obra essencial para se compreender a análise
histórica da Revolução Industrial feita à luz do feminismo é a imensamente
influente The
Origin of the Family, Private Property and the State, de Friedrich
Engels, lançada em 1884. Engels argumenta que a opressão à mulher
originou-se com o formato tradicional da família, mas ele próprio desdenha a
noção de que a família por si só havia subordinado as mulheres ao longo da
história. Em vez disso, ele firmemente coloca toda a culpa no capitalismo,
o qual ele acreditava ter destruído o prestígio que as mulheres outrora
usufruíam dentro da família.
Escreveu Engels,
Que a mulher era escrava do homem nos
primórdios da sociedade é uma das idéias mais absurdas transmitidas pela
filosofia do século XVIII. [...] As mulheres não apenas eram livres como também
usufruíam uma posição altamente respeitada nos estágios iniciais da civilização,
sendo o grande poder entre as tribos.
Portanto, as épocas
anteriores à Revolução Industrial foram romantizadas como sendo um período em
que as mulheres tinham grandes poderes. Engels alegava que a
industrialização provocou uma separação entre o trabalho doméstico e o trabalho
produtivo, separação esta que fez com que a injustiça que era o formato da
família tradicional se ampliasse. Sendo assim, o trabalho feminino se
tornou um importante, mas ainda assim secundário, aspecto da libertação da mão-de-obra
humana rural para o alimento da máquina capitalista. Presumivelmente, os
inegáveis avanços gerados pela Revolução Industrial para as mulheres —
incluindo-se um aumento na expectativa de vida e vários direitos políticos —
foram adquiridos a um custo extremamente elevado.
A análise de Engels, no
entanto, apresentava um problema para as feministas. Ele pressupôs que os
homens não tinham nada a ganhar ao exercer poder sobre as mulheres, pois Engels
analisava os seres humanos em termos de suas afiliações de classes —
isto é, sua relação com os meios de produção. Já as feministas queriam uma
abordagem que incluísse tanto uma opressão de sexos quanto uma
opressão de classes.
Para explicar por que as
mulheres (ao contrário dos homens) possuem interesses que estão em conflito com
o capitalismo, as feministas tiveram de ir além de Engels em suas
análises. Elas desenvolveram uma 'teoria do patriarcado' — do
capitalismo masculino —, segundo a qual as mulheres eram
oprimidas pela cultura masculina por meio dos mecanismos criados pelo
capitalismo. Tal teoria está em nítido contraste com as análises
anteriores que diziam que as oportunidades geradas pelo livre mercado eram o
remédio social para as mulheres culturalmente oprimidas pelo preconceito ou
pelo privilégio masculino.
Em termos mais explícitos,
como funciona este remédio? Um empregador quer maximizar seus lucros sobre
cada $ gasto. Isto cria um forte incentivo para que ele leve em conta
apenas o mérito de um empregado, desconsiderando por completo sua cor, etnia,
religião ou sexo. Tudo o que importa é a produtividade do empregado. Uma
mulher capacitada, que aceitar trabalhar por, digamos, um salário $100 menor
que o de um homem similarmente capacitado, irá conseguir o emprego. Se ela
não conseguir, então aquele concorrente isento de preconceitos, que possui um
estabelecimento logo ali na esquina, irá contratá-la, e o empregador
preconceituoso irá perder sua vantagem competitiva.
Quando esta dinâmica
ocorrer em escala maciça, as mulheres trabalhadoras
serão crescentemente capazes de exigir salários continuamente maiores,
reduzindo esta diferença de $100. Este fator "equalizador" não
se manifesta de imediato, e não ocorre perfeitamente. Porém, com o tempo,
movidos pelo interesse próprio, os empregadores tenderão a se tornar
indiferentes a raça e gênero, pois é do interesse deles. Eles farão isso
em busca do lucro, e todos se beneficiarão.
Feministas que se opõem a
este processo de equalização não estão defendendo a igualdade por si só; elas
estão defendendo uma igualdade que existe somente de acordo com os termos que
elas consideram "justos" e "corretos". Suas objeções à
Revolução Industrial não são empíricas, mas ideológicas.
Assim como elas não
gostam das vozes das mulheres dos séculos XVIII e XIX que correram para as
fábricas, elas também rejeitam tudo que o livre mercado está dizendo sobre seu
desejo de igualdade.
Conclusão
Não importa se a "difamação"
se deve a uma distorção dos fatos ou à imposição de uma ideologia; o fato é que
a Revolução Industrial deveria processar a história por calúnia. Ou, mais
especificamente, deveria processar a maioria dos historiadores.
Jocosidades à parte, e
sem desconsiderar as injustiças que inevitavelmente ocorrem durante qualquer
período, a Revolução Industrial estabeleceu a liberdade com a qual as pessoas
se tornaram tão acostumadas, que até passaram a tratar a liberdade com
desrespeito. Talvez o redentor da reputação da Revolução Industrial venha
a ser a inegável prosperidade que ela criou.
Atualmente, a
prosperidade parece ser algo mais respeitado do que a liberdade, muito embora
ambas sejam inextricavelmente relacionadas.
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