quarta-feira, 13 jun 2018
A lista de países que possuem os maiores superávits
comerciais com os Estados Unidos é liderada pela China, que exporta US$ 375
bilhões a mais do que importa. É seguida, à distância, pelo México (US$ 71
bilhões), Japão (US$ 69 bilhões), Alemanha (US$ 65 bilhões), Vietnã (US$ 38
bilhões), Irlanda (US$ 38 bilhões) e Itália (US$ 31 bilhões).
Se considerarmos o relatório americano sobre o
comércio externo do país (Office
of the US Trade Representative 2018 National Trade Estimate),
que relata todas as barreiras tarifárias e não-tarifárias que as outras nações
impõem aos EUA, os mercados que mais impõem medidas protecionistas contra os
EUA são China, União Europeia, Japão, México e Índia.
Que surpresa.
Estes fatos explicam muito mais sobre o fracasso
da reunião do G7 do que qualquer análise maniqueísta
sobre Trump, Justin
Trudeau (primeiro-ministro do Canadá), Emmanuel Macron ou
qualquer um dos líderes que lá se reuniram.
Durante os últimos vinte anos, os governos ao redor
do mundo adotaram amplamente a desastrosa ideia de "turbinar" seus respectivos números do PIB por
meio de políticas que estimulam a demanda. Na prática, a ideia era construir um
excesso de capacidade produtiva, subsidiá-la e então ficar na esperança de
exportar esse excesso ... para os Estados Unidos.
Aço e alumínio, assim como a indústria
automobilística, são exemplos claros: governos de vários países protegem e
subsidiam essas indústrias para que elas produzam uma capacidade excessiva na
esperança de que outras indústrias de outros países irão fechar suas fábricas
ineficientes. Com isso, os países que protegeram e subsidiaram conseguirão
exportar mais para estes outros países que já fecharam suas fábricas.
Enquanto isso, as barreiras contra o comércio
cresceram continuamente entre 2009 e 2016. A Organização Mundial do Comércio
(OMC) alertou,
ano após ano, desde 2010, sobre um aumento no protecionismo. O governo Obama,
lidando com um aumento exponencial no déficit comercial dos
EUA, foi quem introduziu o maior número de medidas
protecionistas entre 2009 e 2016.
E então surgiu Donald Trump. Como prometido em sua
campanha eleitoral, após seu primeiro ano na Casa Branca ele adotou medidas
protecionistas visando a "proteger empregos" de americanos (uma medida
economicamente insensata,
ilógica e ignara). Enquanto
isso, políticos europeus juravam defender o oposto, dizendo que queriam livre
comércio e menos barreiras comerciais. Ao passo que Trump queria menos
comércio, a Europa respondia com mais cooperação econômica. Em julho de 2017,
por exemplo, vimos manchetes do tipo "União
Europeia e Japão acenam com acordo de livre comércio em resposta a Trump".
E então ocorreu o inesperado: na reunião do G7,
Trump propôs que os países eliminassem todas as tarifas e barreiras ao livre
comércio. Disse
ele: "Nada de tarifas e nada de barreiras não-tarifárias. É assim que
deveria ser. E nada de subsídios."
Sendo defensores do livre comércio, era de se
esperar que os líderes do G-7 aceitassem a proposta. Que nada. Rechaçaram de imediato. Isso
mostra que, no final, o truque de acusar os EUA de protecionista era simplesmente
uma jogada de relações públicas.
As
descobertas
Sempre que o governo Trump ameaçava seus parceiros
comerciais com tarifas, descobria-se que havia uma miríade
de barreiras tarifárias e não-tarifárias impostas pelos "defensores do
livre comércio" europeus aos produtos americanos.
A narrativa convencional sempre foi a de que a União
Europeia está sendo forçada a "reagir" a uma guerra comercial iniciada pelos
EUA. Mas a verdadeira questão é: estaria Donald Trump correto ao dizer que os
produtos americanos são tratados injustamente na Europa? A resposta é: sim, totalmente.
Em seis meses, vimos uma importante lista de tarifas
e barreiras contra os EUA que muitos de nós simplesmente não imaginávamos
existir. Comparemos as alíquotas que os EUA aplicam aos produtos europeus com
as alíquotas que os europeus aplicam aos produtos americanos.
Eis as alíquotas de importação impostas pelos EUA
sobre alguns produtos europeus (números retirados
da Comissão de Comércio Exterior dos EUA):
- Azeite de oliva: US$0,05/kg (US$5/100 kg)
- Cigarros: US$ 1,05/kg + 2,30%
- Suco de laranja: US$ 0,08/litro
- Cana de açúcar:
US$ 1,24/tonelada
Agora, eis as alíquotas de importação impostas pela
União Europeia aos mesmos produtos americanos (números retirados da Comissão
Europeia):
- Azeite de oliva: €134/100 kg ($156/100 kg)
- Biscoitos: 9% (alíquota adicional sobre "componente
agrícola") mais 24,20% (alíquota adicional sobre conteúdos açucarados)
- Cana de açúcar: €4.6/100
kg (US$5,37/100 kg, US$53,7/tonelada)
Ou seja, em uma simples seleção aleatória é
possível constatar que a União Europeia já está tributando pesadamente
importações dos EUA. Com efeito, ao passo que a UE está ameaçando impor
alíquotas sobre produtos que ainda não são tributados (como o uísque
americano Bourbon), ela também quer aumentar impostos sobre coisas como
suco de laranja, que já é pesadamente tributado.
Em cima disso, também há dois componentes que formam
as barreiras não-tarifárias: exigências sanitárias e de qualidade impostas pelo
Conselho Diretor da União Europeia (as quais, além de subjetivas, geram custos
operacionais enormes para serem atendidas) e subsídios agrícolas (os produtores
espanhóis de suco de laranja recebem fartos subsídios agrícolas — os quais
chegam a incríveis 40% do orçamento anual da UE — e, por isso, podem vender
muito mais barato).
Barreiras não-tarifárias afetam tanto quanto as
tarifárias, embora sejam mais difíceis de serem mensuradas. Como exatamente a
União Europeia, ao impor todas essas restrições, pode alegar defender o livre
comércio?
A
farsa desmascarada
A estratégia de Trump é óbvia. Ele quer desmascarar
o truque europeu de, de um lado, impor barreiras ocultas e, de outro, tentar
exportar mais para os EUA.
As próprias fabricantes de automóveis da Alemanha já
pediram
para a União Europeia reduzir as tarifas sobre os carros americanos, e os
chineses concordaram em reduzir barreiras à importação de produtos
agrícolas e industriais americanos. Mesmo a União Europeia reconheceu
que o plano "Made
in China 2025", o qual os EUA denunciaram, tinha o objetivo claro e
consciente de restringir o comércio estrangeiro.
Tudo isso tinha de explodir. Se todos os países
subsidiarem suas produções para tentar exportar para os EUA seu excedente, ao
mesmo tempo em que recorrem a desculpas sem sentido para tentar limitar as
importações da maior economia do mundo, a inevitável consequência será o
acirramento de tensões até um ponto insustentável.
E a estratégia dos líderes do G-7 de adotar o
protecionismo ao mesmo tempo em que recorrem a uma retórica pró-livre comércio
para disfarçar esse protecionismo entrou em colapso quando Trump defendeu a
eliminação total de todas as tarifas e barreiras. Curiosamente, aqueles que se
diziam defensores do livre comércio recusaram.
No final, a União Europeia pratica livre comércio apenas dentro de suas
fronteiras. Em relação ao resto do mundo, ela é apenas mais um bloco
protecionista.
Exportações para estimular o PIB
Todos querem
vender para os EUA. Seu mercado aberto e competitivo, a alta
renda de sua população e as oportunidades empreendedoriais fazem do país o mais
desejado dos consumidores. Adicionalmente, a União Europeia e a China precisam
dessas exportações (bem como restringir importações) para aditivar os números de
seus respectivos PIBs.
Até agora, tem sido fácil para China e UE manterem
suas taxas de crescimento do PIB graças a um setor externo e a um superávit
comercial conseguido por meio de enormes barreiras às importações. São vários
os subterfúgios: desde brutais barreiras burocráticas até impostos ocultos,
passando por subsídios desproporcionais a setores obsoletos (para tentar
exportar o excesso produzido) e até mesmo desculpas ambientalistas.
Resta saber até quando conseguirão manter esse
arranjo.
Cuidado
com o que deseja
Mas tudo isso é perigoso. Vale o ditado: cuidado com
aquilo que deseja.
Tarifas recíprocas são a pior maneira de se combater
o protecionismo. Elas dão aos governos a desculpa para impor novas barreiras ao
comércio e culpar inimigos externos ao mesmo tempo em que os isentam de abolir
as barreiras já existentes.
O protecionismo só protege os governos e seus
empresários amigos, que agora passam a operar dentro de um mercado
protegido. Sem concorrência externa, a qualidade dos produtos cai e os preços
podem subir sem a preocupação de se perder fatias de mercado. O protecionismo é
o sonho dos ineficientes. Todos os cidadãos comuns, que são consumidores,
perdem.
Os EUA estão incorrendo em uma agressiva tática de
negociação, mas ela pode dar muito errado. Se tiverem de escolher, políticos
sempre irão preferir que as coisas piorem a eles perderem o controle das
negociações. E isso é um risco relevante quando Europa e China estão
envolvidas.
Trump, em seu íntimo, deve saber que tarifas afetam
o país que as adotou. Em 2001, George W. Bush introduziu uma tarifa de 30% para
a importação de aço e alumínio, e isso destruiu milhares de
empregos. Obama fez o mesmo para pneus e isso, além de destruir outros
milhares de empregos, afetou
brutalmente a renda dos americanos. Suas medidas protecionistas também
geraram o pior
crescimento do setor externo do país em décadas (a lógica é direta: se os
EUA importam menos, os outros países recebem menos dólares; com menos dólares,
eles não têm como comprar mais dos EUA).
Infelizmente, muitos ainda não aprenderam a lição de
que o livre comércio, mesmo
quando adotado unilateralmente, só traz ganhos. A crescente renda dos
americanos deveria ser
uma prova inconteste disso.
Esmurrar a mesa e exigir que todos removam suas
barreiras comerciais pode acabar em todos justificando
suas barreiras com base em um inimigo externo. Quem mais sofrerá com essa
guerra comercial, estimulada pela vaidade de políticos, serão os consumidores
ao redor do mundo.
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O livre comércio, mesmo
quando adotado unilateralmente, só traz ganhos