quarta-feira, 15 ago 2018
Por que alguns países são ricos e prósperos ao
passo que outros parecem condenados ao flagelo da pobreza? Eis uma questão
econômica que acompanha a humanidade há séculos.
Vários fatores já foram apresentados como
determinantes para a prosperidade: geográficos, culturais, históricos,
religiosos etc.
Entretanto, pelo menos desde a publicação do livro A Riqueza das Nações, em 1776, sabemos
que instituições políticas e econômicas têm um papel decisivo nesta questão. Fatores
como livre comércio, empreendedorismo da população, um arcabouço jurídico
confiável que proteja a propriedade privada e impinja o cumprimento de
contratos, baixa tributação,
facilidade de empreender e uma moeda forte são condições
necessárias para os países prosperarem.
O surgimento e a consolidação de instituições propícias ao
crescimento econômico demoraram centenas de anos em nações como EUA e Reino
Unido. Entretanto, nas últimas décadas vimos que as políticas adequadas podem
significativamente acelerar o desenvolvimento econômico.
A Estônia é um exemplo paradigmático disso.
A história da Estônia
No dia 20 de agosto de 1991, a Estônia se tornou
independente após 51 anos sob o jugo do comunismo. O país havia sido
inicialmente ocupado pelo Exército Vermelho em junho de 1940 sob o Pacto de
Não-Agressão entre alemães e soviéticos (Pacto Molotov-Ribbentrop),
por meio do qual os dois regimes totalitários dividiram o Leste Europeu em
esferas de influência. Um ano depois, o exército nazista invadiu a União
Soviética, ocupando a Estônia até 1944, quando os soviéticos reconquistaram o
país. A instabilidade política na União Soviética durante o início dos anos
1990 precipitou a secessão e a liberdade política no país báltico.
Desde o primeiro dia, o novo governo se comprometeu
a implantar uma série pré-determinada de reformas
de mercado, as quais criaram as bases para uma transição bem-sucedida do
socialismo para o capitalismo. A agenda política incluía uma abrangente reforma
monetária, a criação de uma zona de livre comércio, a imposição de uma lei que
proibia déficits orçamentários do governo, a privatização de estatais, e a
introdução de uma alíquota única para o imposto de renda.
O início das reformas econômicas na Estônia foi
similar à experiência dos outros países do Leste Europeu e da Europa Central
(também conhecidos como "economias em transição"), mas em algumas áreas o
início foi pior. Ao passo que as nações da Europa central conseguiram começar
suas reformas mais cedo, 1989-1990, as reformas estonianas só começaram em
1991-1992. Essa perda de tempo foi crucial e fez com que a economia da Estônia
se deteriorasse acentuadamente neste período, entrando em hiperinflação (a
inflação mensal ultrapassou 80%).
Assim, a primeira reforma real, e mais urgente, foi
a reforma monetária. Sair do rublo e criar uma moeda própria, forte e confiável
foi um enorme e importante desafio para a Estônia. Sem uma moeda forte e
estável, que gere preços estáveis e previsíveis, nenhuma outra reforma
econômica pode funcionar. Assim, em junho de 1992, o país se tornou o primeiro
da ex-União Soviética a introduzir sua própria moeda. Como? Utilizando um Currency Board.
Currency Board
O Currency Board é um regime monetário
no qual não há política monetária e nem interferência política. É o
sistema que se adota quando se quer adotar uma genuína "âncora
cambial", o que faz com que a moeda de um país se torne um mero substituto
de uma moeda estrangeira. Neste sistema, a moeda nacional é totalmente ancorada
a uma moeda estrangeira a uma taxa de câmbio fixa (no caso da Estônia, a coroa
estoniana nasceu ancorada ao marco alemão). A variação da base monetária
nacional se dá de acordo com o saldo do balanço de pagamentos (saldo da
quantidade de moeda estrangeira que entra e sai da economia nacional).
A única função de um Currency Board é trocar moeda
nacional (que ele próprio emite) por moeda estrangeira, e vice versa, a
uma taxa de câmbio fixa.
Neste sistema, não há nenhuma política
monetária. Todo o arranjo funciona como se estivesse no piloto
automático. A base monetária do país é igual à quantidade de reservas
internacionais (no caso, a moeda adotada como âncora), e varia de acordo com a
quantidade de moeda estrangeira que entra e sai da economia em decorrência das
transações internacionais do país. Quando há um superávit nas transações
internacionais, a base monetária doméstica aumenta; quando há um déficit,
diminui.
Quando a quantidade de moeda nacional é idêntica à
quantidade de reservas internacionais, é impossível haver um ataque
especulativo, pois seria impossível exaurir as reservas internacionais (a moeda
nacional teria de ser toda mandada para fora, algo por definição impossível).
O país que adota o Currency Board passa a funcionar
como se fosse um estado do país emissor da moeda utilizada como âncora pelo
Currency Board. Para que tal sistema funcione plenamente, uma Caixa de
Conversão (o Currency Board) é criada com a única missão de trocar moeda
nacional (que ela própria emite) por moeda estrangeira, e vice versa, a uma
taxa de câmbio estritamente fixa. (Veja detalhes completos
sobre o funcionamento de Currency Boards aqui.)
Um arranjo de câmbio fixo, para um país em
desenvolvimento, é bastante superior a um arranjo de câmbio flutuante, pois
gera estabilidade de longo prazo para os investimentos (os investidores sabem
exatamente qual será a definição da moeda nos anos vindouros: ele se comportará
identicamente à moeda-âncora; no caso da Estônia, o sólido marco alemão).
Também acaba com as especulações cambiais e retira completamente das
autoridades políticas do país a capacidade de fazer política monetária — e,
consequentemente, de desvalorizar a moeda, o que afeta sensivelmente a taxa de
retorno dos investidores estrangeiros.
Além de estabilizar a moeda, um Currency Board
impõe forçosamente uma disciplina ao sistema bancário e às políticas fiscais do
governo. Como o governo não pode imprimir moeda, seus gastos têm de ser
financiados exclusivamente via empréstimos e impostos. Impostos não podem subir
muito, pois inviabilizam toda a atividade econômica; e tomar emprestado levaria
a um aumento sensível da taxa de juros.
Por isso, o governo da Estônia foi obrigado a se
auto-restringir, jamais gastando mais do que arrecadava.
Orçamento equilibrado
Como slogan político, "equilibrar o orçamento"
podia até soar popular. Porém, na prática, a medida era altamente impopular.
Ao passo que outros países do Leste Europeu e da
Europa Central iniciaram sua "terapia de choque" liberando preços, a Estônia
começou equilibrando o orçamento do governo em 1992 (em conjunto com a troca de
moeda). A prioridade de eliminar os déficits orçamentários não apenas estava
bem solidificada no pensamento econômico, como também, e de maneira mais
prática, era a única solução para uma situação desesperadora. Os acontecimentos
nos outros países da região, que também haviam saído do socialismo, indicavam
que uma reforma monetária não tem como ser bem-sucedida se o orçamento do
governo não estiver estritamente controlado.
Mas equilibrar o orçamento exigia cortes radicais
em todos os tipos de subsídios e repasses a empresas estatais, bem como reduzir
profundamente o tamanho do estado. Acima de tudo, envolvia a privatização das
estatais.
Cada um destes cortes foi extremamente impopular,
pois mexia com vários e poderosos grupos de interesse (de sindicatos de
estatais a pessoas acostumadas a viver de repasses e ajudas). Porém, graças a
uma coalizão
no parlamento, os cortes foram feitos, e o estabelecimento de um orçamento
equilibrado se tornou o objetivo mais importante.
Logo em seguida, foi aprovada uma lei estipulando
que apenas orçamentos equilibrados podiam ser apresentados no parlamento da
Estônia. Em outras palavras, foi aprovada uma lei proibindo
o Congresso de apresentar um orçamento deficitário.
Essa lei permitiu que o governo, dali em diante,
conseguisse aprovar orçamentos equilibrados mais facilmente, e fez com que o
orçamento equilibrado se tornasse uma marca registrada da Estônia.
Sem a capacidade de imprimir dinheiro, o governo da
Estônia só poderia equilibrar seu orçamento cortando gastos. A consequência?
Eis a dívida total do governo da Estônia: apenas 9% do
PIB, a segunda menor do mundo (só perde para Brunei).
Como consequência, subsídios para empresas estatais
foram cortados. Isso foi crucial para o desenvolvimento de novas empresas
privadas, pois subsídios preservam e protegem antigas e defasadas estruturas de
produção, além de impedir mudanças estruturais modernizantes na economia. O
corte de subsídios enviou uma mensagem simples, clara e direta para os
dinossauros industriais da era soviética: comecem a trabalhar produtivamente ou
morram.
Como mostraram os acontecimentos subsequentes, a
maioria optou por começar a trabalhar.
Simultaneamente, várias estatais foram privatizadas:
ou elas foram retornadas para seus proprietários originais (que as tiveram confiscadas
durante o socialismo), ou foram vendidas para investidores estrangeiros ou
foram privatizadas por meio do sistema
de vouchers (as ações majoritárias eram vendidas em leilão para um único proprietário,
e as ações minoritárias eram adquiridas via vouchers por vários pequenos
investidores).
Digno de nota é o fato de que todos os bancos
estatais foram privatizados. E os bancos privados recém-surgidos que
apresentaram dificuldades financeiras não foram socorridos. Como resultado, a
Estônia tem hoje o sistema bancário mais eficaz dos bálticos e menos protegido
e corrupto do que o dos países da União Europeia.
Livre comércio
Pelo mesmo critério, a Estônia reduziu as
tarifas de importação, bem como as barreiras não-tarifárias, além de
efetivamente abolir todas as restrições às exportações. Isso, na prática,
tornou o país uma zona de livre comércio.
O objetivo principal de se criar uma zona de livre
comércio — além de permitir acesso fácil e barato a produtos que aumentam o
padrão de vida da população — foi a constatação,
segundo Mart Laar, o
primeiro-ministro da época, de que tarifas protecionistas favoreciam exclusivamente os setores
mais politicamente organizados, e pioravam a vida de toda a
população, exatamente quem mais carecia de acesso a produtos bons e
baratos.
Essa política de abertura comercial se comprovou
altamente bem-sucedida, estimulando a concorrência, obrigando a um aumento da
eficiência das empresas estonianas, e impulsionando o crescimento econômico e a
reconstrução do país. A abertura comercial — em conjunto com a
desregulamentação econômica, com a moeda estável e com um governo restringido
— fez com que várias novas empresas estrangeiras se estabelecessem na Estônia,
as quais abriram novas fábricas voltadas para a exportação.
Obviamente, a abertura às importações e a chegada
de empresas estrangeiras geraram vários
protestos contra, os quais sempre invocavam a "soberania nacional". Entretanto,
tão logo os primeiros resultados positivos dessa abertura foram sentidos, a
reversão dessas reformas se tornou muito mais difícil. Abertura comercial
sempre será politicamente impopular, mas ninguém irá alterar um sistema que
esteja funcionando.
Investimentos estrangeiros
Para uma economia em transição, como a Estônia,
atrair investimentos estrangeiros era uma alternativa muito superior a pedir
empréstimos para instituições internacionais, como Banco Mundial e FMI. Ajuda
internacional sempre gera o risco de perpetuar o atraso de um país, pois ela normalmente
consiste de tecnologia obsoleta e conselhos arcaicos, os quais não têm
utilidade para ajudar países modernos. Ao recorrer a ajudas internacionais, países
em desenvolvimento perdem a oportunidade de usar seu relativo atraso como mola
propulsora para o desenvolvimento.
Como disse o
primeiro-ministro da época, "não queremos ajuda, mas sim livre comércio".
Ato contínuo, foi aprovada uma lei sobre a venda de
terras, a qual garantiu segurança jurídica para todos os investidores
estrangeiros, pois agora sua propriedade estaria protegida por lei. Ao mesmo
tempo, todos os privilégios especiais concedidos a alguns poucos e específicos
investidores estrangeiros foram abolidos. O fim desse favorecimento explícito
estimulou todos os tipos de investimentos. Rapidamente, já entre 1993 e 1994, a
Estônia deixou de ser um lugar praticamente desconhecido no mundo e se
transformou em uma meca para os investidores estrangeiros. A partir dali, os
investimentos estrangeiros no país — os quais traziam capital e tecnologia
extremamente necessários — só fizeram crescer anualmente.
Como resultado, a Estônia recebeu mais
investimento estrangeiro per capita na segunda metade da década de 1990 que
qualquer outro país do Leste Europeu e da Europa Central. Esse amplo influxo de
investimento estrangeiro criou novas oportunidades de empreendimento, novos
empregos, reconstruiu novas fábricas, trouxe novo conhecimento e novas
tecnologias, e tornou a Estônia mais moderna e mais competitiva.
As consequências
Moeda forte, abertura comercial, governo
restringido e com orçamento equilibrado, baixos impostos, e liberdade de
empreendimento. Não é necessário
mais do que isso para elevar um país da pobreza à pujança.
Um dos arquitetos desta agenda pró-mercado foi Mart Laar, o
primeiro-ministro da Estônia durante dois períodos: 1992-1994 e 1999-2002. Laar
afirmou que se inspirou
no bestseller de Milton Friedman, Free to Choose, para implantar seu ambicioso plano de reformas de livre mercado.
Essas reformas pavimentaram o caminho para o incrível
aumento no padrão de vida vivenciado pela Estônia desde sua independência. Hoje,
a Estônia é considerada um país de alta renda pelo Banco Mundial, sendo membro
da União Europeia e da zona do euro (a Estônia saiu do Currency Board e adotou
diretamente o euro em 2011). O poder
de compra dos estonianos aumentou
400% desde as últimas décadas, não obstante o severo impacto que a crise
financeira de 2008 teve sobre as economias bálticas.
Evolução do PIB per capita da Estônia, em termos de paridade do poder de
compra
A Estônia está hoje no topo da lista dos países com
maior liberdade
econômica. As finanças do governo demonstram uma invejável saúde, como
mostra o fato de que a dívida pública é de apenas 9,5% do PIB. Em
termos de mercado de trabalho, a taxa
de desemprego da Estônia é de 5,3%, bem abaixo da média da União Européia. Finalmente,
seu eficiente
e atrativo sistema tributário (alíquota única de
20% sobre o lucro das empresas [no Brasil,
essa alíquota
chega a 34%], sendo que os lucros não distribuídos não são tributados)
colocou a Estônia como centro mundial das empresas de alta tecnologia,
impulsionando o investimento estrangeiro e o crescimento econômico.
Adicionalmente, a expectativa de vida subiu de 66
anos em 1994 para 77 anos em 2016.
Quando comparada às outras ex-repúblicas
soviéticas, o progresso da Estônia é ainda mais surpreendente. Em
termos de paridade do poder de compra, a Estônia está à frente de países como
Rússia e Letônia, e bem acima da renda média. A figura é similar quando se
recorre a outros indicadores, como expectativa
de vida ou taxa
de mortalidade infantil, em que a Estônia mostra que o progresso econômico tem
um impacto real sobre o padrão de vida das pessoas.
Comparativo do PIB
per capita da Estônia com outros países, em termos de paridade do poder de
compra
A Estônia é o exemplo vivo de que o progresso
humano está intrinsecamente ligado à liberdade econômica. Entretanto, há muitos
outros. Países que há não muito tempo eram extremamente pobres estão abandonando
o atoleiro do subdesenvolvimento
e abraçando a prosperidade graças ao capitalismo. A receita para o
crescimento econômico e para o progresso é bem conhecida.
A única coisa que podemos fazer é difundir as idéias
de modo que todos os países ainda atrasados tenham a oportunidade de melhorar
seu padrão de vida, assim como fez a Estônia no inicio da década de 1990.
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