Nota do Editor:
Não interessa se é em Manaus, na Suécia, no Reino Unido ou no Canadá: o fato inquestionável é que o estado, onde quer que seja, é totalmente incapaz de fornecer serviços de saúde decentes. Sempre que ele se envolve, o resultado é carnificina.
E corrupção nem sequer é o principal problema: a explicação é totalmente econômica.
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Tom Kent era o principal burocrata e estrategista
político do Canadá quando o Medical
Care Act [decreto que estatizou e "universalizou" o acesso ao sistema
de saúde canadense] foi aprovado em 1966. Ele descreveu abertamente o objetivo do
governo:
O
objetivo daquela política pública era clara e simplesmente garantir que as
pessoas pudessem receber tratamentos médicos sempre que necessitassem, sem levar
em conta quaisquer outras considerações ou empecilhos.
Já o Ministro da Saúde e do Bem-Estar Social, Allan
J. MacEachen, foi
ainda mais direto:
O
governo do Canadá acredita que todos os canadenses têm o direito de obter
serviços de saúde de alta qualidade de acordo com sua necessidade e
independentemente de sua capacidade de pagar. Acreditamos que a única maneira
prática e efetiva de se fazer isso é por meio de um esquema de atendimento
universal, pré-pago, e bancado pelo governo.
À época, o governo federal se responsabilizava por
bancar 50% dos gastos em saúde das províncias do país.
Já o Canada Health Act (Decreto de Saúde do Canadá),
aprovado em 1984, estabeleceu cinco programas decisivos: administração pública,
abrangência, universalidade, portabilidade e acessibilidade. Este ato, em
efetivo, proibiu os pacientes de serem diretamente cobrados pelos serviços
médicos fornecidos, o que levou, na prática, à socialização da medicina no
país.
Ou seja, atualmente, no Canadá, o financiamento para
a saúde advém dos impostos. Os hospitais são entidades privadas — ou seja, não
são instituições públicas —, porém seus profissionais são pagos pelo governo e
suas receitas também advêm do governo. Na prática, portanto, funcionam como
estatais.
No Canadá, menos de 30% dos serviços de saúde são
financiados particularmente. E quais são esses serviços? Odontologia, cirurgias
cosméticas, medicações e serviços de optometria.
Após meio século do surgimento desta política, o
governo ainda não honrou seu compromisso. Apesar
do contínuo aumento dos gastos estatais com saúde, o desempenho dos
serviços médicos no país cai a cada ano. O que é pior: o governo tornou ilegal
— ou seja, é crime — aos cidadãos pagar a agentes privados para receber
serviços de saúde que o governo fracassou em fornecer.
Esperando
por um atendimento - até morrer
De acordo com uma pesquisa
do canadense Instituto Fraser, o tempo médio de espera para pacientes
canadenses que necessitam de tratamentos médicos — desde a consulta a um
clínico geral, o qual indica um especialista, até a data efetiva do tratamento
— foi de 21,2 semanas em 2017.
Ou seja, quase cinco meses de espera.
Esse tempo de espera observado em 2017 foi 128%
maior que o observado em 1993, quando era de "apenas" 9,3 semanas.
Se um canadense sofrer queimaduras de terceiro grau
em um acidente automobilístico e precisar de uma cirurgia plástica
reconstrutora, o tempo médio de espera pelo tratamento será de 20 semanas. O
tempo de espera para uma cirurgia ortopédica no Canadá também é de quase cinco
meses. Para uma neurocirurgia é necessário esperar três meses completos. E
leva-se mais de um mês para uma cirurgia cardiovascular.
Pense nisso: se o seu médico descobrir que suas
artérias estão entupidas, você terá de esperar na fila por mais de um mês, com
a possibilidade iminente de uma morte por ataque cardíaco. Não é à toa que
tantos
canadenses vão para os EUA em busca de tratamento médico.
Quem é da área médica sabe muito bem que o tempo de
espera para tratamentos médicos necessários não é apenas uma inconveniência
benigna. Tempos de espera podem ter, e têm, severas consequências, dentre elas
aumento das dores excruciantes, do sofrimento e da angústia mental. Em alguns
casos, podem também gerar resultados médicos piores do que seriam caso o
tratamento fosse realizado a tempo — transformando lesões ou doenças
potencialmente reversíveis em situações médicas crônicas e irreversíveis,
podendo até mesmo causar invalidez permanente.
Ou até mesmo a morte.
Um estudo
de 2014 do Fraser Institute declarou:
Ministros
da Suprema Corte do Canadá afirmaram que os pacientes do país estão morrendo em
decorrência das listas de espera utilizados para os serviços de saúde
universalmente acessíveis.
É estimado que entre 25.456 e 63.090 (com um valor
médio de 44.273) mulheres canadenses morreram em decorrência do aumento do
tempo médio de espera entre 1993 e 2009.
Pegando-se o dado mais conservador, pode-se dizer
com certeza que aproximadamente 1.500 mulheres morreram anualmente, entre 1993
e 2009, como resultado do aumento do tempo de espera no Canadá.
O
jornal The Toronto Star publicou uma
carta endereçada ao Cancer Care
Ontario (CCO - Tratamento do Câncer de Ontário), uma agência estatal
responsável pelo financiamento. A carta foi assinada por cinco cirurgiões especialistas
em transplante, claramente frustrados com a escassez de financiamento estatal
(o sublinhado é meu):
Eis
o efeito líquido das crescentes listas de espera: pacientes tendo recidivas e
morrendo enquanto esperam por um transplante; pacientes fazendo sessões extras
de terapia para tentar sobreviver até que se consiga marcar uma data para o
transplante; fadiga, exaustão e depressão das equipes médicas, neste que é um
problema nacional. [...]
Estimativas
anteriores do CCO quanto às instalações e às equipes médicas necessárias para
transplantes não levaram em consideração todos os fatores operacionais, o que
resultou em instalações deficientes, com baixa capacidade e aquém da demanda, o
que aparentemente surpreendeu a todos do governo, exceto a nós médicos, que
já havíamos antecipado esse problema, pois o vivenciamos nos centros de
transplante há vários anos. [...]
Os
programas de transplante requerem recursos que permitam um aumento da
capacidade instalada em pelo menos 35%, sendo o ideal talvez 50%, apenas para
reduzir as listas de espera e assim haver tempos de espera mais saudavelmente
apropriados para uma pessoa que necessita de um transplante.
Nada
de novo
A realidade é que a situação canadense não só é
antiga, como também é muito bem documentada. Infelizmente, de uns tempos para
cá, com a intensificação do debate sobre o ObamaCare nos EUA, a
mídia adotou uma ideologia pró-medicina socializada, o que dificultou a
divulgação de informações sobre a falência da medicina estatal canadense.
No entanto, se regredirmos alguns anos, as
informações se tornam bem mais abundantes. Um artigo no The New
York Times de 16 de janeiro de 2000, intitulado Full
Hospitals Make Canadians Wait and Look South [Hospitais Lotados
Fazem os Canadenses Esperar e Olhar Para o Sul], fornece alguns bons exemplos
de como o controle de preços no Canadá criou sérios problemas de escassez.
- Uma
senhora de 58 anos esperava por uma cirurgia cardiovascular no saguão de
um hospital de Montreal junto a outros 66 pacientes. As portas
elétricas abriam e fechavam durante toda a noite, permitindo a entrada de
correntes de ar com temperaturas em torno de -18°C. Ela estava em uma
lista de espera de cinco anos para sua cirurgia.
- Em
Toronto, em um único dia, 23 dos 25 hospitais da cidade deixaram suas
ambulâncias paradas por causa de uma escassez de médicos.
- Em
Vancouver, ambulâncias permaneciam abandonadas por horas enquanto vítimas
de ataques cardíacos aguardavam dentro delas, à espera de serem
adequadamente atendidas.
- Pelo
menos 1.000 médicos canadenses e dezenas de milhares de enfermeiras
canadenses migraram para os EUA em busca de maiores salários e melhores
condições de trabalho.
Concluiu o jornalista: "Poucos canadenses recomendariam
seu sistema como modelo de exportação".
E isso em 2000. De lá para cá, tudo piorou.
Per capita, os EUA têm oito vezes mais máquinas de
ressonância magnética, sete vezes mais unidades de radioterapia para
tratamentos de câncer, seis vezes mais unidades de litotripsia, e três vezes
mais unidades de cirurgia cardiovascular.
Existem mais scanners de ressonância magnética no
estado de Washington, cuja população é de cinco milhões de pessoas, do que
em todo o Canadá, cuja população é de mais de 30 milhões de indivíduos (Veja
John Goodman e Gerald Musgrave, Patient Power).
Indiferença
política e burocrática
Políticos e burocratas, obviamente, não mostram
nenhuma preocupação em relação às dezenas de milhares de vítimas de seu falido
sistema universal de saúde. O caso da jovem Laura Hillier, de apenas 18 anos de
idade, e que se tornou uma mera estatística
para o governo, é um exemplo clássico.
Laura estava sofrendo de leucemia mieloide aguda, e
necessitava desesperadoramente de um transplante de células-tronco. Vários
doadores compatíveis estavam disponíveis, mas
não
havia nenhum leito hospitalar disponível. O jornal The
Toronto Star noticia:
Em
julho de 2015, Frances (mãe de Laura) enviou cartas para Kathleen Wynne
[primeira-ministra da província de Ontário] e para Eric Hoskins (Ministro da
Saúde da província de Ontário) em nome de Laura e de todos os outros pacientes
submetidos às "cruéis, desumanas, e potencialmente letais" listas de espera
para transplantes. Nem Wynne nem Hoskins responderam, diz Frances.
Em julho de 2015, a Ministra da Saúde federal Rona
Ambrose também se recusou a comentar sobre o assunto quando questionada pela
rede CTV
News.
O silêncio de Ambrose, Wynne e Hoskins é, de certa
forma, compreensível, pois não há como argumentar em prol da eficácia da saúde
estatal. Ademais, em alguns casos, uma resposta é pior do que o silêncio. Em
uma declaração à CTV
News, Shae Greenfield, porta-voz do Ministro Eric Hoskins, disse:
É
nossa expectativa que os hospitais priorizem pacientes com urgência médica. No
entanto, essas decisões são tomadas por cada hospital, individualmente.
Essa declaração insensível foi, obviamente, uma
tentativa de abdicar de suas responsabilidades e transferir a culpa para
terceiros. No entanto, a questão não é de "prioridade", mas sim de falta de
recursos. Há vários pacientes que são prioridade
porque suas necessidades são urgentes do ponto de vista médico; no entanto,
todos estão presos em uma lista de espera.
A culpa das listas de espera e da baixa capacidade
operacional não está nos hospitais, mas sim no governo: sendo a medicina
estatal e sendo o governo o único financiador, é fato que ele não forneceu aos
hospitais o financiamento necessário para, como havia prometido Tom Kent, "garantir
que as pessoas pudessem receber tratamentos médicos sempre que necessitassem,
sem levar em conta quaisquer outras considerações ou empecilhos."
Forçada pelo governo a esperar, a situação de Laura
se deteriorou e ela morreu seis meses depois, no dia 20 de janeiro de 2016, ainda esperando por um leito.
Cirurgias de transplante de células-tronco, outras
cirurgias de câncer, cirurgias
de catarata, cirurgias
de joelho e quadril, cirurgias
bariátricas, cirurgias
cardíacas — há uma lista de espera e um atraso de vários meses para todas
essas cirurgias. Com isso, a saúde e o bem-estar de vários canadenses vai se
deteriorando — e muitos vão morrendo — enquanto o governo os obriga a esperar
meses para receber um serviço que o próprio havia prometido entregar
rapidamente.
O
fracasso estatal era previsível
Os gastos do governo com os serviços de saúde estão
subindo continuamente, mas
isso não tem como durar:
Após
anos aumentando
os gastos com saúde a um ritmo insustentável, tudo indica que os governos
provinciais começaram a chegar ao seu limite nos últimos 5 anos: a continuação desta
política levará ou a uma redução em outros gastos, ou a mais impostos, ou a
mais déficits e maior endividamento. Ou uma combinação dos três.
Sobre o sistema de saúde universal no Canadá, sua
insustentabilidade foi prevista ainda em 1970 pelos próprios responsáveis por
sua implantação. Na página 288 do seu livro, o canadense William Gairdner mostra
que:
Em
1970, a Comissão de Saúde de Ontário profeticamente alertou que "a sociedade nunca
considerará como suficiente a quantidade de bens e serviços de saúde que poderão
ser ofertados pelo estado, mesmo que todos os recursos da sociedade sejam
direcionados para a provisão de cuidados médicos".
Previsão bastante acurada. Não importa quanto
seja aumentada a quantidade de dinheiro jogada no sistema de saúde estatal; no
final, a administração burocratizada e sem concorrência irá simplesmente
desperdiçar este dinheiro.
E este é o grande problema dos sistemas de saúde
estatizados: é impossível fazer uma administração racional dos recursos.
De um lado, dado que o dinheiro advém de impostos e
não da qualidade dos serviços ofertados, não há um sistema de lucros e
prejuízos a ser seguido. Logo, não há racionalidade na administração. Com
efeito, nem sequer é possível saber o que deve ser melhorado, o que está escasso
e o que está em excesso. Não há como inovar ou se tornar mais eficiente.
De outro, quando algo passa a ser ofertado
"gratuitamente", a quantidade efetivamente demandada sempre será
maior que a ofertada. E aí escassez e racionamento tornam-se uma inevitável
rotina.
Ou seja, a oferta, além de ser limitada, é
ineficiente e irracional, pois não segue um sistema de preços. Já a demanda
tende ao "infinito", pois o custo é zero.
Tem-se, assim, a tempestade perfeita. Como os
recursos para a saúde são limitados e gerenciados de maneira burocrática, mas a
demanda é crescente e "gratuita", filas de espera para tratamentos,
cirurgias, remédios e até mesmo consultas de rotina viram a norma. No extremo,
pacientes são abertamente rejeitados, cirurgias são canceladas e pessoas são
deixadas para morrer sem tratamento.
No caso do Canadá, trata-se de um fato inegável que,
quanto mais recursos (impostos) foram
direcionados para gastos em saúde, mais a provisão de serviços de saúde declinou,
como mostram as crescentes listas de espera. Quanto mais o governo (supostamente)
tenta ajudar, mais as coisas pioram.
Efeitos econômicos
Os gastos do governo com o sistema universal de saúde
no Canadá, em 2016, foram
de aproximadamente US$ 4.000 por capita. Mas há os custos não-vistos que recaem
desproporcionalmente sobre os mais pobres.
Por exemplo, se considerarmos as horas de uma semana
de trabalho normal, estima-se que o custo de 'espera' por paciente foi
de aproximadamente US$ 1.759 em 2016. Quem sofre mais? É claro que os mais
pobres: quando eles estão impossibilitados de trabalhar por estarem presos em
uma lista de espera do governo para receber tratamento médico, não auferem
renda.
Ou seja, embora o governo canadense tenha decretado
a saúde estatal em nome da "ajuda aos mais pobres", o fato é que ele não só não
cumpriu sua promessa, como ainda está tornado os pobres e doentes em doentes ainda
mais pobres.
Conclusão
Em um sistema de saúde controlado pelo governo, é o
estado quem determina quem pode receber tratamento, como e quando. Assim como
em uma economia sob controle de preços, a oferta sempre irá se exaurir perante
a demanda.
Os canadenses mais ricos recorrem à medicina
americana. Os mais pobres morrem enquanto aguardam seu nome nas crescentes
listas de espera.
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