quarta-feira, 27 jul 2022
Na academia e no meio econômico, muito pouca atenção
é dada ao papel da poupança no progresso da sociedade. Ao mesmo tempo, uma
enorme importância é direcionada ao papel do consumo.
Essa é uma situação curiosa.
Embora seja verdade que o objetivo supremo de toda
atividade humana é o consumo — você trabalha e produz visando a uma renda que
então irá lhe permitir pagar por produtos e serviços —, o fato é que não é
possível haver consumo sem que antes tenha havido produção. E não é possível
haver produção sem antes ter havido poupança.
Explico.
A natureza, por si só, nos agraciou com pouquíssimos
bens de consumo, como maçãs em árvores ou frutas silvestres em arbustos. Se
quisermos obter qualquer coisa além deste nível de consumo ofertado pela
natureza, temos de antes produzir os
bens que posteriormente iremos consumir.
Ou seja, primeiro temos de criar e construir
ferramentas, instrumentos ou máquinas — em termos econômicos: bens de capital
ou bens de produção —, os quais irão então nos ajudar a elevar a quantidade de
bens de consumo fornecidos pela natureza (como maçãs e frutas silvestres) para
um nível acima de sua quantidade natural ou que, melhor ainda, irão nos ajudar
a criar bens de consumo totalmente novos, isto é, bens que não existem na
natureza (como casas e carros).
No entanto, inventar, desenvolver e construir esses
bens de capital (como facas, baldes, redes, martelos, tijolos, placas de aço
etc.) são atividades que demandam tempo. E para sobreviver ao tempo necessário
para a construção destes bens — isto é, ter o que comer e beber enquanto
trabalha nestas atividades —, uma poupança prévia de alimentos e bebidas é
necessária.
Sem essa poupança prévia, e sem o "investimento" desta poupança na
produção e na acumulação de bens de capital, nenhum aumento do consumo futuro
será possível.
Indo para um arranjo mais moderno, uma sociedade que
consumisse todos os recursos escassos disponíveis, sem poupar nada, não teria
como transformar este recursos escassos em bens de capital. Não haveria
cimento, aço, vergalhões, tijolos, azulejos, plástico, alumínio e vários outros
recursos escassos para serem usados como insumos na produção.
Consequentemente,
nada conseguiriam produzir para o futuro.
Assim, em uma sociedade puramente
consumista não haveria um único bem de capital existente: não haveria moradias,
não haveria fábricas, não haveria infraestruturas, não haveria meios de
transporte, não haveria maquinários, não haveria escritórios e imóveis
comerciais, não haveria laboratórios. Também não haveria cientistas, não
haveria arquitetos, não haveria universidades.
Todos os indivíduos estariam permanentemente
ocupados produzindo bens de consumo básicos — comidas e vestes — para serem
imediatamente consumidos, e não dedicariam nem um segundo para a produção de
bens de capital, que são investimentos de longo prazo que geram bens futuros.
Por definição, se uma sociedade consome 100% da sua renda, ela não produz
nenhum outro bem que não seja de consumo imediato.
O fato de economistas darem pouca ou nenhuma atenção
e importância à questão da poupança, não obstante sua enorme importância, é uma
questão relacionada à psicologia ou à sociologia da profissão econômica. Naturalmente, a explicação terá de ser um tanto
especulativa.
O mais aparente motivo é a dominante influência
adquirida por John Maynard Keynes e sua "economia keynesiana" desde o final da
década de 1930, primeiro na Grã-Bretanha, depois nos EUA (capitaneada pelo
influente Paul Samuelson),
e dali ao redor de todo o mundo ocidental.
Caracteristicamente, o livro Economics,
de Samuelson, se tornou o mais influente livro-texto de economia do
mundo pós-guerra, com pelo menos 3 milhões de cópias vendidas em 31 idiomas
distintos. (A título de curiosidade, na edição de 1989, Samuelson escreveu:
"A economia soviética é a prova cabal de que, contrariamente àquilo em que
muitos céticos haviam prematuramente acreditado, uma economia planificada
socialista pode não apenas funcionar, como também prosperar". Dois
anos depois, a URSS acabou.)
Entretanto, a razão mais fundamental para esta
predominância keynesiana é outra, e envolve a imediata pergunta que se segue à
explicação acima: por que e como a economia keynesiana alcançou tamanho e
extraordinário sucesso?
A resposta: porque o keynesianismo ensina exatamente tudo aquilo que políticos e
governos querem ouvir. E dizer e propagar aquilo que governos gostam de ouvir com
o intuito de legitimar "cientificamente" tudo o que eles sempre querem fazer é
algo que traz fartas recompensas para quem atua no ramo da "educação", isto é,
dentro de um sistema escolar e universitário que é todo financiado e controlado
(via Ministério da Educação) pelo governo.
Os "alto sacerdotes" do keynesianismo, com suas
sinecuras nas mais prestigiosas e bem-remuneradas universidades do mundo,
ensinam e pregam aquilo que é música para os ouvidos de todo e qualquer
político: todos os problemas econômicos (estagnação, recessão, depressão ou
qualquer outra coisa) são causados por uma escassez de consumo. E nunca, jamais
são causados — como um simples bom senso guiado pela lógica diria — por uma falta de poupança
ou por uma escassez de produção.
E como corrigir os problemas do baixo consumo e
estimular o consumismo? Tributando
os mais ricos (porque eles supostamente gastam muito pouco de sua renda no
consumo e poupam muito) e repassando o esbulho aos
pobres (que gastam praticamente toda a sua renda no consumo); colocando o
Banco Central para imprimir mais dinheiro e repassá-lo ao Tesouro, que então
irá gastá-lo (em literalmente qualquer coisa, até mesmo cavando buracos para
depois preenchê-los); e colocando o Tesouro para pegar mais empréstimos, aumentando a dívida do
governo.
O keynesianismo, em suma, é a teoria econômica
favorita dos políticos simplesmente porque ela lhes concede um arcabouço
supostamente científico para fazer aquilo que eles mais gostam: gastar
dinheiro.
A teoria keynesiana diz que os gastos do governo
impulsionam a economia; que expandir o crédito
(melhor ainda se for subsidiado) gera crescimento econômico; que os déficits do governo
são a cura para uma economia em recessão; que inchar a máquina estatal, dando
emprego para burocratas, é uma medida válida contra o desemprego (quem irá
pagar?); que regulamentações, se feitas por keynesianos, são propícias a
estimular o espírito animal dos empreendedores. E, obviamente, que
austeridade é péssimo.
Qual político resiste a isso?
Corretamente, Ludwig von Mises ridicularizou essa
"programa de estímulo" econômico como sendo a vã tentativa de efetuar o milagre
bíblico de transformar
pedras em pães.
Os
efeitos da poupança sobre o progresso e a cultura
Com tudo o que foi dito acima, está implícito o
efeito benéfico que a poupança traz não só para o progresso como também para a
cultura.
Em todos os locais do mundo, a maioria das pessoas
se esforça e batalha para conseguir mais e melhores ofertas de alimentos, de
roupas, de moradias, de automóveis, de aparelhos de televisão, de computadores,
de smartphones etc., e é impossível alcançar este objetivo sem a poupança e a
acumulação de capital.
E, embora algumas pessoas ridicularizem essas
conquistas como sendo "apenas" progresso material ou mesmo "afetações de materialismo",
vale a pena enfatizar que é somente quando há uma melhora nas condições materiais da vida humana que a cultura humana também poderá evoluir,
progredir e prosperar.
É impossível haver escritores, compositores,
músicos, pintores, escultores, atores etc. se não houver papel, tinta,
impressoras, instrumentos musicais, cores, aquarelas instrumentos para
esculpir, teatros, museus, galerias, sala de cinema etc. Sem poupança e
acumulação de capital, nada disso é possível.
Acima de tudo, não existiria nada disso se a riqueza e a
prosperidade material permitidas pela poupança e acumulação de capital não
tivessem permitido tempo
livre para tais atividades.
Mas
só a poupança não basta - é necessário haver inventores e empreendedores
Por mais importante e indispensável que seja a
poupança para a prosperidade econômica e para o aumento do padrão de vida, ela
por si só não basta.
Podemos poupar o máximo que conseguirmos e acumular
enormes quantidades de bens de consumo intactos (não consumidos); porém, se não
tivermos a menor ideia de como investir essa poupança, isto é, de como
convertê-la ou em bens de capital que aumentem a produtividade ou em novos e
melhores bens de consumo, não haverá nenhum grande progresso gerado pela
poupança.
Ou seja, além de poupar e acumular, é necessário ter
a ideia de uma rede, de um barco, de um martelo, de uma casa, de um carro, de
uma calculadora, de um computador, de um telefone celular etc., e é necessário
ter o conhecimento de como projetar e fabricar estes itens. E isso requer
imaginação, inteligência, criatividade, engenho e habilidades, todas elas
características humanas.
A diferença entre nós e o homem das cavernas é que
nós, hoje, temos mais conhecimento do que eles. Biologicamente,
somos os mesmos. Os neurônios em nossos cérebros são os mesmos. O mundo físico
à nossa volta é o mesmo (todos os recursos físicos necessários para se fazer
celulares, tablets, computadores, carros e aviões já existiam naquela
época). Mas a nossa vida hoje é infinitamente melhor e mais confortável
por causa do nosso conhecimento
acumulado, o qual permitiu o surgimento de várias invenções que nos trouxeram
enormes melhorias materiais (e também culturais).
Consequentemente, qualquer sociedade que tenha a
intenção de melhorar suas próprias condições materiais deverá reconhecer a
importância destes talentos e qualidades humanas, e honrar aqueles indivíduos
que demonstrarem tê-las.
E a maneira de fazer isso não é concedendo a estes
inventores e inovadores privilégios garantidos pelo estado, como monopólios intelectuais
(conhecidos como "patentes"), uma vez que isso irá retardar e distorcer a
difusão do conhecimento humano. A maneira certa é dando-lhes louvores e
reconhecimento público.
Mais ainda: reconhecimento e louvor devem também ser
direcionados a empreendedores e aos talentos empreendedoriais, e não apenas aos
inventores. Afinal, não basta apenas ter poupadores e criadores engenhosos ou mesmo
fabricantes de novos e melhores bens de capital e de consumo.
Para melhor
satisfazer as demandas dos consumidores e aumentar o padrão de vida material,
também é necessário que todos os produtos sejam produzidos da maneira mais
racional, mais econômica e menos custosa possível, de modo que a produção de um
bem específico não se dê em detrimento da produção de outro bem mais demandado
e mais valioso.
É neste ponto que o empreendedor e o talento
empreendedorial — em busca do lucro e tentando evitar prejuízos — entram em
cena. O empreendedor poupa ou pega emprestado dinheiro de poupadores (com a
promessa de que irá pagar o principal mais juros), contrata e paga inventores, técnicos
e outros trabalhadores, compra ou aluga terreno, matérias-primas e bens de
capita para então, finalmente, produzir o produto final que ele tenha optado
por produzir.
Ele faz tudo isso na esperança de que irá obter um
lucro monetário, isto é, receberá mais dinheiro com a venda do seu produto final
do que gastou em sua produção.
Colocando de maneira simples, o empreendedor adquiriu
materiais que, em seu estado bruto e inalterado, valiam $100 e então alterou
essa matéria-prima e adicionou criatividade e mão-de-obra, gerando um produto
final que as pessoas irão voluntariamente adquirir por $150. Seu lucro é uma indicação
de que ele foi bem-sucedido em transformar um insumo até então menos valioso para
a sociedade em um produto final mais valioso.
Ao fazer isso, ele gerou valor
para a sociedade e auferiu um lucro por causa disso. Ele aumentou não
apenas o seu próprio bem-estar como também o bem-estar social dos consumidores.
No entanto, ser um empreendedor em busca do lucro é
uma atividade extremamente arriscada. O empreendedor não tem nenhum controle
sobre os potenciais consumidores do seu produto. Eles podem não estar dispostos
a pagar o preço pedido — ou então, a este preço pedido, podem querer comprar
apenas uma quantidade menor do que a que foi produzida.
Assim, também há a constante ameaça de um prejuízo financeiro,
com ele gastando mais dinheiro na produção do que recebendo com as vendas — o
que traria não apenas um prejuízo monetário e pessoal para ele, como também e
ao mesmo tempo representaria uma perda de bem-estar em decorrência de um desperdício
econômico.
Voltando ao exemplo acima, ele adquiriu materiais
que, em seu estado bruto e inalterado, valiam $100 e então alterou essa
matéria-prima e adicionou criatividade e mão-de-obra, gerando um produto final valorado
em apenas $50 pelas pessoas.
Ele não apenas teve um prejuízo financeiro, como também subtraiu riqueza
da sociedade, imobilizando recursos escassos em produtos pouco valorados.
São
pouco os que conseguem
O sucesso e o fracasso empreendedorial não são uma mera
questão de boa ou má sorte, como em uma loteria. O sucesso depende da
capacidade do empreendedor de fazer uma correta estimativa das demandas futuras
dos consumidores em relação a um produto ou serviço específicos.
E o talento humano necessário para identificar
corretamente consumidores em potencial, bem como futura disposição deles em
pagar por esse bem ou serviço específico, é um talento que não está distribuído igualmente entre todas as pessoas.
A maioria das pessoas ao redor do mundo possui pouco
ou mesmo nenhum talento nesta área, e consequentemente nem sequer tentam se
aventurar no empreendedorismo. E, mesmo entre aqueles que se aventuram, a
maioria fracasse e rapidamente desaparece da área.
Somente um pequeno número de
pessoas possui o necessário talento empreendedorial para, de maneira contínua,
se mostrar bem-sucedido e, com isso, se manter no ramo por muito tempo em um
mercado concorrencial e não protegido pelo governo.
Estes, acima de tudo, devem ser publicamente
reconhecidos e louvados (e jamais serem invejados), se o objetivo for a
melhoria das condições materiais da humanidade.