terça-feira, 29 0aio 2018
Uma cidade acabou de sofrer um desastre natural. Ela e toda a região ao redor ficaram ilhadas e todo o suprimento de bens essenciais foi interrompido.
Logo, todo o estoque de alimentos tornou-se
repentinamente escasso, pois agora há apenas uma quantia fixa. E não há data
para reabastecimento.
Imediatamente, o prefeito desta cidade, demonstrando toda a sua sapiência e
todo o seu amor pela humanidade, decreta congelamento geral de preços.
O que irá ocorrer em seguida é fácil de ser
previsto.
As pessoas de bom poder aquisitivo e munidas de bons meios de transporte correm
para os supermercados e mercearias, e compram absolutamente tudo o que podem,
enchendo seus porta-malas, pois sabem que não há nenhuma previsão de normalização
do abastecimento.
Outras comprarão também tudo o que podem, mas mais
por capricho. Afinal, por que perder uma ida ao supermercado? Por que não
comprar o máximo de água e leite possível, já que tudo está uma pechincha
mesmo? Com efeito, por que não comprar todos os tipos de carne e fazer um
churrasco em um local sossegado para descarregar suas tensões?
Estas pessoas irão entupir seus automóveis de gasolina e diesel, enchendo
inclusive vários galões, e viajarão para seus retiros e casas de campo. Sem combustível
nos postos, táxis, carros de aplicativo e demais autônomos que utilizam seus veículos
como instrumento de trabalho (inclusive motoboys) ficam sem ter como trabalhar,
e perdem sua renda.
Mas piora: ambulâncias,
polícia, bombeiros e outros serviços de pronto atendimento (como os motoboys
que transportam remédios) não mais podem operar, e as pessoas morrem em suas
casas, sem nenhum socorro. Pessoas que fazem trabalho voluntário e
caritativo, e que dependem de automóveis para se locomover, também não mais poderão
fazer nada.
Os mais pobres, que andam a pé ou de bicicleta, e que estavam dispostos a
comprar apenas o mínimo necessário, descobrem que os supermercados e mercearias
já fecharam, pois todo o estoque já foi vendido para os mais ricos munidos de
bons meios de transporte. As crianças começam a morrer de inanição e por falta
de atendimento médico — afinal, médicos não têm combustível para ir para as
casas destas pessoas.
Em meio à catástrofe humanitária, o prefeito baterá no peito e dirá: "Ao menos eu não permiti que esses empresários safados especulassem preços em cima do povo!"
A lógica é sempre a mesma
Embora o cenário acima seja extremo, isso é o que
ocorre quando há controle de preços em um cenário cuja oferta foi abruptamente
interrompida.
Raciocínio similar pode ser aplicado ao controle de preços
sobre os combustíveis em uma época de oferta escassa deste bem essencial.
Se a oferta de combustíveis escasseou abruptamente
por causa de uma greve de caminhoneiros, e o governo decreta que os preços dos combustíveis
não podem subir nas bombas — e até ameaça
prender os donos de postos que eventualmente cobrarem
caro pela gasolina, pelo etanol e pelo diesel —, o que imediatamente
ocorrerá é que os mais desocupados, que têm muito tempo em suas mãos, correrão para
os postos e encherão seus tanques. Já os trabalhadores, com muito menos tempo disponível,
quando finalmente conseguirem chegar aos postos, ficarão apenas com o vapor da
gasolina.
Se o preço dos combustíveis continuar constante em
meio a uma severa escassez, os consumidores continuarão a consumir como se não
estivéssemos atravessando um período de escassez acentuada, e o combustível
disponível acabará muito mais rapidamente, levando a mais filas nos postos e a
mais gente que precisa de combustível sem tê-lo.
Como explicou Joel Pinheiro
da Fonseca, o estudante que levou seu carro ao posto por mera conveniência
(pois podia, digamos, usar o metrô) consumirá a gasolina do taxista, do
motorista de aplicativo e do motoboy que precisava dela, ainda que cara, para
garantir o dia de trabalho. Ambulâncias e viaturas de polícia também ficarão sem
nada. O vendedor e o autônomo que utilizam seu carro como instrumento de
trabalho perderão dias de trabalho e ficarão sem renda.
Aqueles que, em suma, necessitam desesperadoramente
de combustível — pois sua renda do trabalho depende de sua locomoção — ficarão
sem esse insumo precioso, pois o mesmo já foi usado para abastecer completamente
o tanque daqueles indivíduos que tinham mais tempo e que chegaram antes aos
postos, e que pediram para "encher até a boca" apenas para se precaver quanto
ao futuro.
O
"preço abusivo" tem uma função social
Em uma economia de mercado, quando um determinado
bem se torna mais escasso, o efeito que isso gera não é um racionamento do
mesmo, mas sim um aumento em seu preço. O aumento no preço
serve para reduzir a quantidade que os compradores intencionam comprar deste
bem até um nível que esteja dentro do limite da reduzida oferta
disponível.
A função precípua do sistema de preços é exatamente
essa: coordenar uma alocação racional de recursos escassos.
Se os postos forem liberados para aumentar seus
preços até um nível que reduza a quantidade de combustível demandado pelos
consumidores, de modo que a demanda se ajuste à reduzida oferta disponível, o
problema da falta de gasolina estará temporariamente
resolvido.
Tendo de lidar com preços maiores, muitos dos
motoristas que hoje passam horas nas filas dos postos de gasolina iriam
simplesmente desistir de utilizar seus carros e passariam a buscar arranjos
alternativos de transporte, seja o compartilhamento de carros, a utilização de
bicicletas ou qualquer outro arranjo. Praticamente todos iriam restringir
suas viagens automotivas em proporção ao maior custo do uso do automóvel.
Só iriam a um posto aqueles que estivessem genuinamente dispostos a pagar
preços muito altos pelo combustível. Não mais haveria o problema de aposentados
enchendo seus tanques com o único propósito de "mantê-lo cheio para
emergências" enquanto médicos, ambulâncias e viaturas policiais não
conseguem combustível para se locomover e salvar vidas.
As pessoas que precisassem de gasolina para
propósitos urgentes, como ir trabalhar, mas que não pudessem pagar preços
severamente altos não estariam tão ruins quanto aquelas que precisam de
gasolina para ir trabalhar mas que simplesmente não conseguem adquiri-la, ou só
a adquirem após esperarem na fila por três horas. As pessoas do primeiro grupo poderiam
compartilhar o mesmo carro e dividir entre si o alto preço da gasolina. Quanto
maior o número de pessoas no mesmo carro, menor o preço individual.
Ao preço mais alto, menos gente vai querer comprar
gasolina e diesel; alguns que planejavam encher o tanque nesses dias
simplesmente não o encherão; outros encherão o mínimo possível, e tentarão
reduzir o uso do carro se ele estiver com tanque baixo.
O resultado é uma demanda menor por combustível, o
que faz com que o estoque, que escasseou, dure mais e seja destinado aos casos
mais urgentes, àqueles que realmente precisam do combustível agora e
estão, portanto, dispostos a pagar mais caro.
O posto, ao aumentar o preço para lucrar com a
escassez, promove a economia do combustível, que é exatamente a atitude
necessária em tempos de carestia.
Mesmo em um período curto de escassez abrupta é não
apenas justificado, mas socialmente benéfico que os ofertantes aumentem o preço.
É graças a esse "aumento abusivo" que o produto fica um pouco menos
escasso, pois as pessoas adaptam o uso que fazem dele às novas condições de
preço.
O
real problema
Porém, dado que burocratas do governo são
completamente ignorantes a respeito das leis da economia, eles acreditam que
preços não têm conexão alguma com a realidade do mercado, e podem ser
controlados por eles sem gerar absolutamente nenhum efeito colateral. Eles
acreditam piamente que o único efeito do controle de preços é o de tornar a
oferta menos cara. Sim, a oferta será menos cara — mas não haverá
oferta.
Pessoas passarão infindáveis horas nas filas dos
postos de gasolina, dia após dia, tentando obter algo que não existe. Sob
qual aspecto tal arranjo é mais sensato do que o de permitir que os preços
sejam "inescrupulosamente" altos, durante um período de tempo muito
curto, de modo a fazer com que o problema seja rapidamente resolvido?
Em uma sociedade na qual as leis econômicas fossem
amplamente entendidas, legisladores, juízes e veículos de mídia que tentassem
impedir aumentos de preços em situações de emergência seriam considerados
inimigos públicos e afastados imediatamente de seus cargos. E eles seriam
afastados não por uma mera falta de apoio popular, mas sim por uma falta de
apoio manifestada no mais completo desprezo e escárnio do público por sua
ignorância econômica e desejo de destruição e miséria.